CAPÍTULO 66
A perda do guia não trazia grande diferença para expedição de Calisto pela cordilheira de Thai. Apesar do jovem barão acreditar estar seguindo os marcos no mapa corretamente, Derek e os demais acreditavam que estavam perdidos. O humor de Calisto ainda estava ruim. As coisas pioraram depois de dois dias de nevasca. No segundo dia, foi impossível prosseguir a jornada e tiveram que aguardar acampados. Quando a tempestade chegou ao fim, no terceiro dia, puderam seguir, porém a passos lentos devido à neve que cobria tudo.
Atravessavam um vale estreito e segundo o mapa, logo chegaria à entrada dos antigos túneis, local no qual segundo as informações obtidas pela magia dos necromantes, os anões estariam acampados.
Calisto pôs-se em alerta, mas o vento intenso e cortante que enfrentavam naquele momento não permitia plena concentração.
– Maldição! – anunciou Calisto em voz alta. – Fomos avistados!
Derek ficou em alerta procurando avistar inimigos.
O jovem barão ficou furioso por não ter detectado o observador primeiro. Mas ao ser avistado recebeu um fluxo de pensamentos em outro idioma. Precisava impedi-lo de contactar outros os avisando sobre sua vinda. A figura estava muito distante, mas imaginou tratar-se de um anão. Concentrou-se para alcançá-lo. Tentou fazer uma sugestão mental, mas por desconhecer o idioma não teve muito sucesso. Na realidade, conseguiu o efeito oposto. A criatura percebera a tentativa de influenciar sua mente e começou a gritar algo que Calisto traduziu como, – Deixe minha cabeça bruxo maldito! – Calisto tentou novas investidas e até ataques fulminantes, porém a mente da criatura parecia fechada para suas investidas. Sabia que não estava conseguindo nada além de irritá-lo e confundi-lo um pouco. Se apenas estivessem mais próximos...
Logo a figura pôs-se a correr desaparecendo atrás da inclinação do terreno.
Calisto disse raivoso, – Derek! Logo mais deles saberão de nossa presença. E pior saberão que tentei atacá-los com meus poderes. Acreditarão que há um bruxo entre nós.
– De certa forma temos um bruxo entre nós.
– Sabe que não lido com magia.
Derek resmungou, – Que diferença isso faz? Se puder acabar com um sujeito com a força do pensamento...
Logo, o cavaleiro colocou toda guarda preparada para combate. Deu preferência a deixar todos com seus arcos e bestas em prontidão para um possível confronto.
Segundo o cavaleiro, precisavam alcançar uma posição mais alta. Ouvira histórias remotas sobre os anões e não estava muito animado com a perspectiva de um confronto. Diziam que apesar das pernas curtas, o povo das cavernas tinha uma incrível disposição para o combate. Chegavam a ser ferozes, como animais.
Logo alcançaram uma posição alta, na qual Derek pode sentir certo conforto. Dali poderiam ver o inimigo se aproximando com toda certeza. E antes do sol se por as expectativas do cavaleiro se concretizaram. Um grupo, que não superava vinte, surgiu. O contraste entre as silhuetas escuras e a neve clara dava uma boa visão. Em marcha lenta aproximavam-se. Derek colocou seus homens a postos. Percebia que parte deles temia um confronto, pois não contavam com notável superioridade numérica. Derek esperava que tivessem menor estatura. Mas não era o caso. Os mais altos entre eles tão altos quantos os mais baixos de seus homens. Havia alguns bem baixos, é verdade, de atura equivalente à de um garoto de doze anos. Porém, com constituição física de um cavalo de guerra. Nada parecidos com os anões que por vezes nasciam entre os humanos. Ficou impressionado com como estavam cobertos por grossas peles e armaduras. Avaliou que seriam muito fortes e resistentes para suportar tais pesos. Havia um entre eles que parecia mais alto e não vestia armaduras. Desconfiava que não fosse como os outros. E enquanto Derek apenas desconfiava, o jovem barão Calisto já tinha certeza.
Desde que o avistara, Calisto sentiu seu estômago apertar. Sua força mental era grande e misteriosa. Não conseguia sondar-lhe os pensamentos. Para obter informações, recorreu à mente do anão que os avistara. Este segundo contato com a mente do guerreiro carrancudo, foi mais produtivo. De forma cautelosa procurou lhe sondar a superfície dos pensamentos. E logo soube que suas impressões quanto ao humano que acompanhava o grupo eram reais. Havia certo senso de autoconfiança na mente do anão, que confiava no seu companheiro, algo que Calisto pode traduzir como, “Se eles tem um bruxo, também temos um conosco. E quanto às armas. Nossos machados é que são armas de verdade.”
Derek tirou sua atenção dizendo, – Não seria bom se aproximassem mais. Devo adverti-los?
Calisto concordou com um aceno.
Derek levantou-se acompanhado de cinco arqueiros e anunciou, – Não devem se aproximar mais. – Os arqueiros esticaram seus arcos apontando flechas para o grupo que se aproximava num plano mais baixo.
Fossem pelas palavras de Derek ou pela ameaça dos arqueiros, os anões interromperam sua marcha. Porém, a figura mais alta seguiu subindo.
Calisto levantou-se e tomou a dianteira de seu grupo. Logo, ficariam cada vez menos distantes. Não podia ver o rosto do humano, pois utilizava um capuz sobre a cabeça. A uma distância média, o homem parou. Cruzando os antebraços acima da virilha. Uma pose incomum.
Calisto tentava ver seu rosto e frustrado decidiu avançar. Ignorou os avisos de Derek e desceu da posição elevada com que contavam. Desceu de forma imprudente ou mesmo, devido ao excesso de confiança.
Logo estavam frente a frente, à distância de poucos passos. Calisto pode olhá-lo nos olhos, gélidos de um azul cristalino, semelhantes aos de seu instrutor Tisamirense. Com isso lembrou-se da conversa que tivera com Radishi, meses atrás. Ela terminara com uma advertência do estranho tisamirense, – Não viaje pela cordilheira de Thai e não se envolva em assuntos que digam respeito aos anões.
Como ele saberia? Imaginou Calisto sendo sua imaginação substituída pelas palavras do homem de olhos azuis à sua frente. Ele removeu o capuz revelando seu rosto. Um homem de meia idade, cabelos lisos, mechas cheias e grisalhas na região das têmporas. Seu nariz era fino, como seu rosto, e de seus cantos saiam dois fortes vincos que se encontravam com os cantos da boca.
– Você deveria ter tomado o conselho de Radishi, rapaz.
– Suponho que você seja meu pai, estou certo?
– Pais são aqueles que cuidam dos filhos e lhes educam. Imagino que seu pai seja uma criatura das trevas de mente transviada.
Calisto sentia seu estômago queimar e vociferou, – É meu genitor? Responda, preciso saber!
– Chamo-me Shaik Kain, e tive um filho com uma bruxa maligna e pervertida. Um filho que nunca vi nascer.
– Não se parece nada comigo.
– É verdade.
– Bem, agora que somos uma família reunida o que vai ser? Vai me castigar por estar sendo um mau menino?
– Suponho que é o melhor que posso fazer por você.
– Então planeja limpar o mundo da sujeira que fez num momento de luxúria?
Shaik Kain observava o rapaz em silêncio e sua memória voou distante. Há anos passados quando conheceu a mãe de Calisto.
– Não foi luxúria.
– Não me faça rir! – disse Calisto e concentrou-se numa sugestão coletiva dada aos arqueiros atrás de si. De imediato, os arqueiros alvejaram Skaik Kain com grande precisão. Para a surpresa de Calisto as flechas não tocaram o alvo. Desviaram-se do tisamirense de forma sobrenatural penetrando a neve próximo a seus pés. Com o ataque os anões sobressaltaram-se avançando.
Shaik Kain decidiu não interferir. Os anões corriam morro acima emitindo brados de batalha. Logo eram alvos de novas flechas dos arqueiros. Porém, muitas das setas desviavam-se nas placas metálicas das armaduras. Outras penetravam e mesmo espetados, os anões prosseguiam avançando, gritando ainda mais enfurecidos.
Enquanto isso Pai e Filho encaravam-se.
– Estou disposto a lhe oferecer uma alternativa, antes que precise...
– Me matar? Vai mesmo matar seu próprio filho?
– Não sinto nenhuma emoção por você. É nosso primeiro encontro e você já é um homem adulto. Maligno e cruel. Um erro que precisa ser apagado.
– E qual alternativa me oferece?
Houve silêncio entre eles mais uma vez. E logo acima começava a peleja entre anões e humanos. Dois anões jaziam mortos na neve. Abatidos pelas flechas, sequer puderam engajar-se no combate que acontecia morro acima. Apesar de estarem em menor efetivo e em parte, feridos, os anões eram oponentes formidáveis. Derrotando os homens de Derek a passos assustadores, com grande violência e precisão.
Logo Shaik Kain voltou a falar, – Exílio.
– E se eu me recusar?
– Então não terei alternativa a não ser poupá-lo de sofrer ainda mais nas mãos dos impuros.
– Ao que parece, você está cheiro de falsa virtude. Fala de impureza, mas está disposto a matar seu próprio filho? Que assim seja.
Calisto partiu para o ataque. Não com sua mente, mas com sua espada. Skaik Kain dominava a situação. Após esquivar-se de um golpe do jovem barão. Iniciou seu ataque direto contra a mente do rapaz.
Calisto torceu o corpo e teve convulsões. Soltou sua espada que caiu fincada na neve. Ele era um oponente muito forte. Caiu de joelhos diante de seu opositor.
– Infelizmente meu filho, sua mente é muito fraca e indisciplinada.
Calisto resistia. E lágrimas rolavam de seus olhos negros. Parecia defender um pensamento com todas suas forças. Seu pai percebia o que tentava fazer. Devia possuir um trunfo e guardava aquele pensamento com máxima intensidade. O que seria?
Anular a mente de Calisto também não estava sendo uma tarefa tão fácil quanto imaginara. Radishi havia dado boas instruções a Calisto. Por um momento divagou. Imaginava o que tipo de atrocidades o rapaz poderia cometer se completasse seu treinamento. Skain Kain dominava Calisto, mas ainda não tinha conseguido a brecha necessária para finalizar o conflito. Imagens da mente do jovem vinham à tona. Uma figura esquelética horrenda. Mortos-vivos, pessoas da nobreza, demônios, rebeldes sendo perseguidos. Muita miséria, ambição, cobiça, ira e conflitos. Memórias do Irmão Weiss, cruel membro da religião de Lacoresh que subjugou o jovem Calisto. Um fato surpreendente, ele conheceu a mãe, mas ele não a reconheceu, sequer soube de quem se tratava. E se soubesse...
Calisto resistia e enquanto deixava seu pai vasculhar suas memórias bloqueava parte de seus pensamentos. Seu nariz sangrava e sentia que a cabeça explodiria de dor a qualquer momento.
Shaik Kain suava pelo esforço e disse, – Não adianta resistir rapaz. Eu vou entrar. Vou terminar com isso de uma vez.
O tisamirense, cada vez mais, forçava a mente do rapaz aprofundando-se em suas memórias. E então, teve a maior surpresa de todas. Amor. Finalmente parecia ter chegado à região que o rapaz defendia com tanto vigor. Então seu filho havia descoberto o amor. Então talvez... Talvez houvesse uma esperança. Shaik Kain hesitou.
Calisto sabia que não era oponente para seu pai. Sabia que nunca poderia derrotá-lo num confronto direto. Porém sabia que ele, assim como Radishi amoleceria ao saber de seu amor por Alena. Algo com que ele nunca havia contado. Algo que sabia que atrapalharia todos seus planos de conquista, mas que naquele momento. Poderia salvá-lo, pois havia apenas dois pensamentos que Calisto precisava esconder de Shaik Kain: seu amor e seu anel.
Shaik Kain franziu a sobrancelha tomado grande surpresa. “Anel?”
Um momento depois uma grande explosão de fogo arremessou ambos para longe um do outro. Calisto usara, numa distância nada segura, o anel que ganhara de presente de Thoudervon. Anel no qual, seu ex-acompanhante Chris Yourdon havia armazenado um poderoso feitiço explosivo. A explosão atingiu Shaik Kain em cheio dilacerando e queimando sua carne e envolvendo-o em intensas chamas. A forte explosão assustou os anões e humanos engajados morro acima. Derek, aproveitou-se do momento de distração de seu oponente para desarmá-lo com um golpe no pulso. Em seguida, eliminou o anão indefeso. Sendo aquele o terceiro anão que derrotara pessoalmente. Havia apenas mais dois homens lutando ao lado de Derek, seriam derrotados em instantes. Mas ao verem o Shaik Kain em apuros, vários dos anões abandonaram o combate para socorrê-lo.
Calisto sofrera bem menos com a explosão. Caíra sentado para trás chamuscado. Usou a neve para apagar as chamas em sua capa. Logo escutou atrás de si os gritos de quatro anões que partiam em sua direção com os machados acima da cabeça. Com dificuldade pôs-se de joelhos e encarou-os. Não eram muito velozes. Checou o anel, e segundo lhe fora informado, ainda poderia utilizá-lo novamente. Os anões vinham agrupados. Com o punho cerrado fez com que brotasse da ponta do anel uma faísca de fogo que percorreu o ar deixando um rastro de fumaça escura. Ao tocar nos primeiro dos anões soou outra forte explosão. Uma grande bola de fogo e fumaça subiu aos céus na forma de um cogumelo. Os anões feridos e desorientados rolavam morro abaixo apagando as chamas dos corpos na neve. Aproveitando-se da fumaça que subia, Derek rolou montanha abaixo para escapar dos machados sedentos de sangue dos anões. Logo o cavaleiro estava de pé e corria mancando com uma das pernas em direção a Calisto.
Calisto não tinha forças para caminhar e ordenou ligeiro. – Derek, rápido. Elimine-o antes que desperte! – Apontava para o corpo ainda fumegante de Shaik Kain, a alguns passos de distância.
Porém, antes que o cavaleiro alcançasse o corpo do tisamirense uma forte luz amarela cegou os olhos de ambos. Aos poucos a forte luz enfraqueceu e ao lado de Shaik Kain estava de pé uma figura radiante. Um rapaz magro, careca, vestido num manto branco simples e bem folgado. Ao redor de seus grandes olhos castanhos escuros havia desenhos de linhas finíssimas. Em sua testa, um símbolo estranho tatuado. Aos olhos incrédulos de Calisto, o derredor da figura parecia dançar. Emanações rítmicas, como ondas do mar, eram criadas ao redor de sua pele, com cores intensas e formando minúsculos e intrincados padrões geométricos.
Calisto sentiu os olhos lacrimejarem, como se estivesse diante de uma criatura vinda das alturas.
O jovem barão gaguejou, – Que-que-quem é você?
– Sou Kurishe´tou.
– O que quer aqui?
– Vim apenas resgatar o Pai.
Derek torceu a boca para o rapazote, que parecia bastante fraco a seus olhos e desembainhou um espadim.
Kurishe´tou olhou nos olhos de Derek e pediu. – O homem não deve usar violência, por favor.
Derek franziu a testa e como se arrebatado por grande paz, deixou o espadim escapulir de sua mão.
O ser iluminado olhou nos olhos de Calisto e disse enigmático, – Isso não pode progredir desta forma. O filho, não deve matar o pai. O filho, não deve piorar seu carma. O destino ao filho favoreceu. O filho deve fazer bom proveito da oportunidade que lhe foi dada.
Apontando as mãos para Shaik Kain, Kurishe´tou projetou um raio de luz branca que o envolveu. Logo a mesma luz branca envolveu seu próprio corpo. Novamente uma luz amarela e cegante tomou conta do lugar. Quando se desfez, não havia mais sinais de Kurishe´tou e Shaik Kain.
Derek ajudou Calisto a andar, e, sob a ameaça de serem explodidos pelo poder do anel de Calisto, os anões ficaram à distância.
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