CAPÍTULO 45
Os homens estavam de prontidão, pois sabiam que os rebeldes poderiam atacar a qualquer momento. Havia uma tensão contínua no interior e arredores da fortaleza de Lorde Lenidil, próxima à pequena cidade de Manília, sede do poder da província de Manile. Da estreita torre da fortaleza, Calisto podia observar toda movimentação no vale e na cidade.
Lenidil tinha dificuldades em sua recuperação e permanecia de repouso. A recuperação lenta do Lorde não era por acaso. Calisto estava em contato com jovens necromantes da região. Sob a carapuça de curandeiros, os necromantes cuidavam para que o ferimento do Lorde demorasse a cicatrizar, além de que em paralelo sofresse dores e febres. Fraco e grato a Calisto, o nobre permitia que o menino cuidasse da busca aos rebeldes lhe oferecendo apoio político e militar.
A noite se aproximava e a tarde já era sombria. Nuvens escuras moviam-se no céu, cobrindo o azul por completo. Ao por do sol, Calisto observou as tonalidades rosadas que as nuvens assumiram e pressentiu um derramamento de sangue para aquela noite.
No dia seguinte, Calisto levantou-se frustrado e cansado da espera. Por duas semanas mantinha prisioneiros inocentes nas catacumbas e neste mesmo tempo, foram realizadas seis execuções. Ainda assim, os rebeldes não atacavam. Mesmo com seu dedicado espião, espalhando boatos e incitando os carrascos da masmorra a confessarem seus feitos em tavernas, sob o efeito de drogas. Qual seria uma motivação ainda maior?
Sem fazer seu desjejum, Calisto partiu para Audilha, montando seu cavalo cinza. Ao chegar na vila, seguiu direto para a escola de escultura. Deixou a montaria desamarrada. Já não tinha a necessidade de amarrá-la para que não fugisse ou preocupar-se com roubos. Possuía um elo psíquico com o cavalo, que lhe oferecia obediência plena.
Vestia roupas que ganhou do barão de Bandeish. Calças vermelhas, botas negras, camisa branca e colete negro. Devido a sua chegada repentina, não foi recebido por ninguém. Seguiu direto pelos corredores até que foi avistado por Regis, que correu para atender-lhe.
– Olá Regis. – Cumprimentou o menino com secura.
– Lorde Calisto, a que devemos a honra da visita? – o escultor vestia as roupas usuais e sujas e seus cabelos loiros estavam escondidos abaixo de uma touca.
– Desejo falar com Mestre Carulvo.
– Sim, alguma nova encomenda?
– Não. Vim buscá-lo para ser interrogado em Manília.
– Interrogado? Mas por que razão? O Mestre Carulvo nunca...
– Quieto Regis! Não é de você que vim cobrar explicações. Meu tempo é curto. Portanto, queira trazer Carulvo o quanto antes.
Regis calou-se a sentiu um frio na barriga. Com medo e ódio retirou-se para buscar o diretor da escola. Em seguida voltaram juntos e Regis carregava na mão direita uma ferramenta de entalhar, semelhante a um adaga.
Carulvo estava calmo, mas ao encarar Calisto sentiu o estômago girar e ferver.
– Oh Mestre Carulvo! Sinto incomodá-lo, mas tive algumas denúncias em relação a sua pessoa. Sinceramente, espero que sejam falsas, e é por isso que vim buscá-lo. Estou certo de que irá prestar os esclarecimentos e voltará em breve à suas atividades.
– Sua falsa preocupação não me engana Lorde do eclipse.
Regis ficou eriçado e ao mesmo tempo apavorado pelas palavras de seu mestre. Calisto retrucou com calma e cinismo, – Seu modo de falar quase me ofende. No entanto, entendo que já é um senhor de idade sobretudo, é um artista genial. Por isso, lhe darei um desconto e não tomarei ofensas.
Regis quase perdia o controle de suas emoções e pediu em voz alta para seu mestre: – Por favor, Mestre! Vá em silêncio e responda as perguntas deles. Não os ofenda! Pense na escola.
Quase que junto da fala de Regis, Carulvo resmungou, – Não toma ofensas, não é?
Regis voltou a falar preocupado, – Por favor, Lorde Calisto. Não lhe façam mal! Ele não está envolvido com a rebelião, posso lhe garantir!
– O que lhe faz pensar que lhe faremos algum mal?
Carulvo acusou indignado, – Malditos! Vocês tem torturado e matado dezenas de pessoas inocentes! Como podem ser tão sujos e cruéis!
– Torturas? Mortes? Do que estão falando? De onde tiraram essas idéias? Pensam que somos bárbaros? Todos estão sendo interrogados e se comprovado envolvimento com a rebelião, serão levados a Lacoresh para julgamento contra a coroa. Somente os juizes de Lacoresh podem determinar execuções! Todos sabem disto. Não deviam acreditar em boatos infundados espalhados por rebeldes.
– Seu monstro mentiroso! – xingou Carulvo. – Acha que não sei ver onde está a verdade? Você é um lobo na pele de uma ovelha! Um demônio disfarçado de salvador. É um maldito tirano sedento de poder!
Calisto escutou as palavras ditas pela boca velha de Carulvo com satisfação. Observava os lábios esticar e encolher uma série de rugas que mudavam toda a face e pescoço. Quando o escultor terminou de falar, Calisto investiu com a mão fechada contra seu rosto. Um forte soco pousou sobre o nariz e Carulvo foi ao chão de imediato. – Como ousa me insultar assim!? – exclamou o nobre, com grande ira.
Regis arregalou os olhos e apertou com força o instrumento pontiagudo. Calisto percebeu a ira do assistente e ao mesmo tempo seu grande medo. Em sua essência, era um grande covarde. Mas a ira de ver seu mestre sendo atingido diante de seus olhos por um menino, podia ser aumentada, podia ser incentivada. Calisto liberou a ira de Regis e restringiu-lhe o medo. No momento seguinte, o escultor partia para cima de Calisto com intenções assassinas.
O jovem Lorde estava preparado, plenamente preparado. Agindo em legítima defesa, desembainhou a espada curta, desviou-se do golpe de Regis deixando que fosse atingido de raspão. O pequeno corte ardido que sofreu, fez com que enterrasse a espada no abdome de Regis sem culpas. O escultor sentiu no ferimento o toque gelado da lâmina de Calisto. Perdendo as forças das pernas, foi ao chão, encolhendo-se em posição fetal.
Vários alunos observavam a cena horrorizados. Em seguida, observaram escandalizados o nobre erguer Carulvo do chão e forçá-lo a seguir para fora da escola. Ordenou à milícia local que a escola fosse fechada e que Regis, se sobrevivesse, fosse preso.
Parte do povo ficou revoltado ao ver Carulvo ser levado como prisioneiro com as narinas sangrando sem parar. A milícia apoiava as ações de Calisto e logo, deixava Audilha e tinha como destino Manília.
Weimart recebeu Calisto e Carulvo no forte e exclamou. – Pelos Deuses, Lorde Calisto! O Mestre Carulvo?
– Sim Weimart! Cansei-me de ser bonzinho! É hora de tomar atitudes fortes e esperar uma reação dos malditos rebeldes.
– Há provas contra Carulvo? Ele é muito popular e amigo de Lorde Lenidil. Estou certo de que não aprovaria...
– Cale-se Weimart! Eu sei bem o que estou fazendo. – disse Calisto com arrogância. – Deixe seus homens a postos. Pois hoje à noite, estou certo de que seremos visitados pelos rebeldes. Sei bem que não deixarão que seu querido mestre escultor sofra em nossas mãos por causa deles.
Em seguida o jovem subiu para a torre de onde contatou Rayan. Mais tarde, o espião espalharia boatos que confirmavam o envolvimento de Carulvo com a rebelião. Muitos já haviam recebido a notícia da captura de Carulvo e em Audilha e Manília havia uma tensão acentuada. Para alguns dos rebeldes que tentavam contrapor a idéia de realizar o ataque ao forte de Lenidil, a história toda era a gota d’água.
O por do sol rubro, inspirava Calisto. Previa o sucesso de seu estratagema. Previa uma noite na qual os rebeldes sofreriam sérias baixas. Previa a projeção de sua pessoa e o aumento de seu poder influência. Estava certo. A noite, escura e estranhamente fria para uma noite de verão, trouxe grande tragédia e sofrimento aos rebeldes.
O grupo era liderado pelo Cavaleiro Vermelho. Naquela noite, todo o peso de sua maldição depositava-se sobre seus ombros. Liderava bravos homens dispostos a um grande sacrifício em prol da libertação de seu povo. Muitos sabiam que poderiam perder as vidas, e que as chances de resgatarem alguém eram mínimas. Alguns, nem sequer foram informados dos planos que a reunião de cúpula, dias atrás havia formulado. Apenas os comandantes, carregavam consigo todo o peso da derrota premeditada. Para eles, perder era vencer.
Um trunfo inesperado, fez com que o ataque da rebelião assumisse proporções ameaçadoras. Quando Calisto percebeu que havia um traidor infiltrado na fortaleza de Lenidil, grupo de bravos guerreiros liderados pelo Cavaleiro Vermelho, penetrava furioso, os limites do portão principal do forte. O espião rebelde teve sucesso em sua ação: erguer o portão.
Weimart e seus homens, esperavam um ataque vindo do portão dos fundos, que estava propositadamente desprotegido. Ao mesmo tempo, os rebeldes preenchiam o pátio frontal da fortaleza, vencendo a resistência com facilidade. Cortando a escuridão da noite, Vermelho gritava e de sua lâmina flamante setas de fogo atingiam soldados tomados por uma grande surpresa. Os vinte e poucos rebeldes seguiam o cavalo de seu líder e enfrentavam os poucos sentinelas que sucumbiram em poucos momentos.
Calisto observava furioso da torre e estava surpreso com a atuação dos rebeldes e do Cavaleiro Vermelho. Alguns rebeldes penetravam na fortaleza dirigindo-se à masmorra. No lado de fora, uma luta desesperada tinha início. Chegavam às pressas e irados, os homens comandados por Weimart, mais de cem. O Cavaleiro vermelho avançou seguido cerca de vinte bravos guerreiros. Uma luta sangrenta desenrolou-se. Enquanto Vermelho derrotava soldados inimigos com facilidade, e em série, seus companheiros tombavam ao serem envolvidos pelos inimigos.
Weimart, montado em um cavalo forte e veloz, avançou contra o Cavaleiro Vermelho, empunhando uma lança pujante. Com grande perícia, atingiu o Vermelho, que tentava defender-se de um grupo de soldados. Num rápido reflexo, o Cavaleiro foi capaz de apresentar o escudo encantado, constituído do mesmo metal avermelhado de sua armadura. Uma grande fagulha surgiu no ponto de impacto e Weimart e Vermelho foram projetados para fora de suas montarias. O giro violento sofrido pelo Cavaleiro, retirou de seu poder o escudo que o salvou da ponta da lança.
No chão, com o braço do escudo totalmente inutilizado e pulsante, Vermelho tentava recompor-se. Um ataque oportuno de um soldado, mostrou que uma lâmina comum não conseguia penetrar na armadura encantada com facilidade. Com a mão dormente após o golpe que ricocheteou na armadura anti-natural de Vermelho, o soldado morreu recebendo a lâmina fervente do cavaleiro em seu abdome. Vermelho postava-se de pé, e via a sua volta abrir-se uma roda. Havia dezenas de soldados, era impossível contar. Seus companheiros de batalha, já haviam sucumbido. Estava só. Observava os olhares apavorados nos olhos dos soldados. Murmuravam: – Demônio, demônio!
Calisto comunicou-se com o comandante. “Weimart, ataque-o! É hora de provar-se valoroso...”
Weimart balbuciou, – Calisto? Mas como derrotá-lo?
“Não é hora de discutir! Ataque-o, se não, eu mesmo cuidarei para que você tenha uma morte lenta e dolorosa.”
O militar bigodudo engoliu seco e partiu para cima do poderoso Cavaleiro Vermelho. Os soldados observavam a atitude do comandante com admiração.
Vermelho não aguardou e partiu para o ataque. Sua lâmina flamante foi bloqueada pela espada de Weimart. Os ataques prosseguiram e Weimart defendia-se bem, demonstrando sua habilidade como espadachim. Calisto concentrava-se bastante, e após a preparação devida, iniciou um forte ataque contra a mente de Vermelho. O resultado não fora tão bom quanto imaginava. O elmo que o Cavaleiro vestia lhe conferia certa proteção contra o ataque do jovem. Porém, o efeito foi o suficiente para que Weimart tomasse a iniciativa do ataque, e com vigor atacou por cinco vezes consecutivas. Todas estas foram bloqueadas por Vermelho. Eram igualmente bons, e uma luta como aquela, poderia durar um bom tempo.
Calisto reformulou sua estratégia, lançou novo ataque. Desta vez, direcionava comandos contra os nervos do Cavaleiro. Atingindo-o na espinha, fez com que alguns de seus músculos disparassem movimentos involuntários que quase fizeram com que perdesse o equilíbrio. Weimart investiu e atingiu com um forte golpe, o braço do Cavaleiro, afrouxando seu apego ao cabo da lâmina flamante, que queimava com pouca intensidade.
Um novo ataque mental de Calisto causou um espasmo na mão de Vermelho e sua espada foi ao chão, apagando-se de imediato. Em seguida Vermelho era cercado pelos soldados que vibravam com a vitória de seu comandante.
Enquanto as atenções voltavam-se para a luta e captura do legendário Cavaleiro Vermelho, o pequeno grupo que penetrou na masmorra retirava alguns dos prisioneiros conduzindo-os ao exterior da forma mais furtiva que podiam. A fuga dos rebeldes não tardou a ser detectada e logo alguns, fracos e incapazes de correr foram recapturados por soldados do forte. Poucos conseguiram fugir e outros sequer tiveram forças para deixar a masmorra.
Após a confusão, Weimart apresentava-se a Lorde Calisto.
– Lorde Calisto, trago boas notícias.
Calisto sorria e disse, – Pois então, diga logo!
– Apesar da entrada surpresa dos rebeldes, e seu plano para libertar os prisioneiros, temos os seguintes números: Tivemos apenas onze baixas e vinte e um feridos. Capturamos o líder vivo e matamos vinte e sete dos malditos rebeldes. Dos prisioneiros que foram libertados, recapturamos mais de trinta, matamos uma dúzia que resistiu à captura. Não mais que dez conseguiram escapar. E mesmos estes ainda estão sendo perseguidos por uma dúzia de patrulhas, neste momento.
– Ótimo Weimart! Muito bom mesmo! Com essa derrota ficamos perto de eliminar o incômodo desta rebelião destas bandas.
– Excelente, Senhor! Mais alguma instrução?
– Sim, traga-me o tal Cavaleiro Vermelho . Estou muito curioso...
– Como desejar!
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