030: Decisão conflitante

Meus pais ainda não tinham chegado quando eu e os meus irmãos terminamos de preparar o jantar. Senti vontade de passar ar do lado de fora de casa e como Ur e Bursüm decidiram ir tomar um banho, eu, em contrapartida, segui até o jardim e abraçada aos meus joelhos fiquei olhando para o céu pelo que parece uma eternidade. Sem desviar o olhar nem nada, apenas focada na nebulosidade acima da minha cabeça até o som da porta traseira sendo aberta despertar minha atenção e me fazer olhar para lá.

Meu coração parece errar uma batida só de ver vovó Yame vindo em minha direção. Me agarro firmemente a esperança que ela já não está brava comigo e por essa motivo está aqui. Então me ergo prontamente e fico de frente para a mais velha que destrói minha expectativa quando sorrio para ela e ela não faz o mesmo.

Nervosa, aperto a mão uma na outra e a encaro hesitante.

- Vovó - minha voz sai instável e tenho de limpar a garganta antes de continuar, meio tensa, meio triste. - Ainda está brava comigo?

Ela tem uma vasilha de porcelana com ela, as suas favoritas, e está colhendo alguma plantinha da sua horta, só não sei identificar qual.
Minha avó ergue o olhar para mim, mas é de longe um olhar chateado ou algo assim. Beira mais ao inconformado.

- Ainda que me chateie, estou, sim, brava com você. E sabe muito bem como resolver isto. Não irei repetir, porque acredito que já pensa bastante na nossa conversa desde então.

- Eu penso... - murmuro.

- E? - Pela demora na resposta a mais velha suspira e para de colher o que agora acredito ser coentro, e olha bem fixamente para mim. - Pensamentos não valem de nada se não forem postos em ação, Igith. Fui rude com você ontem, mas foi necessário porque sei que é cabeça dura e não teria outro jeito de te fazer repensar a proposta do seu pai. É tudo pelo seu bem. Não sabe como é frustante ter ciência que não sou eu a pessoa certa para te ajudar nesse momento, tudo que posso fazer é te dar o meu apoio, e um pouco de sermão porque você precisa constantemente de um puxão de orelha.

Ela consegue roubar um sorrisinho de mim e isso parece fazer o meu dia um pouco mais feliz. Dos momentos mais significativos de hoje. No entanto vovó Yame parece falar sério quando diz não pretender trazer tudo a normalidade enquanto eu estiver nessa linha tênue entre fazer ou não a terapia. Porque assim que termina de colher o que agora penso ser salsinha e não coentro, ela acena para mim e se vai embora, me deixando isolada novamente no jardim pouco iluminado.

Volto a me sentar na grama e enterro minhas mãos ali sem me preocupar se vou sujá-las ou não.

Uma vez mais o som da porta faz meu coração palpitar, e, ansiosa, volto meu rosto para lá acreditando que é vovó Yame disposta a mudar de idéia, mas...

- Oi Igith amiga - é só Yudis com sua habitual animação que acaba de beijar meu rosto e se senta do meu lado.

- Oi... - tento soar um pouco animada, porém falho miserávelmente e minha voz sai em um sussurro arrastado. Yudis nota no mesmo instante e encosta a cabeça no meu ombro, cobrindo minha mão pousada na grama com a sua.

- O que te colocou para baixo outra vez, ein?

Sacudindo a cabeça eu digo que não foi nada, indisposta a tornar essa conversa deprimente pelos meus problemas.
Tem tudo sido triste demais, cansativo demais, pesado demais.
E, para falar a verdade, tudo que mais quero agora e estar ao menos tranquila.

Agradeço muito que minha amiga colabora e somente aproveita do silêncio junto comigo.

- O que te traz aqui a estas horas? E a tia Banu, cadê ela?

- Vim jantar aqui. Minha mãe saiu com o Ozäm, então eu não tive vontade nenhuma de cozinhar, mas sinto fome, e não quero comer besteira. Logo, qual seria a melhor solução? - Ela pergunta, mais para si do que para mim. - Ir comer na casa da minha amiga. - Diz sorridente. Entretanto, olhando com mais atenção para ela, para seus olhos, eu consigo ver a sombra de um sentimento mais triste ali, é como se Yudis estivesse apenas me respeitando quando se diz conformada com o pouco que falo sobre mim.

Eu torço os lábios, a encarando em dúvida.

- Ozäm? O Ozäm, dono do estúdio em que você trabalha? - ela concorda despreocupada. - Quando eles? Tipo... você está de boa com isso? - Pergunto curiosa. Yudis dá de ombros.

- É... Acho que sim. Foi meio estranho quando ouvi ela dizer que estava saindo com ele. Afinal, ele é praticamente meu chefe, e se isso for além, não me imagino o chamando de "pai" ou então compartilhando a casa e a minha mãe com ele. - Yudis comenta tranquilamente, depois se desvencilha de mim e se deita de costas na grama, eu presto atenção nela e na maneira que seus cabelos soltos se espalham pelo chão e moldam seu rosto. Ela é muito linda, Deus. - Porém, ter visto ela sorrir discretamente ao contar isso para mim, me deixou calma. Se ela estiver feliz e o cara estiver a fazendo bem, então estou de boa com isso.

Yudis não está olhando para mim no momento, ela parece meio distante fitando o céu. Imagino que deve ser algo novo para ela, uma experiência que certamente está mexendo de alguma forma com sua vida uma vez que tia Banu nunca se envolveu com alguém desde que o pai dela se foi, ou melhor, se teve alguém, não apresentou a filha.

Acredito que ela esteja a ser sincera sobre o que sente. Pois, apesar de parecer inexpressiva, nesse instante consigo notar ao longe a felicidade pela mãe dela. Eu adoro que minha amiga seja tão adorável assim. Ela e a tia Banu sempre foram tão próximas que admito já ter sentido pontinhas de ciúmes pela sua relação maravilhosa, mas é tudo porque não tive tantas oportunidades assim com a minha.

- Hoje mais cedo vim aqui, não encontrei você. - Ela se vira para mim, descansa sua cabeça sobre a mão para me encarar melhor. Seus lábios se curvam em um sorriso divertido, revelador de certa malícia também. Ah, não. - Vovó Yame contou que Querin te levou para dar umas voltas. - Eu torço os lábios e quase aperto os olhos já imaginando suas próximas palavras. - Igith amiga, agora vai admitir que está apaixonada por ele?

Ela frisa a palavra apaixonada e inevitavelmente me sinto corar. Tenho andado muito transparente nos últimos dias que até me dá raiva.

- Não adianta negar dessa vez - cantarola ela.

E eu suspiro muito, muito devagar.

- E eu não irei - digo baixo, abraçando meus joelhos com o olhar fixo no céu, mas meus pensamentos vagando tranquilamente em minha mente quando penso nele e em tudo que disse para mim. - Porque seria uma mentira estúpida. Negar que eu sinto algo por ele desde o primeiro momento em que aquelas íris escuras me consumiram por inteira, seria puro orgulho meu. De início foi complicado entender o que entendo hoje, que com ele eu tenho vontade de mudar, de crescer, vontade de ser diferente, ser o melhor de mim, sabe? Ele acredita nisso, e me faz crer também. Perto dele me sinto confortável, e quando ele está longe, é como se tivessem tirado parte do ar que eu preciso. Eu simplesmente amo estar com ele, talvez, mais do que deveria.

- Deus, Igith! - Ela me olha com tanta ternura capaz de me fazer encolher os ombros. - É tão bom te ouvir falar assim. Eu adoro que você tenha encontrado um garoto tão legal quanto ele. Querin é incrível e você também. Juntos são perfeitos. Eu espero que você fale tudo isso para ele, pois ele merece ouvir.

- Não sei se ele irá querer ouvir. - Falo com indiferença, mas, sendo sincera comigo mesma sei o quanto me importo de ter dito aquelas palavras mais cedo. Se arrependimento matasse... - Acho que fiz besteira hoje mais cedo.

Yudis me dá um simples sorriso e se põe sentada outra vez.

- Então resolva - responde simplesmente. - Acho fofo ouvir você falar sobre sentimentos.

Eu reviro olhos e dou uma risada curta e lenta, porém, silenciosa.

- Ainda assim você continua a experiente na área. - Yudis não se contém e ri muito da minha afirmação.

- Nossa, falando assim faz parecer que já tive tantos namorados.

- E não é? - Não consigo conter a expressão de surpresa. Ela ri uma vez mais e nega com a cabeça.

- Não, com toda felicidade eu digo que não.

- E os seus crushes?

- Eram somente isso: crushes. Garotos lindos que faziam sessões de fotos comigo. Meus únicos namorados foram o imbecil do Zafer, infelizmente. E o fofinho do Nedim, que por castigo do destino mudou de cidade. - Ela explica arrumando os cabelos em um coque desajeitado no topo da cabeça. - Devia saber disso porque fiz questão de te deixar informada, mas entendo que, talvez, tenha sido difícil pensar em meus assuntos fúteis tendo tantos seus para lidar.

Nossa, me senti patética por ter criado uma certa imagem negativa sobre a minha amiga neste tempo todo. Eu não a julgava por pensar que ela namorava muitos garotos em curto espaço de tempo, mas também não pensava bonitinho sobre essa questão.

Péssima. Eu conseguia ser uma péssima amiga às vezes.

- Quero conhecer mais de você. - Eu disse, chocando de leve seu ombro com o meu. Ela ri.

- Como?

- Estou achando que podemos considerar as férias uma boa oportunidade para nos encontrarmos mais vezes e nos conhecermos melhor. Penso que perdemos um pouco uma da outra nesse período todo...

- Legal, eu topo.

Ela assente, parece gostar da idéia quando torna a encostar a cabeça no meu ombro. Mas, de repente, Yudis parece quieta demais, ainda que seus dedos estejam inquietos brincando com os meus.
Eu levo minha outra mão até seu rosto e alizo sua bochecha devagar.

- O que houve?

Yudis exala o ar com força, indicando que sim, algo não está bem. Aquele olhar... E, depois, ao expulsá-lo na mesma frequência, a sinto enrijecer um pouco sobre mim.
Deixo que minha mão volte a encontrar a grama enquanto a outra ainda se esfrega na sua.
Minha amiga parece meio tensa antes de tirar a cabeça do meu ombro e encostar o queixo para me olhar.

- Hmm... Não sei se você sabe, mas... - Ela suspira, contrariada. Seus olhos estão brilhantes, mas não é de felicidade. Ela está triste. - Semana que vem é o julgamento do tio Gāni, ouvi minha mãe dizer esses dias.

Não sei nem como reagir a essa informação. Mas meu corpo sabe. Meu estômago se contorce e eu tenho de apertar os olhos a ver se não me desestabilizo tanto. Quando lhe encaro outra vez, me sinto triste por ela, porque sei que isso ainda é muito doloroso para Yudis acima de tudo.

Ela via aquele cretino como pai.

- Ninguém contou isso para mim, na verdade, ninguém fala muito sobre o assunto e não posso mentir, prefiro assim. - Ainda que saiba que de uma forma ou de outra estarei sujeita a participar desse processo todo. - Você... Você irá vê-lo?

Yudis dá de ombros e se encosta em mim.

- Não. Ele pode ser meu tio, e, indubitavelmente eu ainda posso amá-lo, mas não. Porque também o detesto por ser tão baixo. E o que fez foi imperdoável de qualquer forma. Se for para estar lá, será por você. Apoiando você e só.

E nesse momento, eu me sinto mais amada do que pensava merecer.

[...]

Jantamos em um clima agradável, o que seria impossível tornar-se diferente com a presença contagiante de Yudis na nossa mesa de jantar. Ela sabia controlar com facilidade incomum conversas diferentes com pessoas diferentes como se tivesse sido programada para fazer exatamente aquilo. Era divertido vê-la falar sobre política com os meus pais, da nova plantação de chá numa área rural próxima da cidade com vovó Yame, de fotografia com Bursüm, de artes marciais com Querin e ainda assim ter paciência para provocar Ur.

Eu só observava, até porque, estava muito focada em não olhar para Querin. Ainda me sentia muito constrangida pela nossa última conversa e temia que seu olhar fosse duro quando nos encarassêmos. Então, no final da refeição, eu ignorei a tristeza que me consumia quando ele ajudou Ur a lavar louça sem falar comigo ou então quando se retirou com Bursüm a fim de assistirem um filme que ambos queriam muito ver.

Sim, eu estava muito incomodada, mas sabendo que fui a culpada por tê-lo afastado de mim, acreditei que a decisão mais sábia no momento era ficar no meu cantinho antes que meus atos piorem a situação. Enfim...

Estou com o corpo curvado para frente, olhando concentrada o interior da geladeira feito boba. Não estou procurando por nada específico, mas estar aqui parece algo bom e me ajuda a pensar de alguma forma uma vez que estou sozinha na cozinha faz alguns minutos desde que todos de foram, ou não...

Eu me ergo muito rápido quando sinto a presença de mais alguém no cômodo, e não entendo como posso sentir o coração bater tão forte somente por isso.
Minhas reações às vezes são mais dramáticas que eu...
Sopro o ar ao notar que é apenas meu pai, no entanto, outro pensamento incômodo não demora a vir com tudo para me perturbar.
Ah, não. Faz só dois dias que tivemos aquela conversa chata, e, o conhecendo como eu o conheço, sei muito bem que vai tentar me abordar novamente sobre o assunto.

- Meu Deus, pai! Me assustou. - Conforme se aproxima de mim, meu pai assume uma expressão de dúvida quando franze a testa e cruza os braços fortes sobre o peito.

- Ah, me desculpe. Não era minha intenção. - Explica ele, me encarando com tanta insistência que me faz desviar o olhar para qualquer lugar que não sejam seus olhos escuros.

Senhor Onur se apoia no balcão da pia e uso essa brecha para tirar uma garrafinha de água da geladeira mesmo que seja a última coisa que desejo. Quero mesmo é escapar daqui. Dele. Da possível conversa que teremos. Portanto eu ergo meu olhar até ele e lhe sirvo de água também.
Papai assente e recebe a sua garrafa, abrindo-a de seguida antes de fazer o mesmo que eu e beber do conteúdo incolor refrescante.

Finjo não notar que ele me lança olhares significativos enquanto compartilhamos a cozinha em silêncio. Tenho tentado me habituar a presença dele, de cada um deles, desde que nos reconciliamos, mas, Deus, estou tão desconfortável agora que ele está deixando a garrafa sobre o balcão e fica de frente para mim que quase engasgo com a água que bebia.

Meu pai balança a cabeça negativamente e puxa um papel toalha para mim. Ele me entrega e quando se curva em minha direção, eu dou um passo para trás, tensa, limpando minha boca.

- Não deixe a porta da geladeira aberta, ela estraga - e ele a fecha por mim, o que me passou pela cabeça de fazer.

- Está certo... - e movo a cabeça para cima e para baixo duas vezes. - Eu... Eu acho que vou indo... Boa noite, pai.

Devolvo a garrafa no eletrodoméstico que está do meu lado, pronta para escapar dele até...

- Espere Igith - ah, não. Eu petrifico no mesmo lugar, e rezo muito antes de me virar pelos calcanhares e o encarar outra vez. Não digo nada, apenas espero. Espero ouvir tudo o que não quero. - Sobre a nossa conversa...

Eu pareço desesperada quando gesticulo um pouco agitada para ele.

- Pai, eu ouvi o que o senhor disse naquele dia, e, para ser sincera, sei o quão extensa essa conversa é. E hoje em particular, não posso mentir, estou exausta e não sei por quanto tempo mais consigo me manter de pé. Então seria muito grata se me deixasse ir dormir; assim, deixamos também esse assunto para tratar bem depois... - Boa parte de tudo que digo muito provavelmente é mentira, acrescentando que foi bom demais ver o rosto de descrença do meu pai ao me ver usar suas palavras contra ele.

É bom fazer as pessoas provar do próprio veneno, não?

Papai se desencosta do balcão e torna a cruza firmemente os braços sobre os peito, me olhando em reprovação.

- Muito espertinha Igith - pondera ele. - Lembrando que "depois" é coisa minha, quero que entenda uma coisa: vou ser paciente com você e esperar que decida por si só fazer terapia. Mas não posso negar, gostaria que fosse menos teimosa.

Eu rio um pouco e mordo um pouco a ponta da língua.

- Tive a quem puxar - meu pai dá uma risada curta e silenciosa também negando com a cabeça.

- Tenha uma boa noite, Igith.

- Tenha uma boa noite pai.

[...]

Estou prestes a terminar um rabisco do céu da Capadócia, repleto de silhuetas de balões e as chaminés de fada quando o meu último lápis intacto decide quebrar o bico. Droga. Eu estava fazendo os possíveis para preservá-lo a ele como não fiz com os outros três. Mas o querido acaba de seguir o mesmo caminho, o que me deixa meio frustrada a ponto de querer arrancar os cabelos. Porém, tudo que faço é jogá-lo em cima do caderno e impulsionar a cadeira de rodinhas para trás com auxílio dos pés.

Que bonito, agora eu desisto de terminar essa brincadeira. Me levanto resignada e ajusto meu pijama no corpo, depois sigo ao banheiro e lavo o rosto a fim de me livrar um pouco dessa frustração. Ao voltar ao quarto apago a luz e, mesmo que não sinta sono eu me enfio dentro das cobertas e fico olhando apenas para o teto, acostumando minha visão a pouca luz do ambiente.

Tem sido assim nos últimos três dias, conseguir dormir é mais uma tortura que um prazer. O que me incomoda demais, pois detesto ser dependente de remédios para poder descansar.
Simplesmente não gosto, porque no geral eles me causam enxaqueca no final e...

Algumas batidas suaves na minha porta me fazem voltar a atenção até lá, sem me impedir de questionar quem poderia ser.

- Está aberta - eu informo, um minuto depois é a cabeça da minha mãe que está espreitando o interior do meu quarto escuro. - Pode acender a luz, se quiser.

Ela faz e mete seu corpo inteiro no cômodo antes de fechar a porta atrás de si e vir até mim esboçando um sútil sorriso de canto. Bonito.

- Como se sente, querida? - Puxo meu corpo para cima e me sento encostada a cabeceira.

- Estou bem - digo com calma, então olho para minha escrivaninha lembrando que preciso de um apontador e ela levou minha embalagem inteira. - Mãe, até quando vai apreender meus materiais? As pontas de todos os meus lápis estão quebradas.

Sentada bem perto de mim, Sevda torce os lábios e acompanha meu olhar à mesinha de estudo. De seguida se volta totalmente para mim e indaga com calma:

- Está pedindo seus apontadores e estilete de volta? - Fez uma pergunta retórica. Ela sabe que sim. - Igith...

- Por favor mãe... - eu a interrompo. - Eu sei que errei ao fazer... Bom, ao ter cedido a esse impulso. Mas não desejo que isso aconteça mais, sabe? Porque se assim fosse, eu teria usado algo diferente, qualquer coisa. Mas não, foi feio e tenho noção disso, então, por favor, confie em mim dessa vez e me devolva os apontadores, ao menos.

Ela me olha serenamente e, por tanto que demorou ter outra reação eu mordo meu lábio até que a vejo balançar a cabeça de maneira afirmativa. Confirmando que sim. Minha mãe está confiando em mim mais uma vez.

- Obrigada - eu digo, minha voz saí meio vacilante no entanto. Me detestei por isso, muito mais ainda por não ter coragem suficiente de a abraçar ou pedir um abraço assim como tanto desejo.

Mamãe se aproxima de mim e anseio que ela tenha o poder de ler mentes quando, depois de um beijo, espero pelo abraço que infelizmente não chega e ela se afasta.

- Eu os trago para você... Amanhã. Precisa descansar Igith, vim só te ver e saber como se sentia.

Eu assinto e, vendo-a se levantar meu coração se agita, é como se... É como se eu precisasse mesmo fazer isso. Falar com ela, me abrir. Tipo as conversas de mãe e filha que vemos nos filmes. Aquelas que nunca tive e vivi mentindo para mim dizendo que não queria. É estranho. Essa sensação é estanha, e muito inquietante e me faz se remexer na cama assim que ela se vira e está pronta para ir embora.

Engolindo qualquer um medo que eu tenho em falar sobre meus sentimentos e anseios, eu me recordo da conversa com Querin em Capadócia, então, eu tomo coragem. Mesmo tímida, eu começo.

- Mãe? - Ela se vira para mim no mesmo instante, larga a maçaneta e me encara toda cuidadosa. - Poderia... Poderia voltar aqui? Sentar do meu lado? Eu quero falar com você...

Sevda nem se dá ao luxo de pensar, no minuto seguinte está sentada no mesmo lugar, agora acaricia meus cabelos e espera pacientemente o que quero dizer.

- Diga - me incentiva ela em um tom calmo.

- É sobre o pai... - Eu começo a falar, sem coragem de olhar nos seus olhos me perco nos fios soltos que puxo do edredom quentinho que cobre metade do meu corpo. - Ele ainda quer que eu faça terapia e a vovó Yame só pensa em falar comigo depois disso.

Meu queixo treme patéticamente em reação ao toque suave dos dedos finos da minha mãe nele, um incentivo caloroso para que eu a encare.
Respiro uma profunda gama de ar, sentindo o peito ainda pesado.
Encaro a mulher a minha frente, admirando como ela consegue se manter tão calma e tão serena o tempo todo.

- E por que ainda não aceitou a proposta? - Sua pergunta me faz encolher os ombros, tímida.

A verdade é que desde domingo, a primeira vez que Sr. Onur tocou no assunto, um medo gigante tem tomado conta de mim sempre que penso na ideia de estar dentro de uma sala, sozinha com um estranho, tendo que contar sobre meus assuntos pessoais, me abrindo como se não fosse uma pessoa que detesta fazê-lo.

É assustador demais a ideia de que indo para lá, estarei admitindo completamente que não estou bem mesmo que uma vez Querin tenha me dito que esse é um passo enorme para a melhora.

E é quase isso que explico para minha mãe.

- Pensar nessa possibilidade me faz parecer... Doente e louca e estranha. - Eu confesso baixinho. Minha mãe comprime os lábios, assentindo. - Eu só acho que estou com medo de aceitar e ser tenso demais. Essa ideia ainda não me colou.

- Entendo o que quer dizer, Igith. - Ela fala. - E antes que tome uma decisão quero que sabia de uma coisa, fazer terapia não é sinônimo de que você esteja necessariamente louca. Doente? Muito provavelmente, mas faz parte querida. Procurar por um psicólogo ou um psiquiatra é como ir atrás de um oftalmologista quando desconfiamos de algum problema de vista, e é algo normal. Não precisa se sentir envergonhada por isso, por sentir dor ou um incômodo em alguma parte de você. A diferença é que essa que está sentindo é emocional e tem alguém que pode te ajudar com isso, seja de maneira parcial, ou completa.

Eu absorvo suas palavras, mas ainda assim é complicado não me fazer a pergunta:

- E por que nunca aceitou fazer terapia?

- Eu já fiz terapia antes do casamento com o seu pai, Igith. Sem contar que os meus problemas já vem de tão longe e Onur ainda acredita ser culpado por maior parte deles.

- E não é?

- Não, as adversidades que passamos em nosso casamento foram apenas uma gota comparado ao oceano que já existia dentro de mim. É que às vezes, filha, alguns de nós somos apenas vulneráveis mentalmente e, por mais que tenhamos conhecimento da necessidade de ajuda, nos privamos disso. O que é tão errado quanto provocar a dor nos outros. - Ela se explica, olhando para o meu rosto, mas vagando por algum outro lugar distante. - Eu passei muito tempo indo de psicólogo para outro sem de fato sentir vontade de mudar o que havia de errado comigo. Porque não acreditava em mudança, no entanto, de uns tempos para cá, vivendo ao lado de vocês isso mudou. Assumir minha responsabilidade de mãe me fez mudar de pensamento pouco tempo atrás.

Eu pisco meus olhos vezes seguidas a ver se entendo bem essas palavras.

Meu Deus!

- Você está fazendo terapia?!

- Não, ainda não. Estava marcada para essa semana por conta dos vários atendimentos do Doutor Ferat, mas, com tudo que aconteceu, decidi remarcar para sábado, assim nós três poderíamos começar juntas.

- Nós, três?

- Sim, eu você e a Bursüm. Ela está de acordo em ir em frente, tem esperanças de que você vá também.

Me encolhi um pouco, sentindo o coração paltipar dentro da caixa torácica, chocando contra as costelas de tão intenso que batia.

Elas vão fazer terapia. Comigo.

- Eu ainda não sei...

- Tem ainda três dias pela frente, deve decidir alguma coisa até lá, eu acredito em você, Igith.

E meu coração se enche de emoção nesse instante. Ela acredita em mim.

Minha nossa.

- Mãe... - Eu falo ao vê-la se levantar outra vez. Engulo em seco, tensa. E pela primeira vez, eu peço: - Poderia me dar um abraço?

Ela nem diz um a, somente o faz de bom grado com um carinho que faz meus olhos marejarem, porém não choro, não quando alguém bate a porta e é Bursüm que vem até nós com seu travesseiro sendo arrastado no chão.

Minha mãe dá um beijo na minha testa e outro na dela que lhe abraça antes de se enfiar do meu lado dentro das minhas cobertas.

- Vim dormir com você, mana. Quero ser seu anjo da guarda por uma noite.

E quando
estiver em dúvida
sobre quem você é
e de todas suas capacidades,
lembre-se de tudo que passou
e de como chegou aonde está agora
você é ferra, é guerra, e capaz de alcançar sua própria paz, princesa

Dinazarda

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