CAPÍTULO 13
Dia após dia, Calisto recebia novos livros. A maioria deles chatos. História, diplomacia, direitos da nobreza, direitos do clero, etc.
– Argh! Esse professor churrasco só pode ser sádico! – resmungou Calisto. –Quando vou sair deste porão maldito?
– Breve. – Veio uma resposta.
Calisto assustou-se. Com o coração disparado virou-se para encarar a figura envolta em pesados mantos. – Professor! Como?
– Posso ser sorrateiro se assim desejar. – Chiou a coisa. – Chegue mais perto, deixe-me vê-lo melhor.
Calisto obedeceu imediatamente, mas estava irado por ter sido surpreendido. O menino obedecia a seu professor inconsciente de que o fazia por temê-lo. No fundo, temia receber mais uma surra, uma fraqueza sua que desconhecia. Fraqueza que seu professor sabia explorar muito bem.
A criatura segurou o rosto de Calisto com suas mãos finas e ossudas, em carne viva. Analisou e disse, – Hmm, sua aparência não está nada boa! Olheiras, hematomas e pele branca demais. Está horrível sabia rapaz?
– Veja só quem fala! – provocou Calisto.
– Engraçado! – Empurrou o rosto do menino com força.
Ficaram em silêncio por alguns instantes ao som da respiração chiada do instrutor.
– Há quanto tempo estou preso aqui?
– Perdeu a noção do tempo menino? Engraçado! Não importa! Tenho boas notícias para você.
– Boas notícias? Mais livros?
– Não. Desta vez não. Você vai sair, precisa ficar com boa aparência. Precisa acostumar-se com o sol, precisa se preparar.
– Preparar-me? Preparar-me para o que? Por que isso tudo? Por que esses estudos?
– No momento certo. Agora, vamos conversar. – disse o instrutor destrancando a porta do quarto.
Calisto detestaria admitir, mas gostava de conversar com seu professor. Durante sua detenção tiveram muitas longas conversas. Boas conversas! Conversaram sobre coisas interessantes que nunca havia conversado com Thoudervon, nunca havia conversado com ninguém. Passou a nutrir certa admiração pelo professor e pela sua inteligência. A coisa podia ser horrenda, sádica, detestável e possuir dezenas de características nojentas. Mas, uma coisa era inegável! Era muito inteligente, e sentia que a cada conversa podia aprender muito.
– Vamos para seus novos aposentos. Conversaremos no caminho.
Calisto seguiu os passos lentos e ritmados de seu instrutor escada acima. Subiram duas dezenas de degraus e aproximaram-se de um local bem iluminado. Logo estavam nos corredores laterais da catedral de Kamanesh. Os passos do professor ecoavam enquanto passavam por baixo de largas colunas que subiam muito alto. O sol penetrava o corredor através de vitrais coloridos e de portais que davam para um jardim interno muito bem cuidado. De fora, podiam escutar o canto de pássaros e sons do vento.
A coisa assumira uma postura corcunda e vestira luvas grossas para esconder suas mãos e o capuz folgado cobrindo o rosto. Precisava ocultar-se.
Acólitos e sacerdotes passavam e cumprimentavam o velho monge.
– Bom dia, Irmão Weiss. – disse um rapaz vestido de branco.
O velho monge respondeu. E Calisto sorriu ao seu lado. – Então, este é o seu nome!
– Sim, e então?
– Não entendo, para que todo o mistério professor?
– Às vezes, gosto de fazer coisas sem sentido.
– Você é louco!
– Não somos todos loucos? Vamos pelo jardim.
– E o sol?
– Você vai se habituar. Seus olhos são um pouco mais sensíveis à luz, mas não impedem que lide com ela normalmente. É apenas uma questão de hábito. Assim como os olhos dos Albinos.
– Só fala assim porque os olhos não são seus, velhote!
– Mais respeito rapaz! – ameaçou Weiss erguendo seu bastão.
Calisto engoliu seco apertou os olhos e caminhou para o jardim. Era belíssimo e estava muito florido, com flores amarelas, vermelhas, violetas, brancas e rosadas. Plantas exóticas de folhas verdes, azuis e púrpuras, muitos formatos de folhas, muitos formatos de caule. Havia borboletas e pássaros da primavera cantando intensamente.
– Albinos? Você disse albinos, agora há pouco. É isso que sou?”
– Não! Albinos são pessoas muito brancas, com olhos claros e cabelos sem cor. Nascem com este problema, sendo suscetíveis à luz solar. Você? Poderíamos dizer que é um tipo de Albino, mas ao invés de problemas, você tem aperfeiçoamentos.
– Sou todo especial, não é mesmo?
– É sim. Mas como já disse, não é indispensável.
– E quanto a Thoudervon? Poderei vê-lo novamente?
– Sim, e em breve, sempre que quiser.
– Por que nunca conversamos a respeito de Thoudervon?
– Não é bom que conversemos a seu respeito. Nem mesmo é bom que falemos seu nome demais, pronunciar seu nome em vão pode ser muito ruim.
– É mesmo? Desta eu não sabia. Thoudervon, Thoudervon, Thoudervon. – debochou Calisto.
– Escute aqui menino mimado! – irritou-se Weiss deixando sua voz soar como um sopro. – Estou falando sério! Eu, você e os outros que você ainda conhecerá, somos humanos, somos seres relativamente normais, relativamente inofensivos. Já ELE! Ele é um ser que não pertence a nossa esfera, é poderoso demais, é perigoso demais.
– Quer dizer que você o teme!? Já não acredito que você possa me matar! Eu sou seu protegido, sendo assim ninguém pode me machucar.
Weiss irritou-se agarrou a garganta do menino causando-lhe asfixia. – Acredite nisso e vai se dar mal menino. – Soltou a garganta e completou. – Muito mal. Nós não tememos Thoudervon além do limite do aceitável. Podemos lidar com ele se preciso. Mas este não é o caso, pois somos aliados e não inimigos. E tenho como certeza que nossa aliança é mais importante que sua vida, muito mais. Afinal, podemos ter outros como você, se quisermos.
Calisto pôs as mãos em sua garganta e mal podia acreditar na força e agilidade que seu professor possuía. Com isso seu ódio por ele voltava a ser alimentado. Havia algo que não saía de sua cabeça. Um dia, teria sua vingança, um dia mostraria ao seu professor quem era o sujeito mais poderoso do pedaço. Esse dia não podia estar longe. Sem sentir-se preparado para um confronto, abaixou a cabeça e disse. – Como quiser professor. Faço tudo que o senhor mandar.
Finalmente chegaram a um grande portão de madeira. Lá aguardavam dois sacerdotes da Real Santa Igreja.
– Este é o rapaz de que lhes havia falado. Quero que esteja bonito e apresentável em quatro dias. – ordenou o velho monge.
– Sim senhor. – respondeu um dos jovens.
– Vá com eles rapaz. Eles irão tratar seus ferimentos e mostrar-lhe-ão seus novos aposentos.
Com isso Calisto se separou mais uma vez de seu professor. Agora sabia seu nome e odiava-o ainda mais. Porém, aos poucos, seu ódio cedeu espaço para muitos questionamentos que surgiam em sua mente. Por que Thoudervon havia se aliado a Weiss e esses outros que ainda não conhecia? Por que era tão especial? Por quem poderia ser substituído? Qual seria seu papel naquilo tudo? Para o que estavam o preparando? Por que seus olhos eram totalmente negros? O que Weiss queria comparando-o com uma espécie de albino aperfeiçoado?
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