CAPÍTULO 19

Risos insanos e rasteiros repetiam-se quase sem pausas. Uma criatura quase humana, de mente doentia observava a paisagem em movimento. Um filete de luz do sol iluminava sua face disforme, coberta por pequenas feridas. Adorava viajar com seu mestre e fazer-lhe todas as vontades. Porém, por vezes, sentia enorme saudade de suas catacumbas e seus carniçais.

A carruagem, puxada por quatro corcéis glabros, chacoalhava ao atravessar as infindáveis e sinuosas estradas de terra do Baronato de Fannel. Era escoltada por duas dezenas de cavaleiros de confiança do próprio Barão Fannel. O próprio seguia junto com seu filho e esposa em uma das quatro carruagens que compunham a caravana, recém formada.

Haviam deixado a capital, Liont no início daquela manhã e tinham pressa para chegar à capital do reino, Lacoresh, em quatro dias. Seguiriam por terra até Kamanesh e de barco até o destino final.

A Baronesa Lígia Fannel, estava preocupadíssima com a viagem e temia o ataque de rebeldes. Demorou um pouco a se convencer de que estariam seguros viajando na companhia de um poderoso feiticeiro cujo nome desconhecia. Reconheceu apenas a excentricidade do homem cujo nome nunca era mencionado. Além disso, não deixava o interior de sua carruagem em nenhum momento para ser visto.

E assim estava Arávner, sentado em uma confortável poltrona acolchoada levemente reclinada. Sentia sob suas mãos grandes e brancas a textura agradável do veludo escuro que envolvia o encosto de braços da poltrona. Permanecia o tempo todo de olhos bem fechados, de forma que Kurzeki, seu único acompanhante tinha dificuldades de saber se estava desperto ou dormindo.

O mestre compenetrado em varreduras mentais, que se estendiam por milhas e milhas, ignorava plenamente a presença e risadas de seu estranho e insano servo. Kurzeki, que se divertia com quase tudo que existe no mundo, interrompeu uma de suas infindáveis seqüências de risos remoídos para observar uma súbita tensão de seu mestre. Agarrarou-se aos braços da poltrona pressionando suas unhas limpas e compridas contra o tecido veludoso formando linhas tensas no mesmo. Momentos depois, ele voltou a relaxar as mãos e abriu os olhos lentamente.

– Kurzeki – disse – Faças o sinal para que o condutor pare este coche.

– Sim mestre! – vibrou Kurzeki, adorando ser útil pela primeira vez em tantas horas.

Enquanto o coche parava, Arávner puxou lentamente a cortina que cobria sua janela esquerda. A luz do sol invadiu o interior luxuoso mostrando as belas cores escuras do acabamento assim como a luxuosa roupa que vestia.

Logo, toda a caravana também estava parada imaginando o porquê da pausa. Os olhos vibrantes do misterioso homem observavam os morros e montanhas ao norte, iluminados pelo sol generoso da primavera.

– Kurzeki, trazes-me o cavaleiro de nome Edréon. Vistas tuas luvas, botas e o teu elmo para que poupes o mundo do teu horror.

O servo medonho obedeceu-lhe sorridente e desceu do coche com presteza. Enquanto Kurzeki convocava o tal cavaleiro, Arávner puxava uma cortina de seda fina e perfurada para evitar que fosse avistado pelo cavaleiro quando chegasse.

Arávner acariciava suas mãos, alisando uma contra a outra enquanto aguardava observando as montanhas ao longe. Pouco depois, apresentou-se o cavaleiro, montado em um cavalo de pelo vermelho escuro, posicionou-se próximo à janela do coche.

Arávner observou suas feições. Era um belo homem de bigodes compridos, castanhos claros, levemente avermelhados. Seus olhos curiosos tentavam identificar alguma forma do outro lado da cortina sem muito sucesso. Sobre a cabeça usava um elmo de metal lustroso e seu rosto branco era contornado por um tecido verde que tapava também o pescoço e seus ombros largos.

Falou com uma voz grave, de maneira educada, – Senhor, venho, pois requisitou minha presença.

– Sim Edréon, tu és um bravo e competente cavaleiro cuja ambição pude farejar de longe. Posso facilitar a obtenção da posição que ambicionas, mas para tal, peço-te que realizes um favor para mim.

Edréon engoliu seco ao escutar as palavras de Arávner. – Que favor poderia eu prestar a vossa excelência?

– Ao norte, existem províncias na parte montanhosa do Baronato, não é mesmo?

– Sim senhor, Durunt e Manile.

– Pois sim. Captei a presença de um perigoso e poderoso rebelde naquela direção. Alguém que não poderás dominar com o uso da força. Possivelmente, estará acompanhado de outros rebeldes vultuosos. Desejo que este rebelde que poderás reconhecer por algum tipo de marca na testa, seja capturado e entregue a mim. Quanto a seus companheiros, que sejam executados.

– Mas como poderei capturá-lo?

– Deverás contar com a ajuda de alguns de nossos agentes que dominam as artes do oculto. Procures por Clefto, um competente nigromante que atua na região. Dizei-lhe que Arávner te enviou. Mas lembra-te, agora que sabeis meu nome, para o túmulo irás se usá-lo em vão.

Edréon estremeceu e sentiu um forte calafrio nas costas. Sentindo-se coagido a aceitar a missão, foi até seu comandante comunicando-lhe a incumbência que recebera do misterioso feiticeiro. Seu comandante por sua vez, não ousou opor-se à vontade do temível bruxo sem nome.

Kurzeki entrou na carruagem retirando imediatamente o elmo de sua cabeça. – Mestre, o senhor encontrou o jovem mestre? Encontrou aquele traidorzinho ardiloso?

– Não Kurzeki.

– Mas quem? Quem mestre?

– Criatura imunda e indigna! Cala-te de uma vez! Preciso pensar...

Kurzeki calou-se e pensou, “Adoro quando o mestre fica nervoso comigo!” Não foi capaz de conter risadas guturais e arrastadas que seguiram o pensamento.

***

Após correr bastante numa pequena trilha morro acima Radishi ainda não estava plenamente cansado. Estava acostumado a correr e a grandes esforços físicos. Temia por Roubert especialmente quando avistou fumaça e sentiu o desagradável cheiro de carne humana queimada. Sua mente tremeu ao captar o sofrimento de pessoas queimando vivas e morrendo. Temia por Vekkardi e estava curioso quanto ao paradeiro do cavaleiro de armadura de brilho vermelho que Roubert lhe descrevera.

Roubert, perfeitamente camuflado, escapou-lhe da vista quando chegou ao cume do morro. Mas sentia sua presença e chamou-lhe sussurrando. – Roubert? Onde está?

O silfo moveu-se revelando sua posição a poucos passos de onde o tisamirense estava. Juntos observaram o incêndio que tomava parte da trilha adiante.

– O que houve? – quis saber Radishi.

O silfo estava apreensivo e assustado. – O cavaleiro de armadura vermelha! Desembainhou uma espada flamejante e incendiou dois dos perseguidores. Uma grande labareda lambeu os campos plantados e os outros perseguidores interromperam sua perseguição, barrados pelo fogo e fumaça. Nunca vi nada assim!

– Sim, senti morte e agonia! – disse Radishi e em sua face refletia-se uma expressão de horror.

No momento, a fumaça tomava conta de todo o cenário e não podiam ver o que ocorria com clareza.

– Nunca vi um fogo queimando assim! Imagino que quem vi há pouco pode ter sido o que chamam de Cavaleiro Vermelho.

– Ouvi falar algo sobre este. Um herói misterioso que atuou na antiga guerra contra os bestiais. Estaria vivo?

– Imagino que sim.

– Percebo que há muita tensão nesta região. Mais do que esperava ver. Temo por Vekkardi. – O Tisamirense fechou os olhos em busca de seu companheiro.

Radishi sentiu seu coração gelar. Batia forte e parecia pesado dentro de seu peito. Roubert percebendo a palidez súbita que tomou conta do rosto de seu companheiro de viagem tocou-lhe o ombro esquerdo. – Radishi, meu caro, sente-se bem?

– Estou bem. Um pouco abalado apenas. – disse o Tisamirense fatigado.

– O que houve?

– Procurava por sinais de Vekkardi e por um momento mantive minha mente aberta. Um descuido! Terrível descuido! Encontrei-me com ser maléfico chamado Arávner. Como percebi sua presença, tenho certeza de que percebeu a minha. Precisamos nos encontrar com Vekkardi e sair daqui o quanto antes. É imperativo!

– Arávner? Nunca ouvi falar. Quem é? De onde vem?

– Ele é um dos líderes do grupo de Necromantes que governam o reino de Lacoresh. Um homem poderoso e cruel com vastos poderes mentais, semelhantes aos meus.

– O que faz por aqui? Estamos perto de seu covil?

– Não. Ele possui uma fortaleza próxima às ruínas da cidade de Xilos, no ex-condado de Montgrey.

– O que estará acontecendo?

– Não sei ao certo, mas captei um bom sinal também. Pouco antes de perceber a presença vil, captei sinais de Vekkardi. Aparentemente passa bem e está na vila logo adiante.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top