CAPÍTULO 11
Verkkardi pensava em seu irmão, mas tentava com todas as suas forças evitar aqueles pensamentos. Tinha consciência de como aquilo tudo o afetava de maneira negativa. Era um ciclo vicioso que trazia pensamentos de ódio e de vingança. Mas como vingar-se? Se pudesse transformar tudo em um problema pessoal, ficaria bem mais fácil. Mas, esse não era o caso. Na verdade, teria de lutar contra uma organização poderosíssima, a seita dos necromantes. Sabia que era impossível para um só homem derrotar os necromantes, principalmente porque controlavam, dos bastidores, todo o reino de Lacoresh. Eram todos poderosos e poucos sabiam suas identidades. Ele mesmo, um dos poucos em todo o reino que sabiam da existência dos necromantes, conhecia apenas alguns nomes e reconheceria um número ainda menor.
Pensar nisso tudo o deixava frustrado e impotente. O que fazer? Cruzar os braços e esperar que os enviados de seu mestre retornassem de uma busca que poderia demorar mais de um ano para ser cumprida? Não. Tinha de fazer alguma coisa, mesmo que pudesse morrer, morreria combatendo os malditos! Assassinos! Aqueles que faziam seu irmão e muitos outros sofrerem. Sozinho nada podia, e foi por isso que iniciou sua jornada. Estava a procura dos bravos que resistiam aos necromantes, aqueles que eram chamados de rebeldes.
Visando temperar seus sentimentos escolhera o caminho mais difícil para chegar às fronteiras de Lacoresh. O esforço e a concentração necessária para descer as faces íngremes dos rochedos da cordilheira de Thai deixavam-no ocupado o bastante. Conseguia, por vezes, limpar sua mente dos maus pensamentos.
Ao final do terceiro dia, chegava à parte mais baixa da cordilheira. Não conhecia bem a região, mas sabia que, por ali, haveria pequenas vilas e possivelmente cidades. Estava na região norte do reino de Lacoresh, a região dos baronatos. Havia cinco barões em Lacoresh, de memória recordou-se do sobre nome de três deles: Fannel, Bandeish e Whiteleaf. Os baronatos tinham extensões territoriais reduzidas se comparadas ao Ducado de Kamanesh e o Condado de Montgrey. Montgrey fora declarado como perdido e era atualmente território controlado pelos Bestiais. Os malditos necromantes eram espertos, tinham uma enorme região na qual podiam reunir forças, formar bases e prosperar sem o conhecimento geral do povo de Lacoresh. Acreditava que se preparavam para tomar Lacoresh à força com seus exércitos de não mortos, mas na opinião de seu mestre, Modevarsh, reuniam forças para outros fins, provavelmente a conquista de outras terras, outros reinos. Prova disso, dizia Modevash, era o reino vizinho, Homenase cujos dirigentes já haviam sucumbido ao controle dos necromantes.
A noite caía e durante o crepúsculo, Vekkardi sentiu-se extremamente só. Novamente pensou em seu irmão. Lembrou-se de como era corajoso, como era idealista. Lembrou-se da sua infância e chorou. Durante a noite, seria assombrado por terríveis pesadelos.
***
Radishi estava bastante cansado. Seu físico havia mudado drasticamente desde que deixara Tisamir, sua amada cidade natal. Roubert, o silfo que o acompanhava, era um sujeito muito quieto, além de não falar quase nunca, raramente produzia ruídos. Era extremamente cuidadoso com seus passos, algo que chamou a atenção de Radishi desde quando se encontraram dias atrás.
Roubert e os Silfos Anciãos viviam a meses em um acampamento nas montanhas ao norte de Shind, foram forçados a fugir e perseguidos pelos enviados malignos de Rodevarsh, irmão de Modevarsh.
Com o silêncio de Roubert, Radishi mergulhou em seus pensamentos durante todo o dia de caminhada. Há pouco, lembrava-se de Noran, seu grande amigo Noran. De certa maneira, estava ali por sua causa. Com perfeição lembrou-se daquela noite na qual foi acordado por Al’ne’ir, chefe do conselho do Ermirak. Seus pensamentos chegaram de forma serena convocando-o para ir de encontro a Noran.
Não se encontrava com Noran há muitos meses, desde que acompanhara os jovens vindos da cidade de Kamanesh rumo à floresta de Shind. A idéia de revê-lo deu-lhe uma boa carga de ânimo.
“Cuidado, jovem Radishi.” preveniram os pensamentos de Al’ne’ir. “Noran encontra-se envolto em energias negativas e sua essência está corrompida, de forma que já não pode entrar em nossa cidade.”
Sem deixar sua cama estendeu seus pensamentos para encontrar um Noran bastante perturbado fora dos limites de Tisamir. Nesta ocasião, decidindo ajudar seu amigo com um plano arriscado, selou seu destino. Depois de algumas semanas, deixava Tisamir para ir à busca dos companheiros de Noran. Desde então não criou coragem para retornar a sua cidade natal. Temia que sua essência estivesse corrompida e que sua entrada na cidade oculta fosse negada pelo conselho. Havendo muito que fazer, cada vez parecia mais distante uma volta a Tisamir. Estava agindo, havia encontrado Modevarsh e com ele aprendia muitas coisas, coisas ignoradas por seus irmãos de Tisamir, a cidade oculta, e como pensava recentemente, a cidade omissa.
E ali estava ele, coberto pelo suor, com os músculos desenvolvidos, sentindo seu corpo vigoroso e pela primeira vez, sentia um equilíbrio entre mente e corpo. Em todo seu aprendizado, ao contrário de seu amigo Noran, nunca contou com a atenção exclusiva de um grande mestre como Kivion. Estudou sobre a tutela de diferentes mestres do Ermirak, sentia que com isso, possuía maior confiança em si mesmo, mais do que poderia ter se sua referência permanente fosse alguém de tamanha elevação como Kivion.
Pensou e pensou, todo o dia. Em certas ocasiões, esqueceu-se até de que viajava acompanhado do robusto e silencioso silfo. Com a chegada do crepúsculo, Roubert, pouco a sua frente, fez-se ouvir.
– Diga-me tisamirense, consegue perceber a presença do discípulo de Modevarsh? – veio a voz vigorosa do silfo.
Radishi olhou morro abaixo em busca de respostas. Enquanto meditava silenciosamente, Roubert observava o rapaz humano. Possuía um nariz arredondado, pele bronzeada, usava cavanhaque curto e possuía cabelos negros, levemente encaracolados e, no momento, despenteados. Vestia-se com um simples conjunto de calça e camisa de pano amarelado sem mangas, deixando seus braços expostos. Nos pés, sandálias, nas costas uma mochila.
O silfo mal podia compreender as faculdades mentais que Radishi possuía, pensava em Lourish, Lalith e Modevarsh e nos grandes dons mágicos que possuíam. E quanto a ele? Qual seria seu valor nesses tempos conturbados não possuindo nenhum dom especial?
– Roubert, acredito que não esteja muito longe. Se fosse prudente, faria um contato.
– Então você não sabe?
– Não é isso, é difícil perceber a mente de alguém como Vekkardi. Eu duvido que conseguiria se não fossem as ondas de dor e pesar que emite as vezes por causa de seu irmão.
– Irmão?
– Sim, um pobre coitado. Não o conheci quando vivo.
Roubert ergueu as sobrancelhas num gesto de compreensão.
– Apesar do estado de seu irmão, Vekkardi acredita que pode ajudá-lo. disse Radishi pesaroso.
– Como alguém pode ajudar um morto?
– Aí está o problema. Rikkardi não está exatamente morto.
– Como assim?
– Sua alma está afastada de seu corpo e seu corpo está animado por magias malignas, anda devido às energias cedidas pelos necromantes.
Roubert torceu a cara e virou o rosto. Estremeceu e confessou: – Isso me dá arrepios!
Radishi observou à sua volta e percebeu que ali seria um bom local para passarem a noite. Encarou o silfo lhe observando os traços finos. Fios do cavanhaque alinhados e penteados de uma forma que seria impossível para um ser humano. Não havia irregularidades, como se fossem desenhados. Suas orelhas pontudas e lateralmente protuberantes eram seu traço marcante. Vestia uma roupagem grossa, cinza esverdeada que parecia ser acolchoada. No entanto, sabia que aquelas costuras em relevo escondiam uma malha de placas de metal sobrepostas como escamas, losangos de metal. Atravessando seu peito a grossa corda do Arco que repousava sobre suas costas. Formando um xis com a corda, uma tira de couro que prendia a bolsa do mesmo material escuro ao lado de seu quadril. Suas botas de pele pareciam macias e confortáveis, diferentemente das sandalhas de couro do Tisamirense.
– Vamos ficar por aqui. – decidiu Radishi.
– Muito bem.
Mais tarde, Roubert foi hábil em produzir centelhas para uma fogueira na qual assariam raízes. Não era prudente usar água para cozinhar alimentos naquelas bandas, correriam o risco de ficar sem, precisaram economizar.
Era noite e a lenha úmida produzia grandes estalos. Radishi e Roubert estavam sentados ao lado da fogueira esperando as raízes ficar no ponto.
– Sabe Roubert. – disse Radishi – sinto que temos muito em comum.
– É mesmo? Eu não! Não vejo o que podemos ter em comum. Eu sou um silfo, você um humano. Possui faculdades especiais, eu nenhuma. Viemos de lugares diferentes e conhecemos poucas pessoas em comum. O que o faz pensar que temos algo em comum? – Roubert apesar da aparência esguia e fina não possuía os mais finos tratos característicos dos silfos ao falar.
– Bem, vou contar-lhe sobre minha atual situação. Vamos viajar juntos, talvez precisemos lutar juntos. Acho que devemos nos conhecer melhor. Como sabe, venho de Tisamir, a cidade oculta. Tisamir é uma cidade muito linda, além do mais, é meu lar. De lá sinto muita falta, e para lá não posso voltar.
– Não pode voltar, por quê?
– Acredito que fiquei em contato com os homens de Lacoresh e seus conflitos por muito tempo. Vi o mesmo acontecer com meu amigo Noran, foi proibido de voltar a Tisamir.
– Por que, o que fizeram de errado? Não podem condená-los apenas por ficar fora da cidade, por conviver com outros homens.
– Não? Pois é o que acontece. Minha presença lá, possuindo as faculdades que tenho, causariam grandes distúrbios ao harmonioso fluxo do Jii que circunda a cidade.
– Jii? Do que você está falando?
– Em outras palavras, pode imaginar que para eles é como seu eu estivesse, doente, corrompido pelo mal.
– E isso é verdade? Então porque o ancestral o chama de bom Radishi?
– Deve ser pelo fato de meus pensamentos estarem quase sempre sintonizados com os bons propósitos. O que eu quero dizer na verdade, é que sair de minha cidade, deu-me uma visão de meu povo que nunca poderia alcançar lá estando. Hoje vejo que em todo seu poder, em toda sua glória, toda sua paz, o povo de Tisamir talvez não seja melhor ou pior que o povo de Lacoresh. De que adianta tanto conhecimento, tantos poderes se não podem ser aplicados fora das fronteiras de nossa cidade? Com o isolamento, fica mais fácil ser bom e harmonioso. Afinal, o que pode perturbar a paz quando todo o mal é expelido da cidade?
– Compreendo bem isso. Sempre foi assim em Shind. Percebi como as coisas eram no lado de fora quando tive pequena participação como escolta na guerra contra os bestiais, vinte e poucos invernos atrás.
– Então não é a primeira vez que você deixou Shind. Mas depois da guerra voltou, não é mesmo?
– Sim. Você sente saudades de sua casa, não é mesmo Radishi?
– Sim. E você, como se sente em relação a Shind?
– Agora entendo o que queria dizer, caro Radishi. Sinto que não posso retornar ao meu lar, assim como você. Desculpe minhas maneiras. Acho que estou angustiado com tudo o que vem acontecendo. Perder meu lar... o jeito que Lourish me tratou. Percebo que não há muito o que fazer, não há como combater todo esse mal que se espalha nesta região. Especialmente alguém como eu, sem nenhum talento em especial, um simples escolta, um brutamontes sem educação que vive faltando com a polidez.
– Também não é assim Roubert. Você está se subestimando. Tenho certeza que possui grandes talentos, só não quer prestar atenção neles.
– Grandes talentos... – ironizou Roubert.
– É verdade! Por exemplo: nunca vi alguém conseguir ser tão silencioso como você. Desloca-se de forma semelhante a um espectro!
– Isso? Não é nada! Apenas treinamento como batedor, treinamento como caçador. Qualquer silfo pode fazê-lo!
– Entendi. Não vai ser hoje que vou convencê-lo de seus valores. Vamos descansar, amanhã teremos um dia cheio.
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