CAPÍTULO 48

Calisto estava satisfeito com sua vitória. O cavaleiro vermelho fora trazido a sua presença, ainda vestindo sua armadura encantada. A espada, muito quente, era trazida envolta em panos molhados que emitiam grande quantidade de vapor.

A visão da armadura e do escudo forjados em um estranho metal vermelho fez o coração do jovem acelerar. Os brasões e inscrições eram iguais aos que vira na necrópole. Eram idênticos aos brasões usados por Thoudervon. O que isto poderia significar?

O menino ordenou. – Retirem o elmo, quero ver seu rosto.

Um soldado respondeu hesitante, – Senhor, nós.. já tentamos, mas, mas.

– Soltem suas mãos.

– Mas senhor, ele..

– Cale-se! Não perguntei sua opinião. Apenas obedeça!

O soldado tremendo, sem saber quem temer mais, Lorde Calisto, ou o Cavaleiro Vermelho, obedeceu-lhe relutante.

Calisto intimou o cavaleiro, procurando seus olhos através das fendas na armadura. – Vamos cavaleiro, retire seu elmo, desejo encarar-lhe.

Vermelho obedeceu, retirando o capacete sem pressa. Calisto torceu a boca e o nariz, enojado pela visão do rosto do cavaleiro. Parecia derretido. Era tão feio quanto Weiss, e possuía olhos verdes, amarelados e muito vivos. Seu cabelo era ralo, quase ausente e faltava-lhe carne nas bochechas, deixando à vista a arcada dentária.

– Você é muito feio. – comentou Calisto com sinceridade. – Mas já vi piores – e sorriu sarcasticamente.

– Tenho certeza que viu. – respondeu o cavaleiro, muito calmo.

O jovem observava a feiúra da Vermelho, mas estava abstraindo. Sua mente agia de forma intensa, buscando informações valiosas sobre a rebelião. Mas o contato com a mente do cavaleiro não fora nada satisfatório. Havia algo muito estranho e não conseguia extrair pensamentos.

– Por favor, dispa-se cavaleiro.

Vermelho obedeceu, desatando uma a uma, as partes de sua armadura. Fez tudo sem tirar os olhos de Calisto. Quando terminou, Calisto sentia-se desconfortável, incomodado pela presença do cavaleiro.

– Não gosto de sua atitude. Vamos ver se continuará assim, depois que o levar para Thoudervon.

Vermelho continuou impassível, como se o nome mencionado não fizesse o menor sentido.

– Diga-me cavaleiro, por que luta ao lado dos rebeldes? Há algo em você... não é como os outros rebeldes.

– Luto por motivos pessoais. Por acaso, lutei ao lado dos rebeldes, porém...

– O que?

– Nada. Como disse, luto por motivos pessoais.

– Entendo. Imagino que não queira falar sobre seu lado pessoal comigo.

– Não quero e não vou.

– Como quiser. Antes de levá-lo para Thoudervon, vamos exibi-lo para o povo. Quero que vejam com os próprios olhos que tipo de demônios deformados são os rebeldes. – Fez uma pausa e ordenou aos guardas. – Levem-no!

Mais tarde na torre, Calisto recebia notícias excitantes, um pacote e uma carta. Na mesma noite do ataque ao forte de Lenidil, um pequeno grupo de espiões, que talvez fossem rebeldes, atacou o castelo do Barão de Fannel. O povo ainda não sabia, mas o barão não estava mais entre os vivos.

– Isso é tudo que sabe, Rayan.

– Não senhor, tem mais.

– Conte-me.

– O filho do Barão, Adam Fannel, foi capturado. Assim que a notícia vazar, certamente haverá uma disputa pela posição do Barão. Especula-se que isso pode ser obra do senhor de Vaomont.

Calisto sorriu e olhou para o alto, imaginando coisas. – Mas será? Será Rayan, meu servo, que serei Barão, tão cedo?

– Talvez senhor, se jogar direito...

– Diga-me Rayan, o que descobriu sobre a nobreza local. O falecido barão não tinha outros herdeiros, tinha?

– Não senhor. Imagina-se que seria uma questão disputada entre os lordes de Manile, Durunt e Vaomont.

– Evidentemente. É claro, já temos o senhor de Manile sob meu controle. Preciso conhecer melhor os outros adversários.

– Posso levantar informações se desejar, meu senhor.

– Sim, Rayan faça isso. Estou gostando do rumo que levamos. Quem sabe quando for rei de Lacoresh, lhe dou uma dessas províncias...

Rayan deixou os aposentos de Calisto, e este se sentou pensativo na poltrona de madeira. Segurava o pacote e carta nas mãos, mas pensava distraído sobre diversos planos de conquista.

– Ah sim! – murmurou voltando-se para o que tinha nas mãos. – O pacote e a carta.

Pensou. – Nada escrito? Muito estranho. – Abriu o pacote e verificou que era um livro. Era muito novo e cheirava a tinta. Abrindo-o leu o título: “Gukomersh, o mago titereiro. Escrito por E. Alembrel.”

– Alembrel? – disse baixo. Involuntariamente, seu coração acelerou e voltando-se para a carta pensou, “Rainha Alena?” Abriu a carta. Duas páginas, escritas com uma bela caligrafia.

“Estimado Lorde Calisto,

 Como está? Espero o que contam por aqui seja apenas um exagero. Pensei que poderíamos nos corresponder com mais freqüência, dada a curta distância entre a capital e sua propriedade. Após minha primeira carta, fiquei sabendo de sua viagem para Fannel.

As notícias são poucas e chegam apenas de tempos em tempos. Imagino que esteja com muitos problemas e não talvez não possa dar muita atenção à minha carta e ao livro que lhe envio como presente. Recentemente, pedi a um copista da guilda ligada a Alta Escola para fazer algumas cópias dos meus volumes prediletos. Em pouco tempo, você poderá receber minha coleção completa de Alembrel. Este foi o primeiro a ser copiado. O processo que a guilda usa para cópia, com tinha encantada, permite que fiquem prontos em um dia ou dois.

Desculpe-me escrever-lhe desta forma, mas tenho estado muito triste e solitária. Atualmente não converso com ninguém, exceto com minhas damas de companhia e ocasionalmente, com o Rei e meus enteados. Sinto-me péssima por causa de meus pensamentos. Às vezes tenho vontade que o tempo passe rápido e que os deuses levem o Rei para o mundo dos mortos. Talvez então, pudesse ter um pouco mais de liberdade. Quem sabe, fazer um passeio fora do castelo? Mas como posso pensar algo assim? Como desejar o mal para meu próprio marido. E isso não é o pior. Sinto-me culpada, culpada por pensar no senhor, por desejar fazer-lhe uma visita. Mas o que todos iriam pensar? É algo que nunca poderia fazer!

Estou angustiada e preocupada com o senhor, Lorde Calisto. Dizem que está assumindo muitos riscos e combatendo de perto, demônios e rebeldes. É verdade o que dizem? Seria um exagero? Não vá morrer, Lorde Calisto, eu lhe peço, tenha cuidado. Se puder, leia o livro que lhe mandei. É um romance muito pesado, triste e cruel. Fala sobre nobreza e política. Acho que poderá lhe ser útil. Por vezes escuto, coisas aqui na corte e fico muito preocupada. Vejo como as pessoas são ambiciosas, como desejam o poder. Muitos o odeiam e temem, Lorde Calisto. Tenho tanto medo. Temo que essa carta caia em mãos erradas. Especialmente do Rei. Não sei se terei coragem de enviá-la. Mas depois de tanto? Tudo que passei? Perder minha família como perdi? Eles pensam que sou uma menina tola e mimada. Pensam que não penso e observo. Tome cuidado Lorde Calisto! Tome cuidado com o Rei, sei que ele lhe odeia, sei que deseja destruí-lo. Não sei bem o que o impede, talvez tenha relação com a profecia do Arcebispo Kalefap.

Será esta profecia, mais uma das mentiras que a Real Santa Igreja conta para o povo? Espero que não, pois penso que seria ótimo que tivéssemos alguma boa perspectiva para o futuro. Não seria ótimo se não houvesse tantas guerras? Bem, desculpe-me, percebi que estou perdendo-me em devaneios.

Tenho esperança que possa receber esta carta, pois será confiada a um emissário leal a meu falecido pai. Conte com ele para enviar de volta uma resposta e por favor, não assuma riscos desnecessários.

Apesar de triste, sinto-me também corajosa. Ao menos um pouco e por isso lhe farei uma confissão. Na noite em que nos vimos pela primeira vez, senti algo diferente. Quando o Senhor foi apresentado à corte e ficou diante de mim e do Rei. Achei intrigante sua timidez, recusou-se me fitar e retirou-se. Mas isso está de acordo com sua natureza, não é mesmo? Talvez não tenha me encarado porque sentiu algo também? Pensei muito nisso e quando tivemos a oportunidade de nos falar, soube que sim. Soube que o Senhor sentia algo, mas como eu, tudo a nossa volta conspira contra qualquer manifestação de apreço, ou de afeto. Como é cruel nossa situação meu Senhor, tendo nossos impulsos tolhidos por nossa situação social.

Posso apenas suportar minha tristeza e solidão, por causa de uma vã esperança. Confio na profecia, mas uma diferente. Você que é filho do eclipse, o que trará boas novas, irá nos libertar deste reinado sombrio. Sinto a força de uma profecia particular, só minha. Creio que poderemos um dia estar juntos e que poderemos ser felizes.

Vai com essa carta, meu coração, meu Estimado Lorde. Por favor, seja cauteloso e volte para mim um dia.

 Amor,

Alena.”

Calisto estava surpreso com as palavras que acabara de ler. Algo confundia sua razão e o incomodava. – Tola! Tola! – resmungou irritado. – Se esta carta caísse em mãos erradas, poderia ter sido minha ruína! Como ela pode ter sido tão idiota!? – Num impulso de raiva, amassou a carta e atirou-a no chão.

Levantou-se apertando os punhos com força. – Amor?! Como as mulheres são tolas!

Permaneceu na posição, confuso e desconfortável. As palavras que diziam, brotavam de sua razão. Mas pensamentos rápidos e imperceptíveis diante de sua reação irada poderiam traí-lo. – Me recuso! – disse para si mesmo. – Me recuso a tomar qualquer atitude irracional. Emoções não podem ser levadas em conta! São uma fraqueza.

Dirigiu-se até a mesa e escreveu veloz e sem pensar:

“Rainha Alena,

Obrigado pelo ótimo romance. Objetivo. Aprisionou minh’alma. Obra rara? Senti estímulos reais. Antes que uma estrela surgisse, ocorreu-me uma coisa assustadora: Percebi as zombarias de E. Alembrel. Milagres acontecem Rainha?

Agradeço-lhe,

 Lorde Calisto.”

 Pouco depois, a carta seguia de volta a Lacoresh.

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