Capítulo 2
— Você é um filho da mãe sortudo, Kenway. — Richard parou por um instante ao ver a jovem parada próxima à mesa de Henryk. Ela mordia o lábio enquanto olhava para o escritório, segurando um pequeno balde em suas mãos. — O que ela está fazendo?
— Uma lista mental, sr. McGraw. — Henryk apoiou o rosto a uma das mãos, mantendo seu olhar sobre Astraea por um momento a mais antes de voltar sua atenção para Richard. — Existe algum motivo para sua ruidosa entrada?
— Sim. O cliente aceitou nosso pedido de desculpas e nos pagou todo o combinado. Disse que apesar do atraso, a carga estava em bom estado e isso era o que mais importava. — Richard exibiu um sorriso charmoso antes de se esticar para espiar o documento sobre a mesa. — Novo contrato?
— Talvez, tenho uma reunião com aquele nosso cliente mais tarde. — Henryk permitiu uma risada escapar por seus lábios ao ver o ruivo revirar seus olhos ao se lembrar do dito padre. — Pare de ser tão implicante. Ficará aqui apenas para garantir que nada saia do controle, estamos entendidos?
— Sim, senhor. — Richard se levantou, se aproximando das estantes atrás da mesa de Henryk, passando os olhos com desinteresse sobre os volumes. — E então... Quando seu amigo volta?
— O sr. Charpentier deve estar de volta em algumas semanas. Sabe como diplomacia é complicada. — Henryk manteve seus olhos fixos ao documento, ouvindo o suspiro do outro. — O que te incomoda?
— Não gosto dele, sabe disso. Ele traiu a própria pátria, o que o impede de fazer o mesmo conosco? — Richard voltou seus olhos para Henryk, pegando um livro qualquer e se sentando na pequena mesa próxima a janela, se espreguiçando.
— Nada, talvez e apenas talvez, o fato de que nós não vamos apenas matá-lo caso isso ocorra. — um sorriso cruel delineou os lábios de Henryk enquanto ele voltava a seu riscar e rabiscar na folha do novo contrato.
As horas se passavam de forma lenta, à medida que os três se distraiam. Henryk alternava sua atenção entre os contratos recém-entregues e a contabilidade de sua pequena propriedade enquanto Richard dormia profundamente com um livro a esconder seu rosto em uma falha tentativa de disfarce.
— O que está fazendo? — Henryk permitiu que um sorriso delineasse seus lábios ao ver Astraea se sobressaltar. Ela estava a longos minutos alisando uma prateleira. — Já limpou essa estante. Na verdade, já limpo toda a área livre do escritório, o que inclui a pequena mesa onde Richard está... descansando.
Seu sorriso se tornou gentil quando Astraea se virou para ele, torcendo nervosamente o pano que tinha em mãos com um olhar um pouco assustado.
— Gosta de ler? — Henryk se levantou, dando a volta à mesa e se aproximando de Astraea enquanto ela concordava com um aceno.
— Meu... — ela parou por um momento, mantendo os olhos baixos e limpando a garganta. — Meu marido diz que é um hábito ruim, pois coloca ideias distorcidas na mente das pessoas. Que isso faz com que nos tornemos rebeldes.
— Hm. — Henryk manteve seus olhos sobre ela por um momento a mais antes de puxar um livro da estante e pegar a mão de Astraea, colocando o livro sobre ela. — Eu gosto que as pessoas sob meu comando e proteção tenham ideias, pensamentos próprios e sejam um pouco rebeldes. Não é do meu feitio gostar de bajuladores, srta. Astraea. Então espero que esses livros lhe tragam muitas ideias e conhecimentos, pois foi para isso que foram escritos.
Henryk manteve seus olhos sobre ela por um momento a mais, permitindo que um pequeno sorriso tomasse seus lábios ao vê-la sorrir sem jeito, pegando o livro com ambas as mãos.
— Apenas peço que esteja disponível caso eu precise de seus serviços. Pode fazer o que desejar aqui, como ler ou bordar ou qualquer coisa que mulheres gostem de fazer em seu tempo livre. — Henryk se virou, voltando para sua mesa e para seus documentos. — Apenas mantenha esses materiais escondidos, eles não seriam vistos com bons olhos por meus clientes e eles podem ter uma ideia errônea sobre a senhorita que pode colocá-la em risco.
Astraea concordou com um aceno e se afastando em direção a pequena poltrona entre um par de estantes. Henryk manteve seus olhos sobre ela por um momento a mais antes de vê-la se levantar, deixando o livro sobre a pequena mesinha e seguindo para a cozinha. Seu estômago reclamou, o fazendo sorrir com a pontualidade de Astraea antes que ele se levantasse e fosse acordar Richard.
🌼
Richard se deixou cair sobre a confortável poltrona de Henryk, apoiando seu rosto a uma das mãos e encarando o pedaço de papel a sua frente. Ele suspirou, levantando seus olhos por um momento ao ver a jovem parada no centro do escritório, olhando ao redor como se estivesse perdida.
— Senhorita. — ele tentou não rir quando ela se virou de uma vez para ele, quase caindo sobre o divã. — O senhor Kenway disse que a senhorita pode ler ou fazer qualquer outra coisa. Não é por que estou no lugar dele que vou a impedir de fazer isso. Fique à vontade, por favor.
Richard sorriu simpático quando ela concordou com um aceno, aproximando-se da poltrona e se sentando, novamente voltando sua atenção para o romance que tinha em mãos.
O ruivo alternou seus olhos entre a pena o papel a sua frente, tentando pensar no que escrever.
— Mas que inferno! — ele se levantou, espalmando as mãos contra a mesa e vendo Astraea levantar os olhos assustados para si. — Perdão senhorita...
Richard se deixou cair sobre a poltrona, escondendo o rosto entre suas mãos e notando de relance a figura se aproximar. Ela puxou uma cadeira, se sentando a sua frente e o encarando com olhos preocupados.
— Posso perguntar o que houve? — a hesitação em sua voz o fez se perguntar quantas vezes ela já não teria ouvido uma resposta bruta e recheada de ignorância a essa pergunta.
— Sim. — ele sorriu de forma gentil para a morena, arrumando sua postura. — Acho que estou apaixonado.
Richard permitiu que um sorriso bobo tomasse seus lábios enquanto deixava que sua mente o levasse de volta aos acontecimentos do dia anterior.
— Ah senhorita Astraea, tem que vê-la. Doce como uma pimenta. — ele sorriu ao ouvir a risada da jovem a sua frente. — Nunca fui um homem romântico, desses que acreditam em amor à primeira vista... Mas tenho que admitir que talvez esteja começando a acreditar em amor ao primeiro afronte.
Richard riu com a lembrança enquanto via os olhos cheios de curiosidade de Astraea se voltarem para si. Ela parecia ser apreciadora de uma boa história.
— Tinha que ver senhorita Astraea, a forma como ela me enfrentou, como fez meus homens quase engolirem os próprios culhões. — uma gargalhada deixou seus lábios ao ver as bochechas da morena tomarem um tom rosado e seus olhos se arregalarem. — Perdão, mas não há expressão melhor para definir o que ela fez.
Richard tinha um sorriso apaixonado em seu rosto enquanto contava a Astraea da pequena mulher que tão impetuosamente enfrentara três de seus homens, ignorando o quão bem armados eles estavam.
— Meu coração se rendeu a ela no momento em que ela se virou para me encarar quando eu lhe pedi calma e disse-lhe que resolveria o problema. Ah senhorita, nunca vi olhos tão ferozes. — o ruivo sorriu passando a mão por seus cabelos. — Me rendi a ela quando ela se pôs na ponta dos pés apenas para ordenar que eu e meus homens saíssemos de seu caminho e fôssemos para o inferno.
— Ela parece ser uma mulher e tanto. — Astraea tinha um sorriso divertido em seus lábios com suas mãos sobre o colo e seus dedos entrelaçados. — E o que tanto lhe perturba?
— Eu gostaria de conquistá-la. Mas não como... hm... — ele voltou seus olhos para o teto, pensando por um instante.
— Não como o temível comandante de Henryk Kenway? — Astraea o encarou com o olhar doce enquanto ele concordava com um aceno. Richard McGraw tinha sua fama já espalhada pelo forte, um homem grande, violento e por muitos visto como mulherengo. Não que ele realmente fosse os dois últimos da forma como diziam. — E o que está tentando fazer?
— Estava pensando em algo como um admirador secreto... Algo romântico como nos livros melosos do Henryk. — Richard revirou os olhos fazendo Astraea rir. — Apenas não sei por onde começar.
— Pelo nome dela, já será meio caminho andado. A elogie, diga para ela às coisas que me disse de uma forma mais... romântica. — Astraea sorriu apontando para a pena. — Posso?
Richard concordou com um aceno, esticando seu corpo e observando as palavras tomarem forma com letras cursivas de aparência um tanto grosseira apesar do esforço de sua escritora. Uma bela embora curta carta surgiu, recebendo como complemento uma citação de um romance em seu final.
— O Henryk vai gostar de saber que você escreve. — Richard sorriu ao ver o rosto de Astraea ruborizar com o elogio enquanto ele pensava por um momento o quão raros esses eram na vida da jovem mulher a sua frente. — Por que pergunto quais as flores favoritas dela?
— Para que seu emissário de confiança possa levar a próxima carta, caso ela o responda, com uma flor como mimo. — Astraea sorriu radiante, como se visse um pequeno romance ser escrito a sua frente.
— Emissário de confiança... Não tinha pensado nisso, realmente, alguém pode se aproveitar disso caso eu não tome cuidado. — o ruivo cerrou os punhos, irritado com o simples pensamento de alguém fazendo mal a sua paixão.
— Posso perguntar qual o nome dela? — Astraea tinha um sorriso animado em seus lábios enquanto Richard concordava com um aceno.
— Anne. Senhorita Anne. — o nome dela deixou seus lábios como um doce chamado, fazendo com que ele fechasse seus olhos por um momento e a visse novamente a sua frente. — Obrigado senhorita Astraea.
A morena sorriu para ele uma última vez, fazendo uma educada mesura e se afastando novamente em direção a sua poltrona.
🌼
— Senhor Kenway... — Astraea sorriu para Henryk, o encarando por um momento a mais. — Está tudo pronto.
— Nesse caso, fique a vontade para ir para casa e descansar. — Henryk exibiu um pequeno sorriso para ela enquanto Astraea acenava para ele antes de sumir no corredor.
Richard surgiu com um sorriso a brincar em seus lábios, sentando-se de frente para o britânico.
— Ela parece bem animada. — o ruivo apoiou seu rosto a uma das mãos e encarando Henryk, que concordou com um aceno. — Mas você também notou não é? As marcas no braço dela.
— Sim. — Henryk suspirou, deixando de lado a pena. — Ainda não tomei uma atitude, pois... Bem, ela tem estado mais alegre e tem respondido minhas perguntas de forma espontânea, não como se fossem respostas prontas como da primeira vez que nos encontramos.
— Ainda não entendo... — Richard se recostou a cadeira encarando o teto por um instante enquanto falava. — Por que ele faz isso com ela? Metade dos nossos rapazes fariam qualquer coisa para ter uma mulher como ela ao seu lado...
Henryk deu ombros mantendo seus olhos no papel a sua frente antes de voltá-los para Richard.
— Astraea é o que se espera da esposa perfeita... — o ruivo voltou seus olhos para o britânico, apoiando o rosto a uma das mãos. — Sabe cuidar de uma casa, é educada, doce, bondosa e prestativa. E até mesmo o que nós, e principalmente você, vemos como um defeito nela que é sua submissão e sua mania de manter os olhos e voz sempre baixos seria visto por outros como uma qualidade...
— Alguns homens não sabem valorizar o que tem, sr. McGraw. E o Smith é um desses homens. — Henryk voltou seus olhos para a porta, encarando-a por um momento a mais antes de voltá-los para o papel. — Espero que ele mude sua postura antes que eu resolva fazer isso por ele.
Henryk ignorou o grande e cruel sorriso que Richard tinha em seus lábios ao ouvir suas palavras antes que o ruivo se levantasse e saísse para o pátio.
Era do conhecimento de todos os que trabalhavam para Henryk Kenway seu grande apreço e respeito às mulheres, mesmo que não soubessem de onde isso vinha.
No decorrer de seus anos lidando com os povos nativos e os, ainda que poucos, anos passados ao lado de seu grande amor fizeram com que o britânico passasse a ter uma nova visão sobre as mulheres. Antes seu respeito a elas estava ligado apenas ao cavalheirismo.
Porém com o passar dos anos, ele passou a vê-las como o que realmente eram: a fonte de toda a vida. Sem Kani ele jamais teria descoberto o amor, ainda que tivesse doído horrivelmente perdê-la. Sem Denise e suas meninas, Henryk ainda estaria em uma cabana cheia de mercenários fedorentos morrendo de fome, que não sabiam como cozinhar, cuidar dos suprimentos ou até mesmo comprá-los. Além do mais, descobriu em seu curto relacionamento como o corpo feminino parece intimamente ligado a natureza, com seus ciclos, e como essa parece beneficiar quem demonstra respeito pelo mesmo.
É claro que poderia ter sido uma pequena e infeliz coincidência que no ano em que Henryk ignorou os maus tratos de um seus homens para com a esposa, seus negócios tivessem quase afundado. Poderia ser apenas uma coincidência, mas ele preferia apenas não arriscar e devia tanto a elas que aquilo era o mínimo a ser feito, prezar por elas e exigir respeito.
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