CAPÍTULO 21
Era uma noite de júbilo. Muito luxo e muita gente poderosa numa festa como não se via há tempos no Reino de Lacoresh. A maior parte da nobreza estava reunida, assim como o clero, a sociedade dos magos, militares e outras personalidades. Seria um dia perfeito para um ataque da rebelião, e justamente por isso, a segurança estava duplamente reforçada.
O grande salão de festas do novo castelo, sede do poder em Lacoresh, era inaugurado. Enorme com capacidade para oito centenas de convidados, estava luxuosamente decorado. Não havia uma só tocha ou vela em seu interior. Toda iluminação era feita por meios mágicos. Uma verdadeira multidão de servos dos mais qualificados entrava e saía do salão para suprir as necessidades dos convidados. A construção do novo castelo, mais alto, de grande imponência, mas também um tanto mais sombrio, era um feito único. Ficara pronto em pouco mais de um ano. E sua construção teria sido impossível, não fosse o grande empenho de dezenas de magos de primeira linha, formados na Alta Escola de Magia, em acelerar sua construção por meios mágicos. Completado há pouco mais de duas semanas, o castelo possuía cerca de novecentos cômodos e abrigava centenas de nobres, membros do clero e personalidades que viajaram para as comemorações.
Havia uma grande curiosidade e muita especulação ao redor do anúncio que seria feito. A maioria das pessoas não sabia qual o motivo daquela festa. Especulava-se sobre o surgimento de um novo herdeiro. Diziam que a Rainha Alena, filha do falecido Rei Corélius IV, que se casara com o primo do Falecido Rei, Arqueduque Maurícus, estaria esperando um bebê. Mas muitos duvidavam que o Rei Maurícius, velho como era, fosse capaz de consumar o casamento com a bela e jovem Rainha Alena. Outros mais maldosos secretamente insinuavam que o filho era de outro.
O Príncipe Serin, primogênito do casamento anterior do Rei Mauricius, detestava e desprezava esse tipo de conversa. Muito já se falava do incidente ocorrido no princípio das comemorações. O príncipe irritadíssimo ao ouvir certos comentários desentendeu-se com o Barão Fannel. Algo que teria sido pior, caso Serin e o filho do Barão, Adam Fannel, não fossem amigos de longa data. Serin relevou o insulto a seu pai por consideração a um pedido do amigo.
O salão era composto por quatro amplos ambientes interligados. Na interseção dos quatro salões menores, havia uma grande pista de dança circular. O piso, do grande círculo fora construído com raras pedras de azul profundo perfeitamente polidas, que refletiam imagens quase perfeitas daqueles que por ali passavam. Acima da pista, havia uma abóbada gigantesca, a maior de todo o reino, construída apenas com metais e vidros. Um estilo de construção novo e nunca visto em Lacoresh.
Muito se falava sobre a cúpula, e sobre sua sustentação, principalmente os cavaleiros e militares. Preocupavam-se com o aspecto frágil da estrutura e especulavam sobre seu valor de defesa no caso de guerras. Comentavam que era uma janela que convidava um atacante a incendiar todo o castelo de dentro para fora, bastariam catapultas e alguns projéteis incendiários para fazer o serviço.
O salão era justamente a parte central do castelo, a abóbada no centro, no entanto não era seu ponto mais alto. Um corte transversal no grande círculo ligava, em lados opostos, a torre mais alta na parte de trás e a torre mais baixa à frente do castelo. Partindo do centro em ângulos fechados e projetados para diante, erguiam-se as duas torres gêmeas da imponente fortaleza.
Os quatro salões acompanhavam a forma externa do castelo. No salão posterior, estavam o Rei, a Rainha e todas as figuras de maior importância do reino. No salão frontal e o mais baixo, estava concentrada a massa de acompanhantes de menor importância. O salão esquerdo era especialmente reservado aos membros do clero e no salão direito concentravam-se os mais importantes cavaleiros e membros das milícias de Lacoresh.
Em dois dos quatro cantos que se formavam na parte central do grande salão, arquibancadas de madeira, finamente decoradas abrigavam dezenas e dezenas de músicos. Na escadaria que ficava além do portão no salão mais baixo, membros da guarda de honra, em seus glamourosos uniformes, recebiam os convidados que chegavam sem parar. A movimentação de coches e cavalos do lado de fora do castelo era intensa.
No alto de uma das torres gêmeas, Calisto sentia grande desconforto. Sua cabeça zumbia, devido à proximidade de uma grande concentração de pessoas. Fora obrigado a recolher seus pensamentos e fechar bem sua mente para evitar uma eventual perda de sentidos e invasão pelos pensamentos de uma multidão. Só há pouco, começava a habituar-se ao ruído e relaxava um pouco.
Vestia uma linda roupa de gala negra, com pequenos detalhes em amarelo. Fora tratado por servos de extremo zelo. Acostumados a lidar com nobres geniosos, os servos trataram Calisto de forma adequada, conquistando sua simpatia. Ansioso pelo que lhe esperava, o menino pediu para ficar sozinho.
Sentia um calor terrível e decidiu abrir a porta que levava a uma sacada. Um vento frio e forte penetrou o aposento derrubando alguns objetos e quebrando outros. Mas logo, diminuiu, sendo forte mesmo apenas a rajada inicial. Na sacada, a vista deixou sua mente atordoada. Era muito alto, e podia ver centenas de homens e mulheres vestidos com roupas coloridas através da grande cúpula de metal e vidro. Vistos do alto, possuíam o tamanho de insetos. Na sacada, ao seu redor, gárgulas horrendos empoleiravam-se. Por sobre a torre mais baixa, podia ver o mar distante e a forte luz que saía do farol de Lacoresh. A cidade, enorme podia ser vista como um todo, de onde estava. Milhares de casas e construções, com janelas iluminadas por luzes fracas e oscilantes de tochas ou velas.
Olhava para aquilo tudo sentindo a forte brisa marítima em sua face. Aquele cheiro estranho do mar, que nunca havia sentido antes. Todo aquele mundo que se revelava diante de seus olhos. Perguntava-se qual era o seu papel naquilo tudo. Sua intuição lhe dizia que não havia nascido para ser um ninguém. Já era alguém, um ser diferente, alguém que causava medo e admiração. Tinham para com ele uma série de cuidados. Sentia dentro do seu âmago uma imensa vocação surgindo. A vocação de dominar, controlar, governar, possuir. Seria dono de tudo que seus olhos mirassem, seria o senhor supremo daquele mundo, e quem ousasse desafiá-lo, sofreria terríveis conseqüências.
Mas como? Como dominar tudo? O menino sorriu, era inteligentíssimo e sabia muito bem disto. Além de tudo, podia ler pensamentos, criar pensamentos e implantar nas pessoas, podia controlar e manipular tudo e todos. Hoje fazia dezesseis anos, como lhe disseram. Antes dos trinta dominaria o mundo, e essa convicção crescia dentro de seu ser. Precisava apenas ser paciente.
Uma voz detestável e chiada lhe veio pelas costas. – Tendo sonhos de grandeza meu pupilo?
O coração de Calisto disparou. Virou-se para encarar o monstro. – Professor churrasco!? Digo, Weiss? Como pôde chegar até aqui?
– Achou que eu perderia sua grande noite? – chiou Weiss.
– E quanto a Thoudervon, será que ele veio também?
– Menino! Já lhe disse... não fique pronunciado esse nome. – ameaçou Weiss.
Calisto retrucou em tom debochado, – Vá para o inferno professor. Acha que depois de tanta preparação, dessa festa toda, você vai fazer alguma coisa comigo? Nunca! Não pode me tocar, especialmente hoje, e sabe muito bem disso.
– Muito bem, seu moleque arrogante, hoje é o seu dia, diga o que quiser, faça o que quiser, mas lembre-se, depois dessa palhaçada, desse ridículo teatro, voltará a me obedecer! Sob pena de sofrer, sofrer muito, sofrer como você sabe que só eu sei fazer você sofrer!
Mesmo confiante Calisto sentiu-se mal ao ser ameaçado por Weiss, afinal era um monstro, acreditava que dizia a verdade, não era um sujeito de fazer blefes.
Weiss segurou o queixo do menino aproximando-o de seu rosto. – Ficou com medo, não é belezinha? Eu sei que você me teme. Você é inteligente, muito inteligente, só se fosse estúpido não me temeria.
Calisto suou frio e livrou-se das garras de Weiss. – É melhor eu descer. Aproxima-se a minha hora.
– Boa sorte, meu pupilo querido.
Calisto saiu do aposento humilhado e irritadíssimo. Pensou, “Vai chegar sua hora Weiss, vai chegar sua hora!!”.
Pouco depois, uma multidão de pessoas nobres, orgulhosas, invejosas, cheias de curiosidade e cobiçosas aguardavam com ansiedade a entrada do convidado de honra. Quem seria este misterioso convidado? Sua presença fora anunciada recentemente e a grande maioria dos convidados não faziam idéia de que era esperado um convidado de honra para aquela noite.
Os membros do clero se organizavam formando um corredor humano. Levantou-se de um luxuoso assento, uma figura com vestes impressionantes. Era um senhor de idade avançada que caminhava com dificuldade, trajando pesados mantos vermelho escuros. Sumo sacerdote e Arcebispo supremo da Real Santa Igreja de Lacoresh. Ou apenas, Arcebispo Kalefap.
Um oficial, porta-voz do reino, anunciou em voz alta, – Majestade, – Dirigiu-se ao rei Mauricius distante em seu trono e voltou-se à multidão. – senhoras e senhores, permitam-me chamar para um pronunciamento especial, o sumo sacerdote e bispo supremo da Real Santa Igreja de Lacoresh, sua santidade, Arcebispo Kalefap.
O ancião aproximou-se do grande círculo onde se encontravam as quatro grandes alas do salão. Subiu três degraus de um pequeno altar móvel que acabara de ser posicionado por acólitos entusiasmados. Curvado, aproximou a mão direita do rosto, mostrando-a pela primeira vez, ossuda e enrugada. No dedo médio, usava um grande anel em forma de cúpula. Uma peça rara, sobrevivente de outras eras, de quando haviam magos poderosos especializados em criar objetos encantados.
Falou baixo, mas todos podiam ouvi-lo como se estivesse próximo. Era um velho de voz esganiçada, mas pronunciava palavras com muita calma. – Filhos do Reino de Lacoresh, herdeiros da terra de Forlon, o pai celestial, concedo-lhes bênçãos divinas! – Ergueu as mãos aos céus, e trouxe novamente o anel para perto da boca. – Nesta noite especial, na qual lembramos do dia do grande eclipse, nós, da Real Santa Igreja ficamos felizes por poder anunciar boas novas. Um presságio de que dias melhores virão. Termos entre nós, um rapaz muito especial. – Fez uma pausa olhando de um lado a outro lentamente. Todos escutavam com atenção e pareciam surpresos por estarem escutando um pronunciamento do Arcebispo Kalefap. – Muito especial. – Repetiu Kalefap com ênfase. – A partir da vinda deste rapaz ao nosso mundo iniciou-se uma investigação divina. – Sorriu e acrescentou, – E em verdade, muito rebuliço entre os estudiosos de nossa Santa Igreja. Pois este jovem nasceu, exatamente neste dia, há dezesseis primaveras. Mas o que há demais nisso? Vocês podem estar se perguntando. O que há demais nisso? Eu lhes pergunto. – Ninguém de atreveu a falar e perdurou um silêncio tenso.
– Nada? – arriscou um membro da pequena nobreza em meio à multidão.
Kalefap sorriu. – Exatamente! Nada! Muitos outros nasceram nesta mesma data, não é mesmo? Mas o nascimento desta criança em especial, foi algo importantíssimo! E surpreendente! Este menino nasceu com uma marca. Marca professada em lendas antigas e escrituras, quase perdidas. Foi o primeiro a carregar em seus olhos uma característica que hoje, todos vocês conhecem bem. O sinal do eclipse. Sim, anos antes do nascimento de tantas crianças portadoras do sinal do eclipse. Quando a nós ele veio, nascido em uma família de humildes camponeses, seu pai, assustado com a aparência de seus olhos, chamou-o de Calisto. Sentiu-se azarado, acreditava que seu filho era cego, acreditava que era aleijado. E vejam só! Quis matá-lo!! Quis matar aquele que veio a nós anunciar tempos de glória. Sim meus queridos irmãos e irmãs! A nova era dourada que está porvir. A nova era dos Deuses. Mas Leivisa iluminou o caminho de um jovem Monge Naomir que salvou o pequeno Calisto do sacrifício. Seu pai sentiu grande amargura e atingido pela ira divina, faleceu no mesmo dia.
Kalefap detinha total controle da atenção dos convidados que escutavam àquela história, maravilhados. – Justamente após a chegada do menino no mosteiro. Os estudiosos colocaram-se a estudar os antigos escritos, trocavam cartas, trocavam livros e muitas informações perdidas foram recuperadas. Por ocasião de segunda guerra dos bestiais, que sei estar na memória de todos veio a confirmação da profecia. Outras crianças com a marca do eclipse, na realidade, centenas delas vieram ao mundo. Com sabem, foram todas acolhidas como portadoras do bom sinal, e hoje, elas e seus pais recebem cuidados especiais. São o futuro de nosso, reino, e um raio de esperança que surge neste mundo. Com os filhos do eclipse do nosso lado, nosso querido reino Lacoresh irá brilhar e desempenhar papel decisivo na grande missão nos dada pelas forças divinas. Aproximar nosso mundo mais uma vez da casa celeste e torná-lo digno da presença de Forlon, Ecta, Shimitsu, Leivisa, Uraphenes, Taior e Aianaron.
Kalefap fez uma pausa e respirou fundo. – Depois de tanto lhes contar, eu tenho o prazer de chamar, o jovem Calisto, portador do sinal do eclipse!
Calisto escutara toda aquela história pela primeira vez e estava bastante confuso. Sabia que o que escutou tinha que ser mentira. Mas quanto de mentira realmente havia naquela história, e o mais importante, quanto de verdade?
Atravessou o corredor dos membros do clero sob olhares admirados. Aproximou-se do Arcebispo e ao olhar em seus olhos, de alguma maneira soube que devia ajoelhar-se diante dele. Mesmo sem entender bem o porquê. Ajoelhou-se. Kalefap colocou suas mãos sobre a cabeça dele e o abençoou.
Dirigiu-se ao centro do círculo e olhou à sua volta. Tantas pessoas, tantos olhares de admiração. Sentiu-se leve e muito bem disposto. Mal chegara e já os tinha sob seus pés. Já os possuía, poderia ser um grande monarca, um grande imperador. Concluiu que devia prestar homenagens ao Rei e sua Rainha.
As moças suspiravam com sua passagem e algumas comentavam sobre sua beleza. Com que se casaria? Já estava prometido?
Subiu alguns degraus e ajoelhou-se diante do Rei.
O Rei Mauricius, muito velho, sentava-se num trono confortável, de encosto duas vezes maior que ele. Sorria e seu sorriso era estranho e desagradável. Possuía infinitas rugas moldando suas expressões faciais e seus olhos pequenos e apertados eram oprimidos por pele mole que descia debaixo das sobrancelhas pontudas e finas de inúmeros fios brancos. Vestia uma linda coroa de ouro e diamantes, muito simétrica com doze pontas curtas. Sua roupa toda negra possuía um colarinho de azul profundo. Era magro e suas mãos velhas e manchadas tinham anéis em todos os dedos, inclusive o polegar.
Calisto encarou-o e logo o Rei percebeu sua inveja e sede de poder. De relance percebeu que a Rainha Alena o observava com interesse. Porém foi tomado por uma inexplicável timidez e não foi capaz de encará-la. Apenas fez um pequeno gesto de reverência, lembrando-se perfeitamente das lições do Sr. Lori. Sorriu ao lembrar-se do fim de seu instrutor.
Mauricius falou num tom baixo e irônico que só podia ser escutado pelas pessoas próximas. – Não fique de pé rapaz. Farei de você um nobre em instantes. Que emocionante...
O rei ficou de pé parecendo bastante saudável. Retirou um cetro dourado de sua capa escura. Apoiou sua ponta no ombro esquerdo de Calisto e disse e voz alta. – Eu Maurícius de Lacoresh, Rei e supremo soberano destas terras, confio a ti, Calisto, filho de um camponês, por intervenção divina de nossa Igreja, terras que serão tuas. Sendo um senhor de terras, cedidas por mim, deve jurar lealdade para assumir o título que lhe compete.
Sentido o coração acelerado, e adivinhando o que fazer disse. – Eu, Calisto, juro ao senhor, Rei de Lacoresh eterna lealdade.
Mauricius sorriu, mas muito sutil, o sorriso mal fora notado. – Eu o proclamo, Lorde Calisto, senhor das terras ao sul de Kamanesh e senhor das vilas de Wuri, Hemna e Situr.
Calisto ficou de pé e um oficial lhe trouxe um pergaminho enrolado. Disse, – Aqui estão demarcados os limites de sua terra, Lorde Calisto.
Mauricius fez um sinal para os músicos que tocaram imediatamente uma curta fanfarra comemorativa. Seguida da fanfarra, os músicos tocaram músicas de dança e logo muitos dançavam no salão circular. A festa tinha voltado a seu ritmo normal e o assunto era um só: Lorde Calisto.
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