CAPÍTULO 42

Era uma perigosa e importante reunião da rebelião. Membros vindos de todo o baronato de Fannel encontravam-se na província de Vaomont, ao norte de Liont, nos pés da cordilheira de Thai. Alguns rebeldes vieram mesmo do ducado de Kamanesh, e dos barotatos de WhiteLeaf e Bandeish. Cerca de quarenta homens e algumas poucas mulheres.

Vaomont era a província madeireira de Fannel. A principal atividade era a extração de madeira. Haviam dezenas de depósitos e serrarias. Era uma região embrenhada em uma vasta floresta de coníferas. E o que era extraído, voltava a crescer depois de uma dúzia de estações.

Encontravam-se em um antigo armazém abandonado, no meio da floresta. Estavam todos muito alarmados com o surgimento de Lorde Calisto. Era o mais cruel e vil entre os nobres que colaboravam com os necromantes.

Estavam presentes, Vekkardi, Radishi, Roubert, Will, o Cavaleiro Vermelho e muitos outros como o silfo Eleriln, o famoso mestre Fangos e uma das fortes lideranças do sul, Kandel.

Havia muita agitação e troca de informações. Como sempre, diversas notícias de membros capturados ou mortos traziam grande tristeza. Mas no momento, o assunto que causava maior discussão eram cerca de cem prisioneiros que estavam na fortaleza de Lorde Lenidil. Muitos eram inocentes e sequer sabiam qualquer coisa sobre a rebelião. No entanto, era torturados e executados sob a acusação de pertencerem ao movimento. Todos sabiam, que aquela era uma armadilha, mas mesmo assim, muitos defendiam que algo deveria ser feito.

Três correntes foram estabelecidas. Uma delas, achava que qualquer reação traria prejuízos irrecuperáveis ao movimento. A verdade emergiria mais cedo ou mais tarde, e o papel da resistência era encontrar formas de conscientizar a população, nobreza e clero do perigo oferecido pelos necromantes. Outros achavam que o melhor seria destruir as lideranças dos necromantes. E neste caso, Lorde Calisto tornara-se um alvo óbvio ao contrário de outros líderes que nunca apareciam ou davam brechas para serem atacados.

O último grupo sustentava a idéia de uma ação para libertar os inocentes a qualquer custo. Era a que tinha menos argumentos, mas mais seguidores indignados e prontos para agir, oferecendo suas vidas.

O silfo Eleriln falava pelo grupo que desejava manter-se neutro e trabalhar com a consciência das pessoas. - Por favor, amigos! Precisamos manter a calma! Se brigarmos, a situação só vai piorar.

Kandel, vestia roupas simples e seus cabelos loiros voltavam a crescer. Tinha expressão severa com suas grossas sobrancelhas. A face estava marcada com uma cicatriz vertical que lhe cruzava a testa e bochecha, por sobre o olho esquerdo. Kandel que acreditava na eliminação das lideranças necromantes falou com vigor, - Sim! Eleriln está certo! Sentem-se todos e aprendam a escutar! - ordenou o ex-cavaleiro, que era muito respeitado e foi ouvido.

Após alguns momentos de silêncio, Fangos o ex-líder da Alta Escola em Liont falou. - Pois essa situação absurda passou dos limites! - Apoiava-se num cajado de madeira com uma pedra verde na ponta. Era idoso, e usava um corte incomum em sua barba branca. Na verdade, não usava barba, mas suas costeletas eram tão volumosas e compridas que parecia usar barba, raspando o bigode e o cavanhaque. Tinha olhos verdes brilhantes da cor de gema em seu cajado e sua pele era muito vermelha. Todos escutavam-no com atenção. Era o mais velho de todos presentes, com exceção dos silfos. - Devemos atacar com todas nossas forças! Eliminar o garoto amaldiçoado e libertar os prisioneiros! - A fala inflamada de Fangos fez com que a discussão voltasse e todos discutiam ao mesmo tempo tentando convencer uns aos outros a seguirem suas linhas de pensamento.

Radishi levantou-se e disse, - Por favor. Façam silêncio. Desejo falar.

Mas mal foi ouvido. Kandel gritou, - Calem-se! O tisamirese deseja falar!

Pouco depois, o silêncio voltou ao armazém.

- Desculpe-me interromper. Nem mesmo sou um membro declarado da resistência. No entanto, venho falar em nome do Silfo Modevarsh.

- Silfo Modevarsh! - disseram uns. Outros apenas articularam interjeições.

- Sim. Esta manhã, antes de despertar, tive um sonho premonitório. Sonhei com o Silfo Modevarsh e tenho boas razões para crer que foi uma comunicação legítima.

- O que o leva a crer nisto, tisamirense? - indagou o velho Fangos desconfiado.

- Já nos comunicamos assim algumas vezes. Tenho colaborado com as ações de Modevarsh, desde a libertação dos escravos nas minas de Xilos.

Mais murmúrio preencheu o local.

- Pois bem, tive um sonho esta manhã que não fez muito sentido até agora. Mas depois de ouvir a todos percebo seu significado. Estive pensando que há ainda uma outra alternativa.

Muitos estavam desconfiados com a fala de Radishi e seu sotaque, mas outros lhe olharam nos olhos e estes lhe inspiraram confiança. - Mas aviso, é um caminho que apresenta riscos, como em qualquer jogo.

Fangos logo acusou, - Acha que isso é um jogo tisamirese? Acha que o fato de pessoas inocentes serem torturadas faz parte de algum jogo?

- Escute senhor Fangos, não pretendia ofender-lhe, muito menos afirmar que não dou importância ao sofrimento alheio. Foi apenas uma forma de expressão. Agora respondendo sua pergunta, tenho três observações: primeira, não acredito em legítima inocência. Segundo, creio sim, que tudo faz parte de um jogo celeste, e somos participantes ativos, sendo que os preços a serem pagos, podem ser altos demais dependendo de nossas ações. Quanto as recompensas, muitas vezes são difíceis de enxergar. E por fim, não se importem com minhas crenças ou meu modo de falar, mas sim, escutem atentamente as minhas idéias.

- Pois então fale, tisamirense. - disse o mago cruzando os braços com certa impaciência.

- Muito bem, surgiu neste processo de dominação e expansão das forças das trevas, uma brecha, representada pelo tão falado, Lorde Calisto. Ele é jovem e ambicioso, e sua sede de poder não tem limites. Isso, segundo alguns de vocês já puderam perceber.

- Sim, sim, prossiga. - pediu Fangos impaciente.

- Uma alternativa para resolver a crise local e ao mesmo tempo, reverter a situação que pousa sobre o reino de Lacoresh, é usarmos o jovem como uma arma a nosso favor. Se pudermos direcionar suas ambições, para que lute contra seus aliados e fazer com que acredite que derrotou ou enfraqueceu o movimento de resistência teremos condições favoráveis para agir, em um segundo momento. - Radishi fez uma pausa, e antes que pudesse continuar, foi interrompido por um coro de perguntas simultâneas.

- Como fazer isto? - E correr o risco de alimentar o crescimento de um monstro imbatível? - Como fazer que acredite que nos derrotou?

Radishi ficou imóvel, aguardando que se fizesse silêncio. Em pouco tempo pode falar novamente. - Podemos alcançar esses objetivos, usando todas as estratégias que vocês estão planejando, ao mesmo tempo.

- Mas como isso seria possível? - Kandel perguntou com interesse genuíno.

- Pensem! Muitos detalhes precisam ser discutidos, mas ainda assim... devemos saber que serão necessários muitos sacrifícios e vários de nós, poderão ser capturados ou mesmo perder a vida.

Fangos anunciou, - Para isso, muitos de nós já estamos prontos!

- Isso é bom. Em primeiro lugar. Devemos preparar dois ataques. Ambos com pequenos números. Um grupo deve falhar, e outro, precisa ter sucesso.

- Como assim Radishi? - quis saber Will.

- Escute Will, um grupo deverá se sacrificar, sucumbindo às garras de Calisto numa tentativa de resgate na fortaleza de Lenidil. O grupo deve estar preparado para sofrerem baixas e fugir. O outro, irá antecipar um ataque ao próximo inimigo de Lorde Calisto, abrindo caminho para sua ambição. Devemos eliminar o Barão de Fannel!

Novamente veio uma onda de indignação. Após uma nova espera por silêncio, prosseguiu.

- Pois entendam. Isso faz parte de seus próprios planos. Terão a oportunidade de libertar os presos, mas como já sabem, mesmo se atacarmos com força total, perderemos. Se atacarmos com uma fração de nossa força, faremos com que acreditem que somos mais fracos do que realmente somos. - O murmúrio cresceu e Radishi teve que aumentar o tom de voz. - Ao eliminar o Barão Fannel, de forma a parecer que foi uma conspiração por poder, e não um ataque rebelde, abriremos caminho para disputa da posição de Barão. Neste caso, os competidores são, o filho do barão, e os lordes das três principais províncias: Vaomont, Manile e Durunt. Haverá caos e disputa em um dos principais baronatos do reino, e nós agiremos em favor de Lorde Calisto.

- Isso é loucura! - acusou um dos partidários de Fangos.

- Sim, pode ser! Mas observe nossa atual situação? Não é igualmente insana?

Kandel disse, - Suponha que tudo isso dê certo, o que aconteceria depois?

- Tenha calma Kandel, ainda há outros fatores que preciso expor.

- Pois então faça! Seus pontos de vista são interessantes, se puderem ser postos em prática...

- Há outros elementos que entrarão em ação num curto prazo. Os anões, os bestiais, Tisamir, os silfos do mar e o oráculo de Shimitsu.

Desta vez o barulho e discussão que se seguiram demoraram bastante para cessar. Uns poucos compreenderam a profundidade das palavras ditas por Radishi. Outros caíram na gargalhada, afirmado que o que ouviam era perda de tempo. Outros discutiam interessados, imaginando qual significado poderiam ter aqueles elementos citados.

- Não estou inventado nada. - respondeu Radishi com calma. - Estou lhes informando das visões do Silfo Modevarsh. Ele enxerga longe e compreende este mundo de uma forma que nenhum de nós pode sequer supõe.

Kandel a esta altura dava suporte a Radishi e pedia que ele falasse mais. E assim foi, explicou e tirou dúvidas. Falou durante quase todo dia. Houve uma pausa para o jantar e havia uma grande discussão a respeito do papel dos anões na disputa. Não eram vizinhos distantes e muitos foram mantidos como escravos pelos necromantes, nas minas de Xilos. Eram bons elementos com os quais trabalhar. Especulava-se que seu número podia superar em cinco vezes a população de Lacoresh.

Enquanto muitos membros da resistência discutiam estratégias e em especial, as informações e proposições de Radishi, Vekkardi convocava seus companheiros para uma discussão em particular.

Radishi comentou em tom de desaprovação, - Não sei caro Vekkardi, penso que a ação que pretende tomar é muito perigosa. Acha realmente que pode obter sucesso?

- O que devo fazer? Abandonar meu irmão? Deixar que sofra para sempre, preso por essa magia maligna?

- Não. Você sabe que tem uma outra opção mais viável. Volte a seu irmão e liberte-o. Destrua seu corpo, liberte-o de sua condição.

- Não! - disse ríspido. - Não posso aceitar tal coisa! Se esse fosse o desejo do Mestre, porque então trazê-lo das minas até tão longe, em seu cativeiro?

- Não posso imaginar, talvez houvesse alguma esperança.

- Pois sim Radishi. Não é atrás de nada além de uma esperança que estou atrás!

- Mas pretende suicidar-se para tal?

- Nâo foi você mesmo que falava de sacrifícios, há pouco, com tanta propriedade?

- Entendo. Tive pouco controle sobre o que dizia. Colocava para fora muito do que o próprio Modevarsh transmitiu-me em meu sonho. Pensando melhor sobre o assunto, acho impossível concordar com sacrifícios, mas por outro lado, parece impossível impedir que aconteçam.

- Pois sim! Você me compreende. E por isso peço, que permita que eu faça isso sozinho. Não é necessário que vocês dois se arrisquem.

Roubert falou pela primeira vez, - Mas Vekkardi, era esse o desejo do ancestral. Ele queria que nós ajudássemos.

- Sim Roubert, vocês já ajudaram. Agora surgiu uma divisão em nossos caminhos. Eu estou despreparado para ajudá-los com a causa da resistência.

- Por que acha isso, Vekkardi? - indagou Radishi

- Sou egoista. Só consigo pensar em mim e meu irmão! Não poderia abraçar uma causa que visa trazer o bem de todos, mas que não pode ajudar meu irmão.

- Você entende bem seus sentimentos, meu caro. Não deixe eles te traírem. Penso que é hora de nos separarmos, pois eu tenho agora uma importante incumbência. Preciso lidar com Lorde Calisto, pessoalmente.

- E quanto a mim, meu amigo Radishi? O que devo fazer? - perguntou Roubert.

- É hora de você usar seus talentos para ajudar a retirar as terras de Lacoresh e Shind das trevas. Neste conflito de subterfúgios, seus talentos como batedor, valem ouro!

Ao escutar as palavras de Radishi, o silfo Roubert percebeu que acabava de encontrar um sentido para sua busca. Sim, era verdade. Ele era um excelente batedor, silencioso como nenhum outro entre os humanos. Seus talentos teriam grande valia, sentia que seria útil atuando junto aos membros da resistência.

Na manha seguinte, Vekkardi partia só, em busca da cura de seu irmão. Para tal, sabia que teria de ir ao ponto central das atividades necromânticas, a Necrópole.

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