09: Situações que nos limitam
Minha avó finalmente estará de volta à casa hoje.
Baixei as guardas e tomei a inciativa de ajudar a minha mãe na cozinha sem necessidade alguma de brigar ou jogar indiretas inconvenientes, então juntas preparamos o jantar para receber vovó Yame daqui a meia hora. Meus pais decidiram que seria bom convidar a família de Yudis tanto como a da Zilena para fazerem parte da noite, embora eu sou um pouco contra a ideia por meus próprios motivos, preferi deixar tudo quieto considerando que não estou num dos meus melhores dias.
Logo, só falei o essencial com a minha progenitora durante o processo todo que partilhamos a cozinha enquanto metade de mim estava em Suaān e em como acabei me sentindo culpada pela nossa tentativa de mais cedo não ter dado certo. Coisa a qual ainda não me conformo mesmo que eu não saiba bem o que fazer para resolver essa situação toda.
Não demorou muito até tia Banu e Yudis adentrarem a cozinha com uma travessa recheada de revani para a sobremesa, algo que talvez me fizesse feliz esta noite para além de receber minha avó. Entretanto não parei de pensar que elas terem vindo era indício de que Gāni também veio. Assim como quando Zilena e seus pais chegassem, Aslan, seu irmão, também estaria compartilhando a mesma mesa que a minha.
Cada segundo que passa eu pareço ficar tensa, tanto que não noto quando as mais velhas se retiram e vão se juntar aos garotos que pelo que entendi, estavam se entretendo com um jogo de baralhos.
Estou tentando me concentrar em não deixar a lasanha queimar ou então em não perder nenhuma das coisas que Yudis está me contando desde que se sentou ao meu lado na mesa.
— (...) bom, em resumo, meu dia foi cansativo. Para além de ter lidado com um estilista estressado, ainda tive de convencer uma garota do clube de moda que não precisa agredir outras garotas pelo namorado ter terminado com ela.
— Como você consegue lidar com tudo isso? Não consigo ter essa paciência toda.
Ela sorri deixando o celular de lado.
— Eu pratico meditação, e ajuda bastante. Se você tentasse...
— Nem pensar. — declaro de imediato, e quando tento sorrir, é mais uma careta que um sorriso.
Yudis dá uma risada descansando as mãos em cima da mesa, me incentivando a sorrir também.
— Falei muito sobre mim, agora me diga: como foi o seu dia?
Acho que é nesse momento que a vontade de sorrir se vai. Porque me lembro de tudo que aconteceu desde mais cedo no ônibus até a minha volta à casa e detesto que isso não vai deixar de me atormentar também.
Eu quero responder: foi péssimo.
Mas digo:
— Foi normal. — Porque me incomoda falar disso com outras pessoas, embora eu confie muito em Yudis. Soaria... estranho. E não quero sobrecarregá-la com os meus problemas uma vez que ela já tem os seus.
A manga da camiseta de Yudis baixa um pouco quando ela dobra o braço e o apoia sobre o cotovelo na borda da mesa antes de descansar a bochecha na mão, de modo que seu pulso fica exposto e eu consigo ver a marca roxa deixada ali.
Eu fico curiosa.
Não costumo ver coisas assim nela, e me preocupa que algo ruim possa ter acontecido.
— Quem fez isso? — Eu me atrevo a tocar com a ponta dos dedos a mancha, fazendo com que ela volte a ficar ereta e encare o local.
— Um idiota no estúdio. Acho que é um funcionário dois anos mais velho que a gente. — Ela explica fitando a marca, inexpressivamente. Mas parece não se incomodar em estar me contando isso. — Bom, eu estava saindo quando ele me fez um convite para tomar café na outra rua. Em qualquer outra ocasião eu iria se estivesse disponível, porque faço isso regularmente com os outros, mas foi só eu ter dito um não para entender que ele não merece essa oportunidade.
Yudis volta a me encarar e acho que estou me sentindo mal porque agora tenho noção do que ela pensa sobre esses assuntos.
No entanto não consigo me compreender. Se para ela é fácil falar disso comigo, por que é tão difícil para mim falar com a minha melhor amiga sobre coisas do tipo?
— Você está bem? — Eu Indago preocupada. — A tia Banu sabe?
Yudis sorri de um modo que me tranquiliza.
— Estou, e sim, ela sabe e me ajudou a falar sobre isso com o meu chefe.
Eu fico feliz por ela, e teria dito isso se o novo crush dela, vulgo Querin, não tivesse interferido e pedido para dar uma palavrinha com a minha amiga.
— Não vem, Igith? — Ela pergunta para mim conforme afasta a cadeira para trás.
Eu aponto para o forno no mesmo instante e digo:
— Estou cuidando de outra coisa.
Minha amiga revira os olhos, beija minha bochecha e segue Querin para onde quer que seja.
No minuto seguinte eu decido ser um pouco responsável e colocar os pratos e copos na mesa enquanto a lasanha está quase no ponto.
Minha única vontade é ver a minha avó e voltar para o quarto o quanto antes. Sinto que hoje não terei uma boa noite de sono — o que é bem comum —, entretanto me deitar já seria alguma coisa para mim.
— Minha querida e doce, Igith. — Essas voz me faz paralisar, firmar os talheres em minhas mãos antes que eu me vire pelos calcanhares e encare Aslan entrando deliberadamente na cozinha, o sorriso prepotente que eu tanto desprezo desenhado em seus lábios.
— Eu não sou sua querida. — Eu falo baixo, porém tento ser o mais fria possível, embora não estou olhando diretamente em seus olhos castanhos intimidantes.
Aslan é o irmão mais velho de Zilena, outra vizinha a duas casas depois da nossa. Seus pais são os colegas do meu na construtora e apesar de não ter nada contra eles, prefiro que não venham até aqui porque isso significa que este garoto também virá. Assim como faço de tudo para evitar ir à casa deles quando os meus pais decidem jantar com os mesmos.
— Uau, você não muda. Sempre agressiva. — Não gosto de estar compartilhando o mesmo espaço que ele. Nem que ele esteja passando por mim agora para abrir a geladeira como se a casa fosse dele.
Quero muito que ele vá embora porque não gosto nem um pouco de Aslan. Mas eu finjo tão bem que sua presença não me incomoda que consigo terminar de arrumar a mesa inteira com o peso de seus olhos em mim.
Embora minha irritação aumente quando ele vem parar bem do meu lado no momento que estou tirando a lasanha do forno.
— Como vai a vida, Igith? — Eu largo a travessa no balcão e por fim fito seus olhos inexpressivos me encarando de volta.
— Se eu jogasse essa lasanha quente na sua cara de pau agora mesmo, você entenderia o meu estado de espírito nos últimos dias?
Aslan da uma risada estrondosa, me frustrando ainda mais de modo que eu desisto de ficar sufocada nesse espaço e me volto para a porta, não crendo que Ur está parado ali nos encarando.
— Aconteceu alguma coisa? — Ele indaga calmamente, e nossa, só agora que ele aparece?
Eu reviro os meus olhos antes de os deixar sozinhos ali.
Desisto da paz hoje.
[...]
Não demora muito até meu pai entrar de apoio da minha avó pela porta principal.
A mais velha resmunga que está bem a tempo inteiro, o que faz os outros rirem. Eu apenas sorrio e também a recepciono com um breve abraço.
Alguns minutos depois dela ter se trocado, dado uma vista de olhos na Bursüm e estado confortada, todos ocupamos lugares à mesa e acompanhamos vovó Yame na oração antes que refeição começasse de fato.
Agora, o que mais ouço para além das conversas alheias, é o som dos talheres batendo contra os pratos a medida que as pessoas vão comendo enquanto eu me concentro em mexer na minha comida a ver se a fome ainda vem.
Estou dispersa em meus pensamentos. Como se meu corpo estivesse aqui com todos eles, meus sentidos ativados, mas minha mente estivesse noutro planeta.
Algo assim que me ocorre de vez em quando. Principalmente nos dias que tento não pensar em tudo que não estou conseguindo esquecer.
— Igith?
É a primeira vez que alguém chama meu nome desde que estamos compartilhando a refeição. Não sei exatamente quem é, então somente aceno com a cabeça e quando me dou conta, todo mundo está olhando para mim como se eu tivesse feito alguma coisa. Até mesmo Querin do outro lado da mesa.
— Sim? — Por fim, sei quem estava me chamando. É Ur sentado na minha diagonal, uma cadeira depois da Yudis.
— Está muito lunática hoje, hein. — Sibila ele num tom suave. Acho estranho que ele não me provoque ou algo assim, entretanto desvio a atenção dele para minha amiga agora.
— Aslan perguntou se você não quer ir à piscina com a gente neste sábado. — Yudis explica antes de tomar um gole de refrigerante.
Torço os lábios fitando o meu prato.
De jeito nenhum eu aceitaria ir à piscina com eles. Cogitar ficar seminua na frente de outras pessoas me incomoda de um jeito diferente.
— Vocês pretendem ir a piscina com o frio que está lá fora?
— Os meteorologistas prevêem aumento de temperatura nos próximos dois dias. — Eu ergo o olhar e é Gāni quem me esclarece.
Ainda assim, a minha resposta é um grande não.
— Não obrigada, eu não vou. — declaro por fim, voltando o olhar ao utensílio contendo a minha comida e evitando ao máximo ouvir sobre o que eles falam.
O que se torna muito difícil depois, porque suas conversas aleatórias e algumas risadas me deixam tão desconfortável — uma em particular eu não suportava — a um ponto que eu só quero me despedir e ir tentar dormir.
— Eu concordo com você Alsan, depois da piscina nós poderemos ir ao cinema. — Yudis afirma servindo mais um pouco de lasanha no seu prato.
— Por mim tanto faz. Nem que fosse o contrário eu estaria de boa. — Zilena profere despreocupada limpando a boca com auxílio de um guardanapo.
— Tio Gāni, você irá dirigir, não é?
— Não sei, Calopsita. — o mais velho afirma sentado próximo de Querin, do outro lado da mesa. — A Zilena e o Aslan também sabem dirigir.
— Mas você é mais experiente — replica a garota de cabelos escuros. — Minha licença de condução saiu há tão pouco tempo. Sabe que ainda tenho medo de dirigir.
— É assim que eu me tornei experiente, querida.
— Ur também sabe dirigir — é a vez de Aslan falar. — E você, também sabe dirigir? — Ele está se dirigindo à Querin logo de frente para ele. Quieto, porém atento no que os outros dizem.
— Sei. — Querin está calmo e com feições ilegíveis, enquanto que parece conseguir ler Aslan como um livro aberto e perceber que ele é um idiota querendo provocar.
— Então já temos nosso motorista para o sábado. — Bom, era sobre isso que eu falava. Ele está querendo mexer com Querin e diferente do que ele esperava, o outro não demonstra preocupação quanto à isso.
— Tudo bem para você, Querin? — Minha amiga indaga, o fitando com esperança.
— Claro, Yudis. — Ele lhe dá um sorriso que fortalece o pensamento de que ambos tem alguma coisa.
E eu juro que não entendo minha reação de desviar o olhar deles para os nossos pais conversando com vovó Yame sobre alguma coisa que a distrai.
Gosto que ela está com o sorrisinho enrugado e debochado no rosto. O que me faz ficar feliz pela mesma.
— Igith, me passa a jarra de água, por favor? — É Gāni que me faz esse pedido.
Eu olho para ele e depois para a jarra, que por sinal está mais perto de Zilena do que de mim. Todos estão a espera que eu atenda ao pedido de Gāni porque segundos estão se passando e eu não me movi um centímetro, o que está causando esse clima estranho presente na mesa agora.
— Igith, o tio Gāni pediu a jarra. — Yudis é a primeira a falar, incomodada com a situação.
— Eu entendi Yudis. Estou tão perto dela quanto Zilena está. O que não justifica muito ele pedir isso a mim. — Eu falo pausadamente sem desviar o olhar de Gāni, embora sei que outros estão olhando para mim também.
— Igith, era só entregar a jarra e pronto. —meu irmão interfere.
— Bom Ur, então faça você uma vez que é tão simples assim. — rebato voltando o olhar para ele, o que me permite confirmar os olhares confusos e tensos dos demais.
— Por favor, Igith — Minha mãe começa a me repreender e acho que hoje também não irei terminar o meu jantar. — Não seja assim, filha. Se desculpe com todos e passe a jarra para o tio Gāni.
Quero berrar e dizer: ele não é meu tio. No entanto, eu abaixo a cabeça, largo o guardanapo e os talheres na mesa e afasto a cadeira para trás.
— Me desculpem — decido que não irei olhar para ninguém, porque se o fizer eles verão as lágrimas que estão querendo descer agora. Então eu me controlo e concluo antes de me retirar. — Tenham um bom apetite.
Fico indecisa entre ir ao meu quarto e tomar um pouco de ar no jardim da minha avó, que por sinal deve estar decepcionada com a minha atitude de a pouco.
Depois, eu pondero que ter decidido me sentar na grama conforme aprecio a lua minguando no céu foi a melhor decisão que tomei durante o dia todo.
Não queria ter passado pelo constrangimento no ônibus, nem feito Suaān acreditar que as coisas se resolveriam tão rápido assim, também não pretendia arrumar discórdia durante o jantar, muito menos estar sozinha nesse jardim limpando lágrimas que sinto serem da impotência e do vazio que me consome a cada vez que tudo parece se voltar contra mim.
Sei que a vida de ninguém é perfeita. Mas a minha, nossa, um trajeto armadilhado exclusivamente para me derrubar a cada passado dado.
Eu me obrigo a parar de chorar, fungando. Passo a mão por debaixo do nariz quando volto o olhar para as estrelas e sem querer estou lembrando de Querin e da nossa conversa de ontem.
A primeira conversa normal que eu tive com um garoto depois de muito tempo sem que fosse obrigada por meio de trabalhos escolares.
Essa sensação que tenho em relação a ele me confunde. E me pergunto o que há de diferente nele que me permite deixa-lo se aproximar tanto. Eu fico confusa comigo mesma e acho que tinha de ser um pouco perturbador porque afinal, ele pode ser o futuro namorado de Yudis e eu não devia sentir essas coisas por alguém assim.
Eu devia fazer igual faço com todos os meus sentimentos e afundá-los na mais profunda das minhas lembranças.
[...]
Ei pessoinhas, as palavras finais estão na segunda parte, ok?
Os capítulos que estou dividindo é por causa da sua extensão. Não muda a essência do capítulo em si, então não se preocupem aos que já leram a primeira versão.
Glossário
Revani* – bolo gelado feito para sobremesas.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top