09.5
Duas benditas semanas se passaram e eu falto a todas segundas e quintas-feiras. O motivo é simples: o meu professor de geografia.
Considerando a sentença que ele jogou sobre mim de ter sido imprudente a minha atitude com relação a tentativa da denúncia, creio que seria um bom ponto para que eu parasse de pensar tanto em como resolver essa situação toda sem precisar envolver Suaān nisso, uma vez que a mesma nem tem vindo a escola desde o ocorrido na diretoria.
Faço de tudo para que ninguém note que tenho faltado as aulas, o que não é muito difícil contando com a forma que a família Kefrām vive. Logo, só a minha avó tem conhecimento disso porque para além do meu pai, eu também tenho a acompanhado todos os dias a quimioterapia.
Hoje é quinta-feira e eu faltei a escola também. Talvez fosse um boa opção falar sobre o que tem acontecido com os meus pais se caso os mesmos não priorizassem tanto o trabalho e outros assuntos antes dos próprios filhos.
Decidi ir a mercearia que fica a alguns minutos de casa e comprar o que irei precisar para passar este final de semana dentro do quarto, visto que amanhã é sexta-feira faltando um dia para sábado, acredito que eu não tenho de me preocupar em sair de casa amanhã também.
Estou deitada de bruços na cama, fazendo o esboço de uma ponte caindo aos pedaços para dentro de águas profundas com auxílio de um lápis de carvão enquanto como a segunda embalagem de batatas.
Quando a imagem se formou em minha mente me perguntei porque queria tanto desenhar isto, agora, estou igual na maior parte dos meus desenhos que não faço ideia do significado, mas aparentam ter algo me representando ali.
Dois toques interrompidos na minha porta me fazem indagar o que essa pessoa quer comigo a uma hora dessas. Sei que é ele pela forma que bate na porta, é assim desde pequeno. Geralmente meu irmão só vem me chamar para o jantar, fora isso, faz os pedidos que raramente atendo.
Não costumo ter conversas regulares com ele assim como é notável. Sua presença me deixa incomodada por consequência de atitudes suas que eu nunca questionei, porém, por mais que eu não admita em voz alta, me magoaram de um modo que não sei explicar a ninguém.
- Aconteceu alguma coisa? - Eu deixo a porta semi-aberta, sinônimo de que não estou o convidando para entrar nem tenho intenções de demorar aqui.
- Tudo bem com você? - Ur devolve a pergunta inclinando um pouco a cabeça, as mãos nos bolsos e o semblante acanhado. É estranho que ele não está com um sorrisinho impertinente estampado no rosto ou algo assim.
Ele parece... interessado em saber da resposta. E embora suas boas intenções eu não sei como lidar conosco, então somente aceno com a cabeça. O que o deixa desconfortável a ponto de tirar uma das mãos do bolso e levá-la a juba que estão seus cabelos devido a falta de um corte neles.
E eu estou desconfortável que o meu irmão mais velho é tão distante de mim a ponto de não saber nem o que dizer a seguir.
Porque por vezes ele tenta, mas nunca passamos disso.
- O que quer, Ur?
- Sou seu irmão, Igh... conversar com você não tinha de ser algo estranho. - Eu não consigo conter a risada baixa e amarga que escapa de mim. Depois, eu sorrio triste para ele.
- Não fale besteira, Ur. - rebato em tom baixo. - Uma conversa nossa beira mais a estranheza do que qualquer outra coisa. Não vamos mentir um para o outro e fingir que não existe essa barreira entre nós, por favor. Isso me esgota.
- Eu não queria que as coisas tivessem chegado a esse ponto.
- Mas chegaram. - dessa vez estou sendo seca mesmo que me doa também vê-lo baixar a cabeça e desistir da ideia de dialogar comigo.
- Certo... - Meu irmão faz uma pausa e volta a enfiar as mãos mãos bolsos quando está me encarando de volta. - Talvez outro dia a gente...
Eu nego com a cabeça.
- Não sei se esse dia chegará, de verdade. - Eu o corto, no minuto seguinte indico que vou fechar a porta e não demoro a fazê-lo de fato.
Me encosto na madeira que me separa do mundo lá fora. E agora, sinto que eu talvez não ajude muito a melhorar as coisas por aqui. Porque afinal, apesar de nós tentarmos algumas vezes, sempre, sempre mesmo tem algo que surge e alarga a nossa distância, fortalece nossas barreiras e nos mantém nessa situação.
É deplorável. Mas é a nossa situação. A mesma que por vezes me faz desejar por uma família melhor aonde não tem brigas ou então tantos problemas assim, isso se de fato existe algo do tipo.
Outro toque na minha porta e desta vez não é o meu irmão. Por segundos minha mente cria a imagem de alguém que me apavora pensar, entretanto eu me acalmo e me convenço de que não há hipóteses de ser essa pessoa.
Então eu abro a porta e não sei se estou confusa ou aliviada por ver Querin aqui, parado diante de mim com a expressão neutra.
Só pode ser brincadeira.
- Pelo amor de Deus... - Eu lamento e dou um tapa na minha testa. O que o crush da Yudis está fazendo aqui? - Poxa, eu só queria curtir meu dia ao menos hoje.
Não sei o que dá em mim, porque do nada eu largo a porta e levo as mãos ao rosto a tamanha mistura de emoções que começam a percorrer meu corpo. Depois, eu estou chorando sem dar um pio na frente de um cara que sequer conheço.
- Igith... - Eu sei que ele está tão confuso quanto eu estou por essa situação embaraçosa. Não queria estar fazendo isso, mas tem dias que, droga, eu não consigo não parecer frágil. Sinto sua aproximação e é o suficiente para que eu dê um passo para trás também, impedindo que ele faça contato comigo.
- Céus, Igith. Eu não queria fazer você chorar.
- Eu só queria um dia de paz. - reclamo de olhos apertados, me recusando a encará-lo. - Apenas um dia!
- Mas você ainda pode ter seu dia de paz.
- Com você aqui? - minha voz já está nasalada conforme eu ergo a cabeça e tento secar as bochechas com as mãos.
- Acreditei que minha presença não te incomodasse. - Querin rebate me passando um lençinho de pano, pelos vistos, seu.
- E não incomoda. - ou quase isso.
Ele maneia a cabeça num gesto de negação antes de tocar levemente em meus ombros e me guiar até a minha cama. Eu me deixo sentar ali enquanto o vejo voltar a saída dando indício de que vai embora, isso até eu o ver fazendo tudo o que ele não devia ousar fazer: fechar a porta do meu quarto.
Com nós dois aqui dentro.
- Por que estava choran...
- Não feche essa porta! - A forma aflita com a qual eu lhe falo o faz se virar no meio do ato e largar a madeira de imediato. Ele está confuso, eu vejo. Mas não pretendo lhe explicar os reais porquês de não querer a porta fechada. - Não totalmente, o meu pai não gostaria de saber disso.
Mentira.
Estou apenas contando uma meia-verdade.
- Tudo bem, Igith. Não pensei muito nisso. Me desculpe se pareci inconveniente. - Eu balanço a cabeça num gesto de negação a medida que tento acalmar o medo que se apossou de mim a poucos segundos atrás.
O garoto me compreende e deixa a porta meio aberta antes de vir ao meu encontro.
Agora Querin está sentado do meu lado de um modo que respeita o meu espaço pessoal. O meu bloco de desenhos não está mais na cama e sim nas suas mãos, o que me deixa um pouco nervosa porque não costumo mostrar meus desenhos a ninguém. Então, nunca ouvi o comentário de alguém sobre o que faço.
Me pergunto porque o deixo folhear as páginas a vontade, e como isso me deixa tão ansiosa por saber o que ele vai dizer depois de os analisar.
Eu não devia me importar muito com isso tanto como eu estou, porque afinal, eu desenho para mim mesma e não para os outros.
- Tem alguma inspiração para os fazer? - o garoto indaga devolvendo o material no lugar. Eu inclino a cabeça para o lado e dou de ombros.
- Sei lá, as ideias surgem do nada. Não preciso estar inspirada ou coisa assim. Como vê, é grande a diferença entre as datas que os fiz.
- Qual é o significado deste último?
Eu o encaro de lábios torcidos.
- Geralmente eles não significam nada para mim.
Querin ergue uma sobrancelha, sinônimo de que não acredita muito nas minhas palavras.
- Toda arte tem um significado para o artista, Igith. A sua é meio mórbida.
Eu dou uma risada seca e breve.
- Combina comigo, não é? - O garoto não responde, ele observa o porta-retrato na minha mesinha de cabeceira antes de indagar:
- O que tem te incomodado, Igith? - Eu o encaro por segundos, até desistir disso e escolher fitar a mesma fotografia que ele observava.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, é acho estranho que hoje não estou tão tensa perto dele. O qual é muito paciente em me esperar decidir se irei falar ou não.
- Não sei ao certo - eu começo a falar para ele em tom baixo, sem coragem de o encarar. - Tudo tem parecido muito estranho e difícil e complicado. Por mais que eu tente vencer essas dificuldades, elas parecem se tornar cada vez mais complexas.
- E por esse motivo desistiu de tentar?
Eu o encaro de imediato, endireitando a postura.
- Eu não desisti.
- Então por que não tem ido à escola? - devo estar um pouco patética agora com tamanha surpresa que sinto ao saber que ele tem noção das minhas faltas.
Solto um bufo e viro a cara, enchendo as bochechas de ar.
- Não te interessa.
Querin dá uma risada curta e baixa. Não sei se pela minha reação ou por algum outro motivo.
- Você está errada. Talvez não me convenha saber disso, mas interessar, sim, interessa muito.
- Qual é a sua, hein? - volto a encará-lo e dessa vez ele não está sorrindo nem nada.
- Igith, é preocupante que passe metade do dia trancada nessa quarto. Fora isso, nas últimas duas semanas tem faltado à escola as segundas e quintas o que não é muito aconselhável estando tão perto de concluir os estudos. Você deve ter algum bom motivo para isso, não?
Eu estou com vergonha que ele tenha chegado até esse ponto. Está dizendo coisas que nunca nem ouvi meus pais dizerem. Acreditei piamente que ninguém estava percebendo as minhas faltas a não ser a minha avó que teve a honra de ouvir isso sair da minha própria boca.
Não sei como começar, nem sei se devo dizer alguma coisa. Mas isso tem me incomodado tanto a um ponto que, céus!
- É um professor - Eu confesso muito baixo para ele, evitando o encarar a ver se escondo a vermelhidão que deve ter tomado conta das minhas bochechas. - Ele tem importunado algumas garotas, inclusive a mim. E eu não suporto isso, entende?
Querin faz que sim, embora eu não sei se ele entende mesmo.
- Não tentou fazer nada quanto a isso?
Eu aceno afirmativamente coma cabeça.
- Minha única opção era o diretor. Entretanto ele nos deu um chute na bunda, literalmente. Não deu importância por falta de provas.
Eu vejo o semblante de Querin mudar por instantes, ele parece pensativo e inconformado com a situação também.
- A única opção nem sempre é a melhor. Devia dar as provas que eles querem, você é capaz de arrumar alguma.
- Como tem tanta certeza disso?
Ele abre um sorriso tão repentino que acaba me deixando perdida nele de modo que tenho de desviar logo o olhar para qualquer outro lugar.
- Você é a garota ruiva que sabe gerar confusões. Gere uma e o deixe se encrencar.
Eu encolho os ombros.
- Às vezes isso não funciona.
- Às vezes só tem que ser um pouco mais corajosa, ruivinha. - Eu dou um sorrisinho. Ele não vai parar com esse apelido e é incomum que estou deixando se tornar normal para mim.
- Como faço isso?
- Você tem um celular, Igith. Faça um bom uso dele.
- Quer que eu ligue para polícia?
- É uma opção, mas não é disso que falo. Use o gravador durante a aula dele. Uma hora ou outra ele vai chamar você, mas esteja certa do que irá fazer, tudo bem? - Eu baixo a cabeça e assinto, embora ainda duvide de mim mesma. - Eu estarei lá se precisar.
Sua conclusão me faz ficar ereta, o encarar com curiosidade inexplicável e ganhar coragem para perguntar por fim:
- Por que você me ajuda tanto, Querin?
Um vinco surge entre suas sobrancelhas, indício de que preciso ser mais explícita, coisa que eu decido ser agora:
- Quero dizer, teve aquele dia na festa e você decidiu me ajudar enquanto podia muito bem não se envolver naquilo ou então... - eu travo, voltando o olhar para baixo. - Ou então se unido a aquele cara e me feito mal.
- Você acredita que eu sou aquele tipo de cara? - Sua pergunta sai baixa, o que me faz o encarar no minuto seguinte. Querin não parece ofendido, nem surpreso que eu tenha esse tipo de pensamento.
Eu encolho os ombros e num gesto automático passo os fios ruivos que estão soltos do rabo de cavalo para trás da orelha.
Não devia ter dito isso.
- Eu não sei... no primeiro instante achei que sim. Eu dificilmente tenho boas primeiras impressões sobre as pessoas, é inevitável. Mas você estar sentado na minha cama ao meu lado me diz que não preciso... ter medo de você.
- É bom estar alerta, garota ruiva - ele fala para mim, num tom ameno - Mas também é importante entender que nem todo mundo vai querer fazer mal a você. As pessoas são diferentes. - eu fito suas íris escuras me analisando, porém me contenho em não dizer nada. Motivo que o leva a continuar com a mesma serenidade:
"E respondendo a sua pergunta, eu não te deixaria naquela situação, nem você e nem a nenhuma outra. Já tive uma irmã e não faço ideia de como me sentiria se algum dia ela tivesse vivido algo do tipo e ninguém a tivesse ajudado."
- Você teve uma irmã? - Ele assente no automático e pela sua expressão essa conjugação não é por algo bom. E apesar de tudo isso, eu pergunto comedida: - O que houve com ela?
Silêncio.
Devo ter tocado num assusto inapropriado e ele não parece muito disposto a falar sobre, entretanto há uma batalha dentro de Querin que ele tenta ocultar até finalmente me deixar abalada com o que diz a seguir em tom baixo e vacilante.
- Não está mais nesse plano, assim como os nossos pais. - Ele fala, fitando algum ponto fixo na janela fechada do quarto meio escuro. Eu não digo nada, apenas engulo em seco tudo o que vem depois. - Todos levados por acidentes de viação.
- Nossa, eu... - estou me sentindo culpada pelas vezes que só o desejei fora de casa. Eu não fazia ideia disso. Não teria agido feito criança inconformada. - Eu...
- Não precisa dizer nada sobre isso, Igith. Não é sua obrigação.
- Obrigada. - Eu falo aliviada. - No mínimo eu diria que não sei o que dizer mesmo.
Querin me dá um sorriso de canto.
- Você sabe ser sensata quando quer.
Eu dou uma risada nasal e breve
- Não me ataque sigilosamente. - Querin também ri bem baixo e me atrevo a olhar novamente para a tatuagem exposta e perguntar. - Seu nome era Yansel?
Ele assente.
- Sim. Ela tinha sete anos na época.
Eu torço os lábios numa linha fina. Esse cara é meio admirável. Eu não esperava algo assim dele. Na verdade, não esperava nada dele. E no final das contas, esses olhos vazios devem ser apenas resultado de tudo quanto a vida foi lhe tirando aos poucos.
O fazendo esconder suas camadas por debaixo dessa aparência impassível na maior parte do tempo.
- Essa situação te tornou desse jeito, incapaz de expressar emoções e de ter sentimentos?
Querin sorri outra vez.
- Eu tenho sentimentos e demonstro emoções, Igith. - esclarece ele antes de dar continuidade: - Talvez eu seja assim por essas situações passadas, entretanto todas elas me fizeram ver o mundo de uma forma diferente, o que não quer dizer que eu seja frio ou algo assim. Esse se tornou o meu jeito de ser após ter aprendido com muita dificuldade a superar e a aceitar a minha situação atual, algo que acredito que deixa os meus pais orgulhosos de mim aonde quer que eles estejam.
Eu sorrio para ele e por mais estranho que parece vejo em Querin algo que gostaria de ter em mim. A coragem de sair da caverna e enfrentar a tempestade lá fora.
- O que acha de fazer uma visita surpresa a Bursüm? - Querin pergunta de repente, me deixando um pouco surpresa.
- Eu faço visitas aos sábados.
- Talvez ela precise de você as segundas, quartas, sextas. - pondera se levantando da cama, me instigando a fazer o mesmo de seguida. - Talvez só os sábados não a permitem te conhecer melhor, garota ruiva. Tente ao menos construir uma ponte para ela.
[...]
Bato a porta da Bursüm e para a minha surpresa ela mesma vem abrir, seus cabelos estão penteados e ela está deixando eles crescerem. Antes dela se isolar neste quarto dizia odiar o próprio cabelo e sempre pedia que o cortassem. Sempre suspeitei que isso tinha haver com bullying igual faziam comigo desde que entrei na escola.
O que também me faz ponderar que essa seja uma das causas da minha irmã ter acabado trancada neste quarto por tanto tanto tempo.
Minha irmã parece diferente, para além dos cabelos crescidos, ela está... sorrindo. Está sorrindo e parece menos sombria e triste comparando aos dias anteriores aos que eu vim lhe fazer uma visita.
- É você, Bursüm?
Ela dá uma risada. E que gracinha de risada capaz de me fazer sorrir.
Não me lembrava da última vez que a ouvi rir dessa maneira.
- Sou eu sim, mana. - Ela responde sentando sobre os joelhos em cima da cama. Hoje os lençóis são de um azul-ciano. - E, oi Erin.
Eu me volto para porta, espantada. Bursinha acaba de o chamar por um apelido?
Quando encaro Bursüm novamente ela está sorrindo travessa pela minha expressão confusa.
- Como assim, Erin?
- Erin é muito mais simples, e é significativo para mim - replica ela com perspicácia. - E o seu namorado gosta.
- Não fale isso Bursüm, ele é o namorado da Yudis. - Eu tento lhe explicar em tom baixo, mas de algum modo o garoto acaba ouvindo porque sua risada moderada é suficiente para me fazer crer nisso. E corar também.
- Meu Deus, mana. - Bursüm está acompanhando a risada do outro, me deixando envergonhada e meio perdida.
- Igith, eu não namoro a Yudis. Ela é apenas minha amiga. - Querin por fim esclarece, elevando meus níveis de vergonha ao máximo.
Como eu consigo me fazer passar por esses embaraços, hein?
- Em outras palavras - pondera Bursüm sorrindo aberto - "sou todo seu, Igith".
Que irmã incrível eu tenho.
Droga.
- Para com isso Bursinha, é irritante e desrespeitoso.
Não sou a melhor irmã mais velha do mundo, mas eu tento. Juro mesmo.
Porém, fica muito difícil com os dois trocando olhares de cumplicidade que não sei de onde vem, até meu olhar encontrar um instrumento azul na cabeceira e meu interesse se focalizar nele quando eu o toco.
- De quem é isso?
- Foi um presente do Erin. Ele está me ensinando a tocar flauta faz alguns dias. - Talvez eu já devesse ter esperado por essa resposta, mas mesmo assim o espanto vem junto com um turbilhão de perguntas.
- Porque você tem feito visitas à ela? - É a primeira pergunta que eu faço sem desviar a atenção da flauta.
- Primeiro de tudo, você precisa saber que seus pais estão permitindo isso. E segundo porque Bursüm é uma criança como outra qualquer e merece se divertir embora dentro de um quarto. Ela é esperta, curiosa e aprende rápido demais. Vê-la sorrir é motivador. E entender os motivos dos sorrisos, ainda melhor.
Eu assinto, calada. Calada porque estou chateada comigo mesma, decepcionada que não sou tão persistente quanto ele.
Sou eu que devia me esforçar para fazer ela feliz, para a deixar tão a vontade a ponto de sentarmos juntas e termos uma conversa e irmã para irmã e não somente aos sábados.
As visitas dele tem lhe feito bem, os cabelos crescidos são indícios disso. As minhas sempre se baseavam em tentativas de a tirar do quarto, embora eu não pensasse que fosse possível a fazer sorrir aqui dentro também antes de a ver sorrir do outro lado.
Não é a droga de um sábado que faria Bursüm mudar de ideias.
É a persistência e a paciência em cuidar dela aqui dentro, cultivar seu bem-estar entre essas paredes antes de lhe mostrar que ainda é possível viver lá fora.
Eu nunca fui persistente com relação a minha irmã, e talvez eu tenha sido tão hipócrita quanto os outros em algum momento, pois eu ultrapassava os limites com eles e aqui eu permanecia neles, me conformando com a solidão da minha irmã.
Mas agora, eu estou finalmente compreendendo por onde devo começar a construir a minha ponte. E tudo graças a ele. A este garoto que de forma improvável acabou se tornando o motivo de eu estar ousando tirar o pé da caverna, ao menos.
Eu o encaro escorado ali na porta e lhe dou um sorriso grato, antes de falar de fato:
- Obrigada Querin. - pela primeira vez eu o agradeço. Não apenas pela minha irmã, mas por mim também.
Quando eu me calo, mil e um pensamentos se apossam da minha mente e me lembram de quem sou de fato
Garota persistente, que por vezes se faz desistente.
Os motivos de ser assim, estão lá presentes, cabe a ti ser um pouco mais atento
E compreender que nem eu quero tanto me manter nesse tormento.
D
inazarda
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