CAPÍTULO 5

– É terrível! Terrível! Não posso suportar. – gritava Calisto, o menino de olhos negros. – Meus olhos estão queimando!

– Seria o aliado, intolerante à luz do sol? – perguntou o tenebroso Barão Dagon numa entonação quase tediosa.

– Não! – Respondeu o menino irritado. – Thoudervon teria me prevenido.

O Cavaleiro Derek disse – Como eu disse senhor, não devia encarar o sol. Se tivesse me escutado... – E foi interrompido pelos gritos do rapaz.

– Cale-se! Cale-se estúpido! – gritava contrariado.

Finalmente o rapaz reuniu forças e levantou-se. Cobrindo o rosto e apertando bem os olhos. Aproximou-se do cavalo e voltou a montá-lo. Encarando Derek com os olhos semi cerrados e ameaçou: – Cuidado com o que pensa Cavaleiro! Posso destruir sua mente patética em um piscar de olhos.

– Eu não gosto de como me trata! – retrucou Derek assustado e irritado.

– Assim é melhor! Diga o que pensa e não tente esconder seus pensamentos de mim. Se proceder desta maneira, talvez possamos nos dar bem.

Seguiram pela trilha que atravessaria a fronteira sul do planalto de Or. Com o tempo os olhos do menino ajustaram-se à claridade permitindo que observasse o mundo com uma nova perspectiva. Ainda não estava confortável com a luz do dia, e não se acostumaria tão cedo.

Murmurou impressionado. – As cores são tão intensas! Tantas cores!

Derek pode escutar e comentou com certa inspiração. – É assim mesmo na primavera. Os gramados e árvores ficam mais verdes, surgem flores e insetos brilhantes.

– E qual é a utilidade disto? – indagou Calisto.

– Como assim utilidade? – perguntou Derek confuso.

– Ah! Esqueça! Devia estar ciente que estou conversando com uma porta.

Como Derek não era exatamente brilhante, não ficou muito incomodado com o tratamento. De certa forma, havia se habituado a ser tratado como estúpido. O que não gostava, era de gritos histéricos, faziam com que ficasse nervoso.

Seguiram em silêncio por um longo período. Calisto tentava vez após vez encarar o mundo de olhos bem abertos, mas a dor fazia com que falhasse vez após vez. Instintivamente sabia que precisava acostumar seus olhos com aquela claridade abundante e não media esforços para tal.

– Parem! – comandou o menino. – Estamos sendo observados.

Derek puxou as rédeas de seu corcel e indagou – Como sabe, senhor Calisto?

– Quieto! – demandou o menino de olhos negros fechando-os e concentrando-se para melhorar a receptividade dos traços de pensamento que havia captado.

– Eca! Que padrões selvagens! Que tipo homem pensaria assim? – murmurou o menino mantendo os olhos fechados.

– O que disse, senhor Calisto?

– Quieto Derek! – comandou severo, mas sem gritar. Havia percebido que Derek não gostava de gritaria.

– Eles nos temem. Ou melhor, a você, Barão Dagon. Estão apavorados! No entanto, nos observam. Paradoxal! Quem serão? O que serão?

Apontou a mão na direção de um arbusto farto de verde profundo e comandou. – Levanta-te!

Derek encarou a criatura que ficou de pé a contragosto e exclamou: – Um bestial! – Era peluda, grosseira com olhos vermelhos e estava bem suja. Além disso, mantinha uma postura rígida e desconfortável.

– Ah! Então isso é um bestial! – Calisto sorriu. – Mente primitiva... surpreendente! Mais primitiva até que a sua Derek! – Encarou o cavaleiro e voltou à criatura. – Parecem ferozes, fortes, capazes de lutar. Facilmente controláveis! Entendi. Por isso foram usados tão facilmente como instrumentos para o golpe de estado.

Novamente comandou. – Vão! Xô!

Em seguida, os três bestiais puseram-se a correr campina adentro.

– Barão Dagon, essas criaturas são comuns por aqui?

– Sim, senhor Calisto. Estamos em seu território, o antigo condado de Montgrey. Em breve, chegaremos a Lacoresh, lá não existem bestiais. – respondeu o monstro monotonamente.

– Oh! Vamos a Lacoresh de uma vez! Não sei quanto tempo poderei suportar a companhia de vocês! – disse o menino e empurrou as mechas de cabelo que lhe caíram sobre a testa.

Derek imitou o gesto e disse: – Sinto o mesmo senhor Calisto.

– Derek, talvez você não saiba, mas você possui certo senso de humor e coragem. Ainda assim, posso estar enganado e não ser nada além de pura estupidez.

Com isso puseram-se a cavalgar até as fronteiras de Lacoresh. Lá chegando, aguardaram o por do sol. Poderiam prosseguir com maior segurança durante a noite.

Pouco antes do amanhecer, aproximaram-se da cidade de Kamanesh. O Barão Dagon seguiu para o sul sem despedir-se. Derek explicou que seres como ele não podiam circular em área povoadas.

Calisto concluiu que o domínio que os necromantes exerciam sobre o povo devia ser pequeno e sutil. Possivelmente, a maioria do povo mal teria tomado conhecimento da tomada do poder pelos necromantes. Mas isso não importava! Meras especulações. De agora em diante, começaria uma grande investigação, havia muito que aprender, muito a entender. Sentia uma excitação crescente com a aproximação da cidade. Como seria conhecer as coisas reais? Conhece-las com os próprios olhos e não mais através de livros. Sair e ver o sol, mesmo tendo sido uma experiência desagradável, havia despertado uma gama de sentimentos e pensamentos na cabeça do jovem, que não ocorreram nos anos vividos até ali. Odores, cores e formas de que nunca teve conhecimento. Precisava conversar sobre tudo aquilo com alguém, o que aumentava sua vontade de chegar a Kamanesh. Claro, estava na companhia de Derek, mas como conversar com alguém tão estúpido? Ele nunca compreenderia suas indagações, suas idéias e conjecturas. Ainda assim, não havia outra alternativa. Conversaria sobre trivialidades para passar o tempo.

– Diga-me Derek, há quanto tempo é um cavaleiro?

– Pouco menos que dois anos senhor. – respondeu Derek sonolento.

– Como aconteceu?

Bocejou, coçou a cabeça e disse – Lutei na guerra contra os bestiais. Era apenas um soldado. Muitos morreram. Meus superiores diziam que tinha jeito para a coisa. Sobrevivi, luta após luta. Fui promovido.

– Foi de soldado a cavaleiro assim!? – disse desdenhoso e acrescentou ironicamente: – Eles deviam estar desesperados mesmo!

– Não tenho do que reclamar. As pessoas me respeitam! – Olhou para Calisto e insinuou: – Pelo menos algumas.

– Duvido! – satirizou o menino. – E quanto a conviver com coisas como o Barão Dagon? Foi desde a guerra?

– Não, isso veio depois. Fui selecionado entre muitos para integrar uma ordem secreta entre os cavaleiros. Disseram que fui escolhido porque teria estômago para a coisa. Explicaram sobre os necromantes, verdadeiros soberanos de Lacoresh, a quem devíamos servir.

– E aceitaram isso?

– Uns poucos. A maioria reagiu mal e ficou revoltada. Eu inclusive. Alguns foram mortos, outros convencidos a cooperar sob tortura. Só mudei de idéia depois de conversar com o Cavaleiro Julius Fortrail. Fortrail é um dos cavaleiros mais respeitados do Reino, um grande herói que lutou nas duas guerras contra os bestiais.

– Fortrail, não é? – Fez uma pausa e perguntou curioso – E o que ele lhe disse?

– Explicou sobre poder. Explicou que não importa quem esteja no comando, todo o resto é igual. Sejam nobres, magos, ou necromantes o resultado é o mesmo. Quem está no poder vive à custa do povo. O povo sofre e os nobres desfrutam de riquezas. Explicou que eu tinha sorte, pois havia conseguido sair do povo e me aproximar da nobreza. Disse que devia aproveitar a oportunidade e servir. Não devia me opor, não devia me importar com os métodos e criaturas dos necromantes. Se me opusesse perderia tudo o que conquistei.

– Sabe Derek, talvez você não seja tão estúpido quanto parece.

– Vou aceitar isso como um elogio. E sabe de uma coisa? Ele estava certo. Tenho algumas obrigações desagradáveis. Mas moro em uma boa casa, como boa comida e como cavaleiro, consigo mais mulheres que quando era lenhador. O que mais posso querer?

– Que tal um palácio e servos?

– Não sei. Acho que seria demais para mim. Nem mesmo me acostumei com a vida de Cavaleiro...

Amanhecia e os olhos de Calisto sofreram um pouco menos que no dia anterior. Resmungou um pouco e demorou a habituar-se.

– Senhor, acho que logo, logo, irá se acostumar com a luz.

– Por que diz isso?

– Os outros como você, não tem medo da luz.

– Eu não tenho medo estúpido! A luz apenas me machuca. – reagiu intensamente a sugestão de covardia. – Outros? Mas de que outros você está falando?

– Os bebês. Bebês com olhos como o seu. Não são raros em Lacoresh.

– Bebês? Mas Thoudervon disse que eu era único! Como pode ser?

Derek deu com os ombros e apontou. – Lá! Está vendo? É Tanir!

– Não! Não percebe que estou cobrindo meus olhos?! – disse irritado. – Tanir?

– Uma vila próxima a Kamanesh. Ótimo! Poderemos fazer o desjejum!!!

Calisto apertou os olhos para ver um conjunto de cabanas e casas ao longe. A região era muito verde, com plantas dispostas de maneira uniforme. Deduziu que seria uma área de plantio. Mas o cenário exuberante não foi o suficiente para tirar de sua cabeça o que acabara de escutar de Derek. Então não era único? Porque Thoudervon afirmara o contrário? Não saberia sobre os bebês? Impossível! Será que os bebês poderiam ler e destruir as mentes assim como ele podia? O que significava a cor de seus olhos? Porque nunca haviam lhe explicado nada sobre isso? Nem mesmo havia encontrado referências nas centenas de livros que lera?

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