CAPÍTULO 1
– Venha criança... É chegada a hora. – chamou uma voz inumana. Qualquer pessoa que escutasse esse chamado sentiria os mais terríveis calafrios. Pois era uma voz profunda e tenebrosa. Mas essa voz não assustava este jovem. Para este menino de feições plácidas, pele lisa e muito branca, a grande maioria dos chamados das trevas soariam como música. Era um rapaz enigmático que viveu a vida toda longe do mundo. Longe das luzes, confinado em seu aposento luxuoso que jazia no interior de uma cripta, profunda, antiga e sinuosa. Era inteligente e curioso, mas também paciente. Possuía maturidade intelectual auspiciosa que a grande maioria dos homens jamais alcançaria. Era vaidoso, talvez porque o único traço de beleza que tenha visto em toda sua vida, tenha sido a de seu próprio rosto. Olhou-se no espelho perfeitamente polido, admirando sua face iluminada por velas, sempre velas. O jovem de pele alva nunca havia visto o sol em toda sua vida. Penteou seus cabelos pretos bem lisos que se negavam a obedecer-lhe. Caiam sobre a face, e, repetidamente, o jovem puxava as mechas com as pontas dos dedos prendendo-as atrás da orelha.
Por longo período o menino olhou-se no espelho fixando o olhar em seus próprios olhos. E lá nada encontrava. Tinha belos olhos amendoados, porém seu olhar era enigmático e assustador. Eram olhos negros, completamente negros. Sem o derredor branco. Observando-os com mais cuidado era possível distinguir pequenas variações tonais que definiam sua íris e pupila. Mas se observado rapidamente, seria apenas um vazio negro e aterrorizador.
Estranhos passos puderam ser ouvidos aproximando-se, até parar atrás da porta do cômodo escuro que estava trancado por dentro.
– Venha criança... Sem mais demoras desta vez. É tempo de fazer o que tanto deseja, conhecer o mundo lá fora. – veio a estranha voz, mais próxima e mais atemorizante.
“Seria possível?” pensou o jovem. “O mundo? Finalmente conhecerei o mundo?” Sorriu para mostrar dentes brancos e limpos, em perfeito alinhamento.
O jovem não sabia, nem mesmo imaginava que seu destino era ser um dos sete arautos da grande eclosão.
Vestia um confortável manto de veludo azul profundo costurado especialmente para ele. Assim como suas roupas, todo o resto que estava ao seu redor havia sido feito especialmente para ele. Era um predestinado, muitas vezes o chamavam de prematuro, ou primogênito.
Andou em direção a porta de madeira escura, girou a chave de metal enegrecido e abriu a porta. Fora do seu luxuoso aposento havia um largo corredor iluminado por dezenas de tochas afixadas em pontos eqüidistantes a meia altura das paredes.
Lá fora se encontrou com a fonte da voz inumana que o chamara por duas vezes. Um esqueleto humano limpo, vestindo um manto avermelhado e empoeirado do qual se podia ver o crânio e as mãos apenas. Sobre a cabeça um elmo antigo, de formato bastante diverso do que se via no reino de Lacoresh. Neste haviam dois pequenos chifres incrustados acima das têmporas. O esqueleto estava imóvel a não ser por um detalhe: A mandíbula que movia-se em círculos da esquerda para direita.
– Quando irei, e para onde, poderoso Thoudervon? – inquiriu o menino tentando demonstrar pouca excitação.
– Paciência Calisto. E por obséquio, sem bajulações! – alertou o esqueleto educadamente. Para falar articulava a mandíbula, mas não era realmente necessário, fazia isso apenas com o intuito deser mais interativo.
– Muito bem, Thoudervon. – cedeu Calisto, mas sabia que no fundo, seu tutor até gostava de ser bajulado, apenas não admitia essa fraqueza.
Thoudervon virou-se, e sua movimentação passava longe da maneira dos seres vivos. Tinha movimentos bruscos seguidos de outros estranhamente suaves. Seus ossos produziam ruídos arrastados e estalos enquanto se movia, e, com muita freqüência, estalava os dedos das mãos ou produzia sons semelhantes aos de chocalhos quando batia os dentes uns contra os outros em velocidade incrível.
– Vamos, jovem Calisto, agora você vai conhecer seus acompanhantes na viagem que fará até a cidade humana de Kamanesh. – anunciou o ser ancestral.
Subiram escadas espiraladas chegando até uma porta de madeira que se abriu sozinha. Uma brisa fria entrou fazendo com que as tochas do recinto cintilassem. A brisa carregava consigo fortes cheiros azedos e de podridão. Saíram, era noite e havia poucos pontos de iluminação do lado de fora. Estavam ao pé de uma torre e logo à frente da entrada haviam duas figuras enormes montadas em cavalos. Calisto teve dificuldade de identificar as figuras, mas logo percebeu que uma delas, assim com sua montaria não pertenciam mais ao reino dos vivos. Estava morto, assim como Thoudervon e permanecia perfeitamente imóvel. A única coisa que se movia era a capa esburacada presa à armadura de grandes proporções.
Quanto ao outro percebeu que se tratava de um ser humano de altura exagerada e traços faciais idióticos.
Thoudervon disse, – Esses são o Cavaleiro Derek e o Barão Dagon.
Calisto analisou os que estavam diante de si. Através das faculdades latentes que sua mente exercitava, percebeu a pobreza de espírito de Derek e teve dificuldades de perceber alguma emanação vinda do Barão Dagon. Deste último, sentiu apenas um forte odor de podridão, forte o suficiente para provocar náuseas.
O menino torceu a face e afastou-se do Morto com título de nobreza.
– Vocês levarão o menino até Kamanesh, e o defenderão com suas vidas, entendido? – ordenou Thoudervon.
– Sim, Thoudervon – respondeu o Barão Dagon revelando uma grave voz horripilante e chiada. Mesmo acostumado com a fala de Thoudervon, Calisto sentiu um calafrio ao escutar a voz do morto-vivo. Ainda levaria algum tempo até que se habituasse com as características especialmente nojentas e assustadoras do Barão Dagon.
– Sim Senhor! – respondeu Derek como se falasse com um superior militar.
Mais próximo de Derek, Calisto foi capaz de lhe analisar as feições com mais cuidado. Era um rapaz ainda jovem, bastante alto e extremamente forte. Seus músculos possuíam definição comparável a esculturas idealizadas. Seus cabelos loiros e encaracolados desciam até a altura dos ombros. Vestia uma amadura de placas que cobria apenas o peito, as costas ombros e parte das pernas.
– Como devo ir, Thoudervon? – quis saber o jovem, – a pé?
– Não, irá a cavalo.
– Mas como? Eu nunca montei antes? Não sei como – replicou o rapaz de olhos negros, intrigado.
– Use a força de sua mente. Penetre na mente do Cavaleiro, aprenda com suas experiências – explicou Thoudervon.
Calisto decidiu tentar. Com facilidade estabeleceu contato com a mente de Derek, uma mente simples. Percebeu que o Cavaleiro tinha forte ligação com a comida e comer era uma de suas atividades favoritas. Procurou as experiências de Derek relacionadas às cavalgadas. Procurou absorver um pouco do que se faz em teoria para controlar e conduzir um cavalo. Após alguns instantes desligou-se e sentiu que estava pronto para tentar. Outros subordinados de Thoudervon trouxeram um cavalo pronto para ser montado. Calisto tomou o animal e deu uma volta. Sentiu-se imediatamente confortável com o animal e declarou: – Estou pronto para ir!
– Ótimo – disse Thoudervon friamente. – Chegando em Kamanesh, conduza-o até a catedral. Já estão esperando por ele. – instruiu a criatura ao Cavaleiro Derek.
– Sim, Senhor!
Era o início da noite, e os três estranhos puseram-se a cavalgar para fora da cidade em que estavam. Pelas ruas marchavam dezenas de zumbis e esqueletos ocupados em diversos afazeres. Era uma cidade que estava sendo construída dia e noite sobre as ruínas de outra cidade, recentemente devastada. Os que a conheciam, chamavam-na de Necrópole, a cidade dos mortos.
Calisto e Derek respiravam aliviados por terem deixado a cidade e seus terríveis odores. Ambos mantinham certo afastamento do Barão Dagon, distância imposta por suas próprias montarias. Cavalgavam com calma, noite adentro. Seguiam uma trilha tomada por vegetação rasteira. Pouco tempo atrás, era uma estrada, mas devido ao desuso foi invadida pelas plantas. Decorrido muito tempo de cavalgada, não surgia assunto entre os três.
Calisto, curioso queria saber mais sobre Dagon. – Diga-me Barão Dagon, você é um Barão de um rei dos vivos ou de um rei dos mortos?
– Chamam-me de Barão Dagon, pois era assim que eu era conhecido quando vivo – respondeu a criatura fétida.
– Entendo. E quando deixou os vivos, posso saber? – indagou Calisto.
– Pelo que sei há muitas gerações. Entretanto, fui chamado de volta da minha cripta apenas recentemente, – explicou Dagon com sua grave voz aterradora.
– Thoudervon o chamou, de certo, – adivinhou o menino.
– Não, quem me trouxe de volta a este mundo foi meu mestre.
– E quem é seu mestre, posso saber Barão?
– É o filho do rei de Lacoresh, o príncipe Serin.
– Principe Serin, entendo. Um hábil necromante. Imagino.
– De certo.
– Ao que parece o dia se aproxima, constatou o rapaz.
– Sim – respondeu Derek.
– O sol não lhe é prejudicial? – indagou Calisto a Dagon.
– Não, de forma alguma. Sou influenciado apenas pela lua em que fui chamado.
– Como assim?
– Quando ela está cheia e potente nos céus, sinto minhas forças em sua plenitude. No seu extremo oposto, sinto-me um tanto quanto enfraquecido.
– Você sempre conta tudo a seu respeito assim?
Dagon retrucou confuso: – O que quer dizer?
– Sua origem, fraquezas e etc para o primeiro que pergunta?
– Não tenho motivos para esconder nada de vocês. São aliados de meu mestre, e assim, meus aliados. E além do mais, não mantenho conversação com aqueles que não são aliados de meu mestre. Os outros que eventualmente cruzam o meu caminho, morrem.
O garoto pensou: “Que interessante!”
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