CAPÍTULO 17

Calisto sentia um desconforto considerável. Começava mais um dia de sua vida, sentado à mesa luxuosamente decorada. Vestia uma roupa desconfortável e sentava-se de maneira desconfortável. Ao seu lado, seu instrutor de boas maneiras observava cada um de seus movimentos com olhos afiados. Senhor Lori, era seu nome. A paciência de Calisto estava bastante desgastada. Já suportava a presença detestável dele há mais de uma semana. Fazia força para concordar com toda aquela besteira. Vestir-se bem, portar-se bem, agir com elegância, bla bla bla!

– Não! – disse o Sr. Lori. – Na nani na não! Quantas vezes preciso repetir? – Lori era magro, falava com polidez excessiva e tinha tom de voz fino e variável. Vestia-se com uma túnica de veludo cinza com detalhes em vermelho. Seu rosto era pálido, mas na verdade ele era bastante moreno. Para disfarçar sua cor, bronzeada demais, usava pó branco no rosto. A gola de sua túnica possuía finos babados de seda branca e usava um chapéu cinza com uma rica pluma vermelha na lateral.

– Dane-se! Vou comer pão com as mãos hoje! Não estou com paciência para essas frescuras.

– Veja como fala, rapazinho! Que modos!!

– Vá cheirar estrume, seu ridículo! E me deixe em paz!

Lori irritou-se e aproximou-se do rapaz. – Veja só! Agora você superou os limites. – Com isso bateu a mão espalmada sobre a mesa, com violência delicada.

Calisto olhou-o de cima a baixo torcendo o nariz e fixou os olhos negros nos olhos castanhos claros do Sr. Lori. Antes que o mesmo pudesse perceber, ou reagir, segurou um garfo de prata com ódio e num golpe violento, atravessou a mão espalmada do Sr. Lori pregando-a na grossa tampa de madeira da mesa.

Um grito horripilante, fino e estridente ecoou nos corredores do anexo da catedral de Kamanesh.

Calisto sorriu, limpou um espirro de sangue com um guardanapo, pegou o pão com as duas mãos e deu-lhe uma mordida carregada de grande satisfação. No momento seguinte, começou a gargalhar. Divertia-se com a cena patética do instrutor pregado à mesa gemendo e gritando.

Mas a satisfação e divertimento do rapaz acabariam logo. Num instante, perdeu o contato com o solo e no momento seguinte colidia contra a parede com violência. Um tanto atordoado pode ver a mão de ossos e carne queimada apertando seu pescoço.

Lori gritava mais ainda, mas antes que pudesse continuar com seu escândalo teve a traqueia esmagada pelas mãos de Weiss. Sua vida havia chegado ao fim.

Weiss respirava forte e o chiado de ira causava calafrios em Calisto que sentia seu rosto pulsar. Posto de pé com as costas contra o grande portal de madeira, pode respirar recuperando seu fôlego. Porém, uma dor lancinante veio em seguida. Sua mão esquerda havia sido atravessada por uma faca, pregando-a contra a porta. Gemeu e antes que pudesse fazer qualquer outra coisa sentiu a mão direita sendo atravessada. Três pontas, um garfo.

Estava pregado no portão, de braços abertos, com o furioso Irmão Weiss diante de si.

– Weiss seu maldito! – xingou com os dentes cerrados.

– Seu moleque idiota! Quando vai aprender a obedecer, hein? Eu lhe ordenei!! Aprenda sobre boas maneiras com o Senhor Lori! E o que você faz? Enfia um garfo em sua mão e me obriga a matá-lo. Acha que estou de brincadeiras?!

– Não, não senhor. – respondeu-lhe o rapaz controlando sua ira.

– Pois bem! Espero que tenha aprendido tudo o que podia com ele, pois hoje mesmo você vai partir para Lacoresh.

– Lacoresh? Como assim?

– É, hoje, após o horário de almoço. Haverá uma festa no palácio real. Lá estarão todos os barões, o duque, militares etc.

– Festa? É para isso que estão me preparando? Uma festa idiota?

– Pelo menos em uma coisa você está certo, meu rapaz. É uma festa idiota mesmo!

– Qual o motivo? Qual a comemoração.

– Um aniversário.

– De quem, do Rei?

– Não seu imbecil, o seu!

– Para que... Espera. Ai! Dá para tirar esse garfo e faca das minhas mãos?

Weiss retirou sem fazer questão nenhuma de ser delicado.

– Ai seu maldito! – resmungou Calisto analisando os ferimentos nas mãos. –Que história é essa de meu aniversário? Eu mesmo não sei em que dia nasci! Nem sei quantos anos tenho! Diabos!!

– Pois então, agora está sabendo. A festa é dentro de dois dias, e você vai comemorar seus dezesseis anos. Venha até aqui e trate de mergulhar as mãos nessa bacia d’água.

A água da bacia ficou vermelha de imediato. – Está ardendo, droga!!

– Vamos fechar esses ferimentos. – Com isso Weiss apontou os dedos sobre a bacia e operou as mãos de Calisto, deixando apenas, e propositadamente, pequenas cicatrizes.

– Ei velhaco! E as cicatrizes? Tire-as também!!

– Nem pensar... Bater, furar e deixar cicatrizes é o único método pedagógico que funciona com você.

Calisto engoliu a lição. Caminhou na direção do corpo do Senhor Lori. – Ao menos não vou precisar escutar a voz irritante deste... – Retirou o garfo que mantinha o corpo preso a mesa. Com isso foi ao chão fazendo um ruído abafado. – fresco!

Weiss ficou sério, mas em seu íntimo sentia o mesmo que Calisto. Queria gargalhar, mas podia deixar isso para outra hora.

– Há quanto tempo Sr. Calisto! Já está acostumado a luz do sol, não?

– Um pouco Derek. Viajaremos novamente juntos, não é? E quando ao Barão podre, digo Dagon? – Calisto observava Derek. Estava montado, vestindo uma armadura de placas de aço polido. Brilhava contra o sol e refletia as formas ao seu redor com interessantes distorções.

– Nos reuniremos, em breve. Aguarda-nos além da vila de Wuri.

– Que notícia infeliz...

Derek achou graça nas roupas que Calisto vestia. Calça e túnicas de um azul profundo com babados brancos na gola e nas mangas. Disse sorrindo, – Vejo que está vestido como um nobre. Já ganhou algum título?

– Imperador Calisto não soa mal.

– Depende de quem escuta.

– Chega! – irritou-se o menino. – Vamos para a cidade de Lacoresh de uma vez! – Com isso montou seu cavalo acinzentado e partiu com velocidade. Derek teve certo trabalho para alcança-lo e muitas pessoas nas ruas de Kamanesh tiveram que correr abrindo espaço para o avanço selvagem que Calisto impunha sobre sua montaria.

Horas depois, encontravam-se com a figura sinistra do Barão Dagon. Puderam ver suas silhuetas e de seu grande cavalo sobrenatural contra o céu rosado que prenunciava o crepúsculo. Estavam junto a um velho moinho numa parte elevada da trilha.

– Saudações Barão Dagon! – exclamou Calisto.

– Devermos chegar a Lacoresh sem perdas de tempo. – Dagon iniciou a cavalgada e foi seguido lado a lado por Calisto e Derek..

– Verdade, Werick devemos chegar sem demora.

Seguido do silêncio do Barão, Derek disse, – Sr. Calisto, esqueceu-se do meu nome? Chamo-me Derek e não Werick!

– Derek, seu imbecil, não falava com você! Falava com o Barão Werick Dagon.

– Por que está inventado nomes para mim Sr. Calisto?

– Inventado? Quer dizer que desconhece seu próprio nome?

– Meu nome? Meu nome é Dagon! Foi assim que meu mestre me chamou.

– Quer dizer que não carrega memórias de sua vida?

– Memórias? – chiou a voz horripilante de Dagon, aproximando-se de um tom doloroso.

– Sim, seu monte de carne podre! Memórias. Suas lembranças! Não se recorda de ter sido o Barão Werick Dagon, filho do Lorde Werneer Dagon? Não se lembra de ter lutado nas guerras do pântano? E da sua participação na conquista da cidade de Griis?

– Não. De onde tira tantos nomes e acontecimentos.

– De onde mais? Livros de história! Li tudo sobre você, sua família e descendentes... E sabe o que descobri?

– O que?

– Seu mestre, o Príncipe Serin, é seu descendente direto. A oitava geração do seu sangue. Você é um servo de sua própria família.

– Certo.

– Certo? É tudo que tem a dizer sobre isso? Não vai tomar satisfações? E o respeito aos mais velhos? O respeito aos ancestrais? Se eu fosse você tomaria satisfações com o príncipe assim que o encontrasse.

– É mesmo? Por quê?

– Não escutou o que acabei de dizer? Ah... desisto!

– O príncipe é meu mestre e eu devo obedecê-lo.

– Será que não existe um pingo de vontade dentro dessa sua cabeça podre?

– Vontade? Sim. Tenho vontade de comer carne fresca e beber sangue quente.

– Entendo, agora vejo o quanto parece humano. Diria humano demais. Existem apenas duas diferenças entre você e o Derek.

– Duas?! – indagou Derek. – Deve estar brincando! Eu poderia listar cem!

– Mas são duas... O cheiro e a maneira que desejam as mulheres. Você Derek, deseja ter mulheres em seu leito, e você Dagon, deseja ter mulheres em seu estômago. De resto são quase iguais. Grandes, cavalgam grandes cavalos, carregam espadas e submetem-se a vontade de seus mestres sem questionamento.

Derek não gostou da comparação e questionou, – E o Senhor, não obedece a seu mestre?

– É claro que sim, sou-lhe totalmente fiel! – e pensou, “Por enquanto...”.

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