CAPÍTULO 44
A capital do império sílfico, Nish era uma cidade esplendorosa. Um grande feito de arquitetura mágica cujas construções mais antigas, existiam há vários milênios, datando de mesmo antes da chamada era maldita. Era dividida em duas partes, a Velha Nish e a Nova Nish. A cidade era uma enorme ladeira que vinha do nível do mar, até o topo de um rochedo gigantesco chamado de monte Nish. Era uma maravilha cujos contempladores, quase exclusivos, eram os silfos do mar. Os humanos que tiveram o privilégio de ver e andar pelas ruas da capital, eram escravos que nunca puderam contar ao resto do mundo sobre as maravilhas de Nish.
A Velha Nish, ficava na parte central e superior do monte. É dito que foi um dos últimos focos de resistência dos silfos antes do surgimento das lâminas dos elementos. Na parte superior, estavam justamente o palácio imperial, a grande biblioteca e a grande arena (outrora, o grande teatro). Tudo era construído com pedras brancas e reluzentes e os diversos detalhes de acabamento, eram banhados a ouro. O palácio era altíssimo e enorme. Nele, cinco torres curvas abriam-se a partir do centro como uma flor desabrochando-se. Se fosse uma construção mundana, tombariam, mas sendo um edifício de pura magia, ficavam estranhamente eretas e firmes.
Para ganhar acesso à parte superior de Nish, um enorme e íngreme paredão de rocha, da altura de cem silfos, precisava ser vencido. havia duas escadarias que subiam num enorme ziguezague acumulando camadas umas sobre as outras. Mas estas raramente eram usadas.
No meio das duas escadarias esculpidas na rocha do monte com mais de setecentos degraus, havia duas plataformas mágicas que operavam um constante movimento de subida e descida. Enormes e capazes de sustentar até cinco carroças por vez, subiam e desciam alternadas, levando grandes quantidades de pessoas para cima e para baixo. Eram movidas pela magia ancestral, e tinham cravadas em pedestais dois enormes cristais amarelados que emitiam de forma constante, um fraco brilho.
Apesar de toda a beleza de Nish, a capital era uma cidade decadente, placo de competições cruéis entre escravos, inúmeras casas de jogos, casas de prostituição, mercados nos quais havia comercio livre de ervas alucinógenas e todo tipo instrumentos de tortura, restaurantes que serviam comidas caras e extravagantes nos quais muitos e aberrantes silfos obesos entravam e saíam. Doces diversos, carnes pesadas e outros alimentos que não faziam parte da dieta da maioria dos silfos do arquipélago eram encontrados com facilidade em Nish. Até a maneira de vestir-se em Nish diferia do restante do Arquipélago, lojas vendiam roupas curtas ou de extremo luxo, sempre extravagantes. Era o local onde havia maior concentração de escravos por silfos, eram em média cinco escravos para cada senhor. Nenhum outro lugar, senão Nish, seria capaz de sustentar tanta ostentação, tantos gastos. Era o local no qual toda insanidade e dinheiro dos silfos eram reunidos e gastos. Boa parte da produção de todo arquipélago, servia tão somente para alimentar o consumo intenso e sem fim da cidade milenar repleta de ilusões, sonhos, pompa, beleza, desgraça, miséria, violência e decadência.
Era uma cidade movimentadíssima, por causa das notícias recentes de que a legendária espada flamejante de Quill, encontrava-se no palácio, a quantidade de silfos e escravos em Nish, havia duplicado. Os portos, também construídos em ladeira, com diversos cais de pedra em degraus, estavam apinhados de embarcações.
O navio de Melgosh teve de esperar quase um dia inteiro por um espaço para atracar. Com tanta gente, Melgosh e sua tripulação suspeitavam que Shark estivesse escondido na própria capital, debaixo dos narizes dos inspetores legais e da própria guarda imperial. Não havia nada que muito dinheiro não pudesse comprar em Nish. Alguns pergaminhos com documentação falsa, garantiria a circulação da tripulação humana armada. Seriam escravos de alta confiança do Clã Orb, sob o comando direto de Melgosh. Tinham presos aos braços marcadores de metal que lhes indicava o senhor e no caso de crimes cometidos por escravos de alta confiança, o dono dos mesmos poderia ser responsabilizado.
Gorum e Kyle discutiam assustados a respeito do poderio militar do império. Seus grandes navios de guerra, seriam capazes de destroçar toda a frota naval do reino de Lacoresh com facilidade. Um dos navios, nem mesmo tinha a forma cilíndrica e alongada como todos os demais. Era uma grande plataforma que a primeira vista parecia uma construção fixa. Era semelhante a um trapézio e a altura do convés principal era superior ao topo dos mastros dos maiores navios já vistos pelos Lacoreses.
Em caso de um ataque a Lacoresh, poderiam invadir a capital sem maiores dificuldades com tantos navios de guerra.
Melgosh estava bastante apreensivo e logo seguiu para o interior da cidade, acompanhado de Zoros e Allet. Os demais foram orientados a permanecer na embarcação, cuidando de embarcar suprimentos, para o caso de precisarem sair de Nish em alguma viagem urgente.
Aproveitando a massa que invadira a capital, comerciantes faziam promoções e casa de jogos tentavam atrair clientes, prometendo prêmios fabulosos. Era um cenário muito atrativo e em especial para An Lepard. Kiorina estava igualmente interessada em passear por Nish, mas era sempre lembrada por Archibald que sair sem a companhia de Melgosh poderia ser muito perigoso.
***
Em um lugar, não muito longe, estava para iniciar-se uma sinistra reunião. Um silfo de voz muito bonita e grave disse, – Deixemos para Shark, todo o trabalho sujo, meu querido Alderic. Ele há de fazer muito barulho, movido por sua loucura e obsessão. E quando estiverem todos desnorteados, será nossa hora de agir. – Ele estava sentado em um pequeno trono, vestido com lindas roupas azuis brilhantes, com o rosto coberto por um véu grosso, repleto de pequenos orifícios. Tinha os pés descalços, brancos e bem cuidados, sobre plataformas macias cobertas com veludo da mesma cor. Acorrentadas pelo pescoço, duas lindas silfas muito pouco vestidas ficavam aos pés do nobre, que gostava de gesticular enquanto falava. Suas mãos alvas, tinham as unhas pintadas de azul e usava diversos anéis com pedras com a cor do céu cintilante.
– Sim meu duque, mas... – O silfo de perfil belo, traços finos e olhos firmes e confiantes que atendia pelo nome de Alderic, hesitava. Olhava para baixo, ajoelhado em frente ao exuberante nobre.
– Fale meu querido, o que lhe incomoda. – Falou a linda voz com doçura.
– É um momento delicado, e Shark tem passado dos limites.
– Como assim, passado dos limites? Penso que sequer foi capaz de quebrar, de forma eficiente, as ridículas convenções de nosso império.
– Não, meu senhor, não falava sobre suas trapaças e nem mesmo sobre seu plano de se apoderam da espada flamante, e sim, de sua associação com os humanos, aqueles que lidam com magia das trevas.
O duque sorriu e deu uma risada gostosa, muito irônica e cheia de desprezo. – Ah meu querido, acho ótimo que Shark esteja fazendo amizades fora de nossos domínios. É hora de termos mais contato com essas criaturas. É hora de encontramos alguns bons aliados no estrangeiro, pois muito em breve, como você bem sabe, estaremos fazendo intensos contatos com os reinos humanos.
– Mas eles afundaram um navio dos Farmin... E houve o incidente da mansão de Shark em Aurin. Não acho prudente subestimá-los...
O duque ficou sério e disse gravemente, – Meu querido, não seja tolo! Não estou subestimando os Lacoreses e seu novo governo de necromantes. Pergunte a Lévoro, e saberá que temos uma completa estimativa das atividades no pueril reino de Lacoresh.
Alderic, engoliu seco e dirigiu o olhar a Lévoro, o mago conselheiro do duque dos mares, Hiokar, chefe do nobre e belicoso clã Hiokar.
Lévoro era um silfo de baixa estatura, velho, muito magro e tinha o rosto feio e disforme. Vestia uma Shaita de azul profundo, que se confundia com o negro. Os compridos cabelos brancos que saíam do topo do traje sílfico, contrastavam com as vestimentas escuras descendo até a altura dos joelhos. Sua postura era levemente curvada e no peito, brilhava um medalhão com um peculiar cristal amarelado. Uma legítima peça de Sargentium, o cristal dos cristais.
Alderic não precisou falar, apenas sentiu um forte calafrio antes do mago falar. – Sim conselheiro Alderic, nós temos um dos nossos entre os Lacoreses e ele goza de grandes poderes e prestígios entre eles, sob necessidade, poderemos ter o tal reino a nosso serviço.
– Compreendo. Podemos convocar Shark e o humano para a audiência, então?
– Prossiga. – ordenou o mago.
Alderic levantou-se e caminhou até o portal, que levava a um extenso corredor. Havia uma centena de mosaicos esculpidos no portal, e milhares de pequenas pedras preciosas cravejadas no mesmo. Abriu com um leve toque indicou às sentinelas que trouxessem os convidados.
Fernon precisou receber um tratamento especial antes de ser levado à presença do duque Hiokar. Escravos humanos lhe deram um banho, mas seu mau cheiro persistiu. Após um segundo banho foi borrifado com diversos perfumes até que o cheiro destes suplantou o cheiro de carniça que estava impregnado, especialmente em sua mão murcha e esquelética. Recebeu novos trajes e circulava pelos corredores, da forma que devia apresentar-se ao duque, com os pés descalços. E pela primeira vez em anos, tinha os cabelos bem penteados.
Shark vestia uma de suas luxuosas shaitas vermelhas. E estava pouco a vontade com os pés nus. Pensava muito em suas lindas botas vermelhas e tinha vergonha da feiúra de seus pés.
Entraram no salão circular e pisaram com satisfação no tapete, macio e quente, que contrastava com as piso frio dos corredores. Fernon fixou os olhos no colar de Lévoro enquanto Shark não conseguiu disfarçar sua admiração pelas lindas escravas do duque. No momento, ambas limpavam e massageavam os pés do nobre usando nada menos que suas línguas para a tarefa. Sentiu uma pontada de inveja dos lindos e bem cuidados pés do Duque.
Shark estremeceu, imaginando num primeiro momento a fortuna que custariam as duas escravas e depois pensando que faria algo parecido quando pudesse retornar a sua mansão. Gostou imediatamente do estilo do duque, e achou genial a idéia de ter escravas, apenas para lamber-lhe os pés. Em um terceiro momento pensou que talvez o duque deveria usar menos azul em suas roupas e decoração. O comerciante porém, pensava em tudo aquilo em um instante e foi rápido em ajoelhar-se diante do duque. Fernon seguiu seus movimentos e ajoelhou-se. Estava maravilhado por tantos objetos interessantes para observar.
– Poderoso duque, é para mim uma grande honra estar em sua presença.
– Fique de pé Shark! – ordenou o duque Hiokar severo. – Ouvi muito a seu respeito. Sua aparência não deixa a desejar em relação a sua reputação.
Shark assumiu as palavras do duque como um elogio, – Agradeço sua gentileza senhor e estou inteiramente a sua disposição.
– E você, Lacorês? Fala o sílfico? – indagou o duque.
– Sim, senhor. – confirmou o necromante levando seu olhar esbugalhado e insano ao rosto coberto do nobre.
– Estou lhe ouvindo, Shark
O comerciante e capitão de uma frota de navios pigarreou e disse, – Magnífico duque, venho lhe pedir apoio e proteção, pois fui injustamente implicado pelo crime.
– Deixe de lado essas fábulas, estimado Shark. Fale livremente, pois sei bem de suas operações e sei bem de suas intenções.
Shark tentou não parecer surpreso e não soube o que dizer.
– Escute bem, Shark dos Farmin. Se quiser viver e prosperar daqui por diante, saiba que terá de servir ao seu senhor. Não há problema em desejar o poder, isso no meu ponto de vista, não é crime. Porém, o capitão sabe melhor que ninguém, que a vontade dos Hiokar, não determina o que deve ou não ser feito. E sim, a vontade do conselho, desde que aprovado pelos inertes Mikril.
– Compreendo meu senhor! Ficarei feliz de serví-lo, da maneira que desejar.
– Pois bem, desejo que você termine com o que começou. Quero que adquira a espada flamante de Quill e quando a fizer, farei de você um general em meus exércitos.
Shark delirou de prazer e estremeceu. – Oh meu senhor! – e ajoelhou-se. – Não posso expressar minha felicidade em serví-lo.
Fernon observou a maneira que Shark se curvava com certo desprezo e perguntou. – Seria rude de minha parte, se perguntasse por que fui chamado a sua presença, oh poderoso duque?
– Não, caro Lacorês. Sua pergunta é razoável.
– Ficaria satisfeito se puder saber.
– Pois bem. – disse a voz aveludada. – O anel que carrega em seu dedo... Queira mostrá-lo.
Fernon ergueu o braço cuja mão estava deteriorada e mostrou-a. Tremia, mas mostrava com evidência o anel e sua grande pedra negra, com polimento perfeito, em forma de ovo.
Lévoro examinou a pedra cuidadosamente sem sair do lugar e anunciou, – É um nexo, meu duque, um nexo de grande poder.
– Perfeito. – riu-se o duque.
Fernon recolheu a mão esquerda envolvendo o anel com a mão direita.
– Não fique tenso, Lacorês. Não precisamos retirar o anel de sua posse. Precisamos apenas que nos deixe usá-lo, para uma ocasião especial.
Fernon sentiu que não era um assunto que estava aberto a discussões e calou-se temeroso.
– Muito bem Lacorês, pode retirar-se. Foi bom vê-lo.
Fernon cumprimentou-o com um aceno e retirou-se em silêncio.
– Agora Shark, meu futuro general, vamos discutir sua ação, pois ela será importante e decisiva.
Shark sorriu, satisfeito com a própria ousadia. Afinal, sua busca pela espada de Quill poderia trazer interessantes e inesperados frutos.
– Não é verdade que é amigo pessoal do herdeiro ao trono, príncipe Kiel?
– Pois sim, meu senhor. Eu e o príncipe somos bons amigos.
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