CAPÍTULO 33

O bosque era um cenário triste e desolado, naquela manhã. O chão estava coberto por cinzas, brasas e pequenos focos de incêndio persistiam, aqui e acolá. Muita fumaça difusa, fazia o lugar parecer estar coberto por um forte nevoeiro. Troncos negros e retorcidos apontavam para os céus, com ramos pelados, sem uma folha sequer. Próximo ao rio, seguindo no caminho que levaria ao esconderijo dos rebeldes, Radishi captou fracos sinais vitais de alguém inconsciente.

– É um deles! – apontou Roubert.

Lá estava o necromante, coberto por fuligem, quase imóvel, ao lado de um tronco de árvore queimada.

Radishi disse, – Ele está mal, morrerá a qualquer momento.

Will aproximou-se e ergueu a cabeça de Clefto. – Certamente está mal, mas devemos salvá-lo.

Roubert indignado retrucou, – Salvá-lo!? Devemos deixá-lo, que morra, provando do próprio veneno.

Vekkardi pressionou os olhos e disse rouco, – Concordo com Will. Ele pode ser útil. Podemos obter informações importantes se o fizermos falar.

– Essa não era bem a ideia principal, mas se os convence... – disse erguendo o corpo do necromante e pedindo ajuda a Roubert com um olhar.

Roubert agachou-se e junto com Vekkardi, ergueram o corpo de Clefto, severamente ferido e apresentando algumas queimaduras.

– Tome cuidado com o braço! – advertiu o rebelde.

O silfo espantou-se. – Como ele pode sobreviver assim?

– Magia negra. – esclareceu Will. – Vamos até o riacho, precisamos limpá-lo primeiro.

Enquanto carregavam o necromante de volta ao leito do riacho, Roubert lembrava-se do Cavaleiro Vermelho. – Vocês acham que o Cavaleiro Vermelho escapou?

Will sorriu apesar do esforço que fazia para carregar Clefto. – Certamente. O Vermelho sabe se cuidar.

Pouco depois observavam o corpo de Clefto nú, sobre uma pedra. Tinha queimaduras no rosto, nos braços e mãos apenas. De alguma forma, sua roupa pode conter o calor evitando queimaduras. O braço direito, estava torto e a ponta de um osso lascado rompera a pele. O sangue estava estancado, uma casca negra, estava ao redor do corte.

Roubert rasgava as roupas de Clefto em tiras com uma faca, e Radishi buscava gravetos para talas. Will disse a Vekkardi, – Precisamos consertar o braço dele logo, senão poderá ficar irrecuperável.

– Mas como?

– Eu aprendi um bocado sobre isso, trabalhando com os Naomir durante a guerra.

– Você participou da guerra?

– Sim, ao meu modo. Meu avô sempre foi contra guerras, e acreditava que se juntar a elas resolveria pouca coisa.

– Há um mosteiro dos Naomir entre o baronato de Fannel e o baronato de WhiteLeaf, não é Will?

– Havia, mas foi queimado meses depois do incêndio no mosteiro próximo à cidade de Kamanesh.

– Não sabia. – Nesse momento Vekkardi observava um corte que Will fazia no antebraço do Necromante, para arranjar espaço para a recolocação do osso. Pediu ajuda e fazendo muita força, internalizou o osso. Deu uma série de puxões, aos quais Clefto não demonstrava o menor sinal de reação. Logo se deu por satisfeito e disse, – Acho que está no lugar. Ou ao menos, bem próximo. Roubert! Dê-me as faixas agora.

O rebelde que ganhava a cada momento, grande admiração por parte de Vekkardi, enfaixava o braço do necromante com habilidade. Em seguida, colocou talas, nos braços, na perna esquerda e no pescoço. Estava pronto para ser carregado.

Antes do anoitecer chegavam na caverna que era a entrada para um dos esconderijos dos rebeldes na região. Era um ponto próximo ao início cordilheira de Thai. Muitas das cavernas tinham lagos, ou rios em seu interior. O riacho que atravessava o bosque recém destruído, brotava de uma dessas cavernas.

Era uma entrada estreita, e precisavam se agachar para penetrá-la. Will aproximou-se da entrada e emitiu um longo assobio. Logo entrou na caverna e virou-se para puxar Clefto, arrastando-o no chão cheio de limo.

A entrada da caverna era úmida e escorregadia, e seu interior era escuro. A temperatura era fria e agradável.

Will alertou-os, – Tomem bastante cuidado. É muito escorregadio por aqui.

Radishi entrou animado. Gostava de cavernas, adquiriu esse gosto em contato com o silfo Modevarsh. Vekkardi seguiu, estava habituado a cavernas, mas preferia as montanhas e escaladas ao ar livre. Por último, Roubert hesitava para entrar. Sua mente estava em conflito. O medo lhe dizia para não entrar, mas seu grande orgulho não permitiria que se acovardasse. Tenso, engatinhou para o interior da caverna.

Estava muito escuro. Will disse-lhes, – Precisamos esperar um pouco para nossos olhos se habituarem à escuridão. A luz que vem da entrada, será suficiente para chegarmos à toca. – Sua voz ecoou de forma estranha, parecendo amplificada.

Radishi observava o interior da caverna com curiosidade. Aprumando a audição, reconheceu sons de água corrente e pingos ritmados. Apesar da entrada estreita e baixa, estavam em uma câmara enorme, e não podiam enxergar o teto, e, nem mesmo o prosseguimento da caverna.

Pouco depois, conseguiam enxergar formas arredondadas, estalagmites e estalactites no interior da caverna.

Will disse-lhes, – Vamos, podemos prosseguir para a toca. Ajudem-me com o necromante.

Neste momento, Radishi percebeu a forte tensão de Roubert que respirava velozmente e suava. – Roubert meu caro, tente manter a calma. Pense: não há nada aqui que possa nos ameaçar.

– Eu sei. Mas ainda assim, sinto-me desconfortável. Não gosto de lugares fechados. Sinto falta de ar.

– Mas há ar em abundância aqui. Vamos lá, concentre-se para que possamos seguir, certo?

– Muito bem. – Concordou o silfo limpando o suor da testa.

Vekkardi e Will se encarregaram de levar Clefto, enquanto o tisamirense acompanhava o silfo para o interior da caverna.

Após uma pequena parte plana, iniciaram uma descida. Mesmo com cautela, perdiam o equilíbrio com freqüência. Roubert, mais nervoso, caiu duas vezes, sendo amparado por Radishi. No fim da descida, puderam ver um grande piso negro, bem polido.

– O que é isso? Alguma construção? – quis saber Roubert.

Will respondeu, – Não meu caro, isso é um lago. Vamos atravessá-lo.

O silfo sentiu um frio na espinha. Mas aquilo em nada se comparava, ao toque gelado da água.

– Está congelando! – reclamou Vekkardi.

Will indicou-lhes o caminho. Naquele trecho, já não havia muito limo, pois não havia luz para favorecer seu crescimento. Embrenhavam-se na escuridão, apenas escutando os sons produzidos por eles mesmos e confiando na memória de Will para encontrar o caminho. Durante a travessia, o nível da água, nunca ultrapassou a cintura.

Já estavam naquela caverna há muito tempo. O sol já devia descansar fora dali. Depois do lago, seguiram por pedras úmidas e irregulares até um local onde o musgo voltava e além deste, algumas pequenas plantas. Havia uma fraca iluminação no local, proveniente do alto. Havia diversos orifícios por onde fios de luz lunar amarelada penetravam. A escadaria esculpida na rocha foi uma surpresa. – Vocês que fizeram essa escadaria? – indagou Radishi curioso.

Will respondeu fatigado, – Não. Já estava aqui quando encontramos a toca. Provavelmente trabalho de anões.

– Anões, tão longe?

– É, o lugar parecia abandonado há séculos. Vamos, agora falta pouco, e precisamos repousar.

A toca, era um lugar incrível. Um mundo à parte daquelas cavernas. Grandes punhos de pedra cerrados partindo das paredes, emitiam luz azulada quando tocados.

Além da iluminação, o local era mobiliado. Havia alguns divãs, muito confortáveis. O local era estranhamente aquecido, e não havia excesso de umidade.

– Magia! – exclamou Roubert, que estava um pouco mais calmo com a chegada na toca.

– Sim. – concordou Vekkardi. – Algo muito antigo e poderoso!

– Eu não teria tanta certeza de que isso é trabalho dos anões. – disse Radishi.

– Se não os anões, quem? – perguntou Will interessado.

– Os mesmos que construíram Tisamir.

– Mas, Tisamir não é obra dos humanos? – indagou Vekkardi.

– Pois pelo que soube, Tisamir é obra dos anões. – disse Will.

– Bem, é verdade que não há consenso a respeito disso. Mas eu e alguns de meus companheiros em Tisamir, acreditamos que ela seja obra dos Antigos.

– Antigos? Fala dos El’Kin’Phos? O Senhor Alunil, digo, Modeversh, contou-me certa vez sobre eles. El’Kin’Phos, ou mesmo Elfos.

– Não, não estou falando destes. Eram seres da natureza, mas gostavam de céu aberto, assim como os Silfos.

– Pois quem eram esses Antigos? – perguntou Roubert curioso.

– Ninguém sabe ao certo. São chamados de Antigos, Antigos engenheiros, ou ainda de Merrin.

– Merrin?

– Sim, há poucas referências a respeito dos Merrin, mas um pouco do que soube, é que eram os seres mais mágicos desta terra. Aqueles que manipulavam a magia como uma extensão de seus corpos. E segundo algumas lendas, aqueles que trouxeram demônios à essa terra dando origem às guerras milenares.

– A era maldita! – exclamou Roubert.

– Sim. E é por isso que penso que essa toca, seja obra dos Antigos. A primeira raça a existir nesta terra.

– Eram abençoados pelos Deuses? – indagou Will, trazendo à discussão aspectos religiosos.

– Não sei, meu caro. Em Tisamir poucos estudam as divindades. Nosso estudo é focado em história, línguas, matemática e autoconhecimento.

– Meu tio era sacerdote da Real Santa Igreja. – revelou Will. – Por vezes ele me contava, alguns fatos que não eram revelados nos templos e nos cultos. Conhecimentos secretos do Clero, vocês sabem.

– Sabemos. – Vekkardi falou por ele e Radishi. – Tivemos um companheiro, um monge Naomir chamado Archibald, que nos contou sobre esses segredos do Clero.

– Pois, sim! Meu tio dizia que os Deuses, deram vida à uma primeira raça, os escolhidos. Mas é dito que foram dizimados durante as grandes guerras, eram poucos, e teriam perdido o gosto pela vida, concordando não trazer mais filhos para um mundo de tantos sofrimentos, infestado por tantas pragas, guerras e demônios.

– Engraçado. Archibald nunca havia mencionado tal coisa. – disse Vekkardi.

– A igreja e os monges são cheios de segredos. Ao que parece, apenas os mais graduados tem acesso a certas informações. Talvez seu amigo ainda conhecesse poucos segredos.

– É possível.

Will mudou de assunto e disse, – Temos alguns suprimentos aqui. É melhor comermos e depois descansarmos. Devemos amordaçar e amarrar bem as mãos do necromante. Se ele acordar, não seria bom que pudesse evocar feitiços.

E assim fizeram.

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