025: Toda ação tem sua reação
Em algum momento me questionei se haverá uma noite de sono sequer a que ao menos irei me referir a ela como agradável. Porque isso não aconteceu ontem. Minha noite foi horrível e embora não esperasse por algo diferente, ainda mantinha um fiapo de esperança de que, assim que meu pai se retirasse do meu quarto, iria realmente poder fechar os olhos e esquecer das últimas quarenta e oito horas.
Mas eu não poderia estar mais enganada...
Me virei e revirei várias vezes em minha cama tentando arrumar uma posição perfeita para dormir. Não achei. Pois o problema não era conforto, mas sim a forma perturbadora como os meus pensamentos me atingiam. Me faziam sentir culpada e coberta de remorso.
Comecei a ficar chateada comigo, e tentei me convencer de que a ideia do meu pai não poderia estar mais errada. Eu queria que ele só estivesse blefando ou algo assim. Que quando eu acordasse, isso se conseguisse dormir, tudo não passasse de uma ideia espontânea e passageira dele.
E foi ao acordar, uma hora depois de ter conseguido pegar no sono, que entendi: por mais que quisesse, as coisas não saíriam como eu queria.
Penso nisso desde que abri os olhos. Estou ferrada. A afirmação permanece em minha mente enquanto pondero se irei sair do quarto hoje. Lá em baixo não há muita movimentação. É segunda, e suponho que meus pais já tenham ido trabalhar. Não sei de Ur, acredito que esteja aproveitando as férias para dormir um pouco mais. Muito provavelmente a estas horas Querin já tenha levantado, se para ficar em casa ajudando minha avó ou simplesmente ter ido a algum lugar, não faço ideia.
Mas gosto que ninguém tenha vindo me perguntar se estou bem. Eles estão fazendo parecer que estou doente e detesto isso.
Detesto tanto que faço careta quando batem a minha porta, ainda assim, o nervosismo se faz presente em meu corpo. Minha voz fraqueja assim que digo que a porta está destrancada.
Tenho perdido o hábito de a deixar trancada como antes.
Ao ser empurrada para dentro, da porta tenho a visão de Yudis vestida casualmente, com uma blusa larga de mangas caídas e por baixo legging, os cabelos em uma única trança passada pelo ombro esquerdo e presa por um elástico. Ela está sem maquiagem, o que é bem peculiar de se ver, e uma aparência de quem acaba de chegar a um funeral.
Senhor Ardiloso ela segura na mão esquerda.
— Toc-toc — ela sussura, ainda parada na soleira da porta, dando uma batida leve na mesma. — Há espaço para a nossa Yudis aí?
Dessa vez é o Pandinha quem fala. Não consigo esconder um sorrisinho. Eu assinto, me afasto para o lado da parede e ela senta do meu lado com as pernas esticadas. Ergo a coberta, lhe convidando a entrar, Yudis aceita e ambas nos encostamos na cabeceira, nos submetendo a um fatídico silêncio por longos minutos.
Escolho ficar olhando para as minhas mãos que para os olhos da minha amiga. Sei que a decepcionei, que a magoei. Só não sei o quanto. E é isso que mais me dói, que tenha destruído o que havia de bom com eles por um efêmero momento de instabilidade provocado pela bebida.
Eu estremeço ao contato hesitante de sua cabeça no meu ombro, e exalo bem devagar quando a sinto fazer o mesmo antes de cobrir uma das minhas mãos com a sua e entrelaçar nossos dedos sobre o colo.
— Fiquei com tanto medo de perder você, Igh... E me senti tão mal por ser uma amiga horrível assim. Como não percebi antes?
Eu nego com a cabeça, baixo o olhar e a encontro me encarando de volta.
— Você não é uma amiga horrível, Yudis. É a melhor que eu poderia ter. Eu só... Estava um pouco bêbada naquela noite e não pensei nas consequências.
— E pensou nisso antes? Ou na gente? No quanto significa para nós?
Desvio o olhar, um pouco chateada. Como ela pode dizer algo assim?
— Já disse, estava bêbada. Pessoas bêbadas tendem a pensar em coisas idiotas. Elas fazem coisas idiotas, devia saber disso.
Yudis se afasta de mim e vira o corpo de modo que estamos encarando uma a outra agora. Ela não solta minha mão, pelo contrário, intensifica o aperto.
— Igith... Tem certeza que só a bebida que te fez agir assim? — Estou prestes a fazer que sim, mas, hesito, segundos depois, assinto. Ela não se conforma e isso começa a me deixar incomodada. — E se... E se caso não estivesse bêbada... — Ela para de falar, pensa um pouco, engole em seco e pergunta: — Você acha que está deprimida, Igh?
— Yudis — eu a alerto, soltando sua mão. — Não estou deprimida, estou bem. Foi só um dia ruim. Todo mundo tem um dia muito ruim. Vamos só parar de falar nisso. Não quero que todas as minhas conversas se resumam ao acontecimento de sábado a noite. Por favor...
Ela suspira, e torna a se recostar na cabeceira, a cabeça apoiada novamente no meu ombro.
— Tudo bem. — Não há ânimo nenhum quando ela fala. — É só que, me dói demais pensar que você poderia não estar aqui hoje. É sufocante esse sentimento. Imaginar que alguém que amo tanto cogitou desistir de respirar.
Meu peito aperta, e a culpa começa a se fazer presente novamente ao passo que sinto o tecido do meu pijama ser molhado pelo que parece ser suas lágrimas. Um nó se forma em minha garganta, me sufocando, tamanho o baque que é entender o significado dessas palavras.
Pois é basicamente isso, faz anos que não me sinto viva. Eu só respiro, a um passo de apenas vegetar. Mas isso não quer dizer que desejo morrer, Sábado tive um equívoco. Nada mais que isso.
— Eu estou aqui, Yudis. Estou aqui...
— Mas não estaria se ele não tivesse te encontrado. E não consigo me conformar que... Poxa, eu destesto isso — Yudis funga, depois, não consegue mais se controlar e torna seu choro mais audível, induzindo o meu a começar. Pela terceira vez só nessa manhã. — Com quem iria tirar a minha foto favorita no dia da nossa formatura? Quem iria compartilhar planos de uma viagem a Espanha comigo, hein? Para onde iria quando tudo estivesse uma merda na minha vida se não confio em mais ninguém senão em você? E nem fale na minha mãe porque ela não cobre o espaço que você tem no meu coração, ela tem o dela. O seu é seu. Ninguém pode cobrir porque você é insubstituível para mim.
Cada conversa com eles após a noite de sábado é um golpe diferente em mim. É a realidade de quem fez besteira caindo sobre os ombros. É o momento no qual a abraço e peço desculpas por ser tão impulsiva.
— Desculpa. Me desculpa. Eu não estava pensando direito.
— Então me prometa que vai falar comigo se estiver confusa algum dia. Por favor. Sei que não sou a melhor do mundo quando se trata de conversas sérias, mas darei o meu melhor, por ti. E se afaste do álcool, ele não te faz bem, Igith. — Eu faço que sim, sorrindo um pouco ao seu tom de brincadeira na última frase.
— Prometo.
— Promete o quê?
— Prometo ser menos impulsiva e não beber quando os pensamentos forem confusos.
Yudis suspira próxima do meu ombro. Eu suspiro próximo ao seu. Ficamos caladas por um tempo na mesma posição, lágrimas secando no rosto nesses minutos. Até eu ser a primeira a sussurar em voz muito baixa:
— Eu te amo, Yudis. Me perdoe por isso.
— Eu também te amo, Igith. E te perdoo por isso.
Quando nos afastamos, Yudis observa a cortina fechada e o quão escuro o quarto está. Ela faz uma leve careta e se levanta com objetivo aparente.
— Seu quarto está com uma áurea mórbida. Mais que o normal, quero dizer. — Ela vai até lá e afasta as cortinas para os lados, depois, abre as próprias janelas e deixa que o ar fresco areje o quarto. Minha amiga segue até ao banheiro e leva um aromatizador com cheiro a flores e o borifa pelos cantos. Agora sou eu quem faço careta quando ela volta até mim assim que devolve a garrafa no lugar e me dá um sorriso de quem fez um grande feito. — Prontinho, muito melhor assim.
— Você sabe que não precisava fazer isso, não sabe?
Yudis volta a se jogar do meu lado e concorda com a cabeça.
— Sei. — E continua sorrindo para mim. — Que horas são? — Busco pelo meu celular em baixo do travesseiro e não o encontro, olho para a cômoda e nada dele. Nesse instante me apercebo que não faço ideia de onde ele possa estar desde sábado.
— Acho que perdi meu celular.
Seus olhos castanhos fitam os meus como se estivessem me julgando. Yudis não consegue compreender como posso ser tão alheia ao meu próprio celular. Ou como simplesmente não gosto de mexer nele.
A morena procura pelo seu dentro do Senhor Ardiloso e depois estreita um pouco os olhos para mim.
— São nove. Já comeu alguma coisa?
— Não. Não sou tão faminta quanto você.
— É, não sabe o que perde. — Zomba ela. — Saiu ao menos dessa cama hoje?
— Para escovar os dentes, sim. — Ia tomar um banho, mas a preguiça venceu. Só não irei falar isso para ela.
— Nossa, como você é inacreditável. Vamos, tem que se alimentar.
— Sem fome.
— Quase nunca sente.
E ela me leva para o andar de baixo.
[...]
— Está precisando de ajuda, vovó?
Assim que entramos na cozinha me arrependi totalmente de tê-la seguido. Vovó Yame preparava alguma coisa na bancada, portanto, estava de costas para nós e agradeci muito por isso. Me sentei a mesa que relativamente aos finais de semana, hoje a comida está em pouca quantidade. Me servi de suco segundos depois, apenas para desviar a atenção da ansiedade que era conversar com minha avó agora.
Yudis está parada atrás dela, olhando por cima do seu ombro o que a mais velha está fazendo. Sei que ela tem noção da minha presença, e me magoa muito que não dê a mínima para mim.
— Não se incomode, querida. Terminei por aqui. — Nesse instante, Yudis recebe uma ligação, e é tudo o que menos precisava.
— Um segundo. — E se afasta da cozinha a cretina.
Faço o possível para me concentrar no meu suco quase intocado e evitar me sentir constrangida somente por saber que agora vovó Yame está olhando para mim. Eu rezo, rezo muito para que Yudis volte, e quando isso acontece, quase digo amin, caso a bendita não tivesse outros planos.
— Ai, me desculpem as duas. Minha mãe está precisando de mim. Estarei de volta tarda nada, prometo. — Perante o meu olhar preocupado Yudis pede desculpas silenciosas também, beija minha bochecha e aceita o convite de vovó para almoçar em nossa casa.
— É a refeição favorita de vocês. — Complementa a mais velha. Yudis se empolga e pisca para vovó antes de sair.
— Ah, pode apostar que volto.
E depois a cozinha parece pequena demais para comportar duas pessoas. Ficar com a minha avó nunca pareceu ser tão desconfortável quanto agora. É como se o ambiente estivesse pesado demais para ser suportado, e estou prestes a jurar não olhar para ela até ouvir um pigarro e cometer o erro de encará-la. Vovó está com uma taça de porcelana nas mãos, mexendo algo dentro dela com auxílio de uma colher, quando se aproxima, me passa a taça. É aveia. Eu amo. E vovó sabe disso. Lágrimas idiotas se formam nos cantos dos meus olhos e quase sorrio para a mais velha ao tornar a fitar seus olhos castanhos.
— Obrigada — eu digo em um sussuro. Ela não me responde, mas vejo sua testa franzir quando experimento a comida e as lágrimas descem de uma vez. Nem sei por que estou tão emotiva. Só não posso negar que é a melhor papa de aveia que comi em tempos.
Permanecemos em silêncio. Eu comendo e ela me observando fazer isso, o que não permite o ar tenso sumir tão depressa. Decido que deveria tentar uma vez mais, a ver se consigo saber se ela ainda está muito chateada comigo ou se é apenas uma greve de quem fala menos.
— Isso está delicioso — e não estou mentindo. Posso não estar com tanta fome, mas não anula o sabor da comida. Vovó não diz nada novamente, ela de recosta na bancada e suspira. Eu suspiro também. Deixo a colher na taça e não deixo de encarar o conteúdo dentro dela quando pergunto, meio hesitante: — Está chateada comigo, vovó?
Penso que ela não irá me responder por tanto que demora a articular algo, portanto me volto em sua direção e a tristeza dá um tapa na minha cara ao vê-la negar com a cabeça, inconformada.
— O que esperava, Igith? Que ficasse feliz por ter quase perdido minha neta?
Baixo a cabeça, envergonhada demais para continuar mantendo contato visual com ela.
Ouço outro suspiro, mais derrotado que frustrado.
— Acreditei que seria mais prudente que isso, Igith. Considerei que tivesse pensado na nossa conversa e no que significava para sua vida. Coloquei fé em ti, e ponderei que talvez fosse analisar melhor a situação, que não jogaria fora o tanto que lutou para chegar até aqui. Mas aí, num passe de mágica recebo a notícia de que a minha menina quase se jogou do terraço da escola.
Vovó parece muito chateada comigo, e não julgo, ela tem muitas razões para isso.
— Estou muito brava com você, Igith. Muito mesmo. E cansada de dizer que não precisa sempre lutar suas batalhas sozinha. Sua família está aqui para isso, para te servir de apoio quando não consegue se manter de pé e nunca deve esquecer disso.
Permaço calada por alguns segundos absorvendo suas palavras. Novos tapas. Engulo em seco tudo que não queria ouvir.
Então era sobre isso a rosa e os espinhos... Alguma vez entenderia aquela analogia se não me tivessem explicado? Eu sei que sou lenta em entender as coisas, e com essa, certamente começo a me convencer de que estou beirando a burrice.
Será que ter esse entendimento anteriormente teria mudado de algum modo as minhas decisões?
— Eu lamento, vovó. Eu estava equivocada, e... Bêbada. Eu bebi mais que o necessário. Foi isso.
— É exatamente isso Igith! Você sempre tem uma desculpa diferente para o seu problema. Sempre sabe como camuflar a verdade que está bem diante dos seus olhos. Estou farta de te apoiar e oferecer peneiras para esconder sua realidade.
— Do que está falando?
— De você não estar bem e querer fingir que sim. Cometi um grave erro em ficar passando a mão na sua cabeça desde pequena como se isso fosse acabar com os seus problemas, e acho que está na hora de parar com isso. Portanto, espero sinceramente que aceite a sugestão do seu pai e comece a fazer terapia.
Meu lábio inferior treme ao passo que novas lágrimas se formam em meus olhos.
Até ela?
— Vovó, por favor...
— Não estou para negociar nada com você, Igith. Quero que tome uma decisão certa para você mesma uma vez nessa vida. Por você. Caso contrário, não espere que eu haja normalmente contigo. Pois está fora de questão. — Então, suspira. Parece muito determinada a tornar reais suas palavras e isso tudo me assusta. — Preparei o café da Bursinha. Leve a bandeja até ao quarto dela, vocês precisam conversar. Ela ficou magoada demais com o ocorrido.
Era só o que faltava. Agora minha avó impôs uma condição absurda para voltar a falar comigo. Maravilha.
Como você é inacreditável Igith.
Tento comer uma vez mais, mas apetite é a última coisa que tenho no momento. Frustrada afasto a tigela para longe e o suco também, levo as mãos ao rosto e sufoco um grito.
Como eu detesto isso.
Nem cinco minutos se passam, Ur entra na cozinha enquanto ainda veste a camiseta dele, viro minha cabeça para poder olhar para ele que parece cansado. Meu irmão vem até mim e deposita um beijo no topo da minha cabeça. Eu lhe dou um simples sorriso ao vê-lo seguir até a geladeira e tirar de lá um batido de coisas verdes. O garoto se serve em um copo e estende para mim, me limito em negar com a cabeça porque sei que o gosto daquilo é péssimo. Ele dá de ombros e toma um gole do conteúdo antes de se recostar no balcão e me dirigir um olhar calmo.
— Então, como se sente, Igh?
— Tirando o fato que papai está me pedindo para fazer terapia, que vovó Yame não está interessada em falar comigo até que eu aceite essa sugestão e que toda conversa que tenho com alguém se resume a besteira que estive prestes a cometer, está tudo bem comigo.
— Bom, você devia ouvir o que ela diz nesse caso. Sabe muito bem que as ameaças da nossa avó não são tão vazias quanto as do nosso pai. — Infelizmente eu sei.
— Também vai me dar sermão? — pergunto em um tom cansado, pegando na bandeja que está do lado dele.
— Não faz o meu tipo dar sermões. — Ele responde tranquilamente. — Mas é sério, pense bem nisso. O que aconteceu não deve ser mais um assunto na nossa família colocado para debaixo do tapete.
— Eu vou pensar, prometo. — Caminho até a porta e antes de seguir afirmo: — Antes preciso enfrentar Bursüm.
De frente a porta da minha irmã eu respiro fundo vezes seguidas antes de bater. Bursinha está chateada comigo. Eu sei disso. A forma como agiu ontem diz tudo. Suas palavras disseram tudo.
Ela me odeia.
E mesmo assim eu bato na porta. Três vezes seguidas sem ser respondida. Quando tento uma vez mais, um aperto no peito surge mediante suas palavras.
— Eu não quero ver ninguém, respeitem isso por favor. — Ela não grita, sua voz é um contraste de tristeza e frustração. Respiro fundo uma vez mais e hesitante abro a porta. Quando põe os olhos em mim, ela fecha a cara, camuflando a tristeza com a caranca. Uma pena que cara de choro ninguém consegue esconder. — Muito menos com você, Igith. Não quero te ver e nem falar contigo.
Eu engulo em seco suas palavras, magoada demais para rebater.
Bursüm abraça um dia travesseiros e me dá as costas ficando de frente para a parede.
— Eu vim deixar a sua comida apenas — que idiota. Pede desculpas, sua tola. — Vovó Yame pediu que eu viesse...
— Obrigada, feche a porta quando sair. — Diz secamente, mas sei que está chorando porque seus ombros tremem em um ritmo metódico.
— Bursüm...
— Não, Igith. Não tente se desculpar por ter desejado pular de um prédio. Porque se tivesse acontecido, ninguém estaria aqui fazendo isso por você. Foi uma egoísta e agora acredita que pode pedir desculpas e tudo irá passar. Estou com raiva de você por achar que essa era sua única opção. Não consigo absorver isso, então, por favor, vá embora porque não quero dizer o quanto não estou gostando de você nesse momento.
Eu assinto meio contrariada, deixo a bandeja na mesinha de cabeceira e limpo as minhas lágrimas. Nem tento dar um beijo nela, tenho certeza que receberia com repulsa. Somente digo adeus e nem recebo outro de volta.
Começo a me martirizar novamente pela minha péssima decisão assim que estou passando pela sala e me nego a chorar outra vez, principalmente ao ouvir vozes vindas da cozinha que me deixam ainda mais desanimada.
Era só o que me faltava. Pessoas vindo saber como foi que tentei me suicidar.
É Zilena e seu irmão Aslan. Eles estão sentados à mesa e conversavam sobre alguma coisa até notarem minha presença e se sentirem na obrigação de se manterem calados. Aslan sorri para mim, eu o ignoro e me sento ao lado do meu irmão que está de frente para Zilena.
— Olá Igith, viemos visitar você. — Diz Zilena como se fosse alguma novidade. É claro que vieram fazer isso.
— Obrigada — sou curta, mas grossa mesmo que sem querer. Acho que isso faz parte de mim de algum modo.
— Como você se sente? — Aslan pergunta para mim. Sei que ele não tem o mínimo interesse em saber da resposta e que está apenas bancando o vizinho preocupado e educado. Certamente seus pais os mandaram até aqui para saber das novidades.
— Bem — nem forço ânimo ou algo assim, o que torna o ambiente ainda mais tenso e constrangedor até o meu irmão sentir a necessidade de acabar com isso.
— Quer que eu ajude você agora? — Ele se curva para a outra garota. Suponho que esteja voltando ao assunto que tratavam antes da minha chegada.
— Adoraria — a morena assente, visivelmente interessada nessa ajuda. Ur se levanta e ela também. — Aquele carro está me dando muito trabalho.
— Veremos o que se passa com ele. — E ambos saem da cozinha, deixando eu e um cretino no mesmo espaço.
Não gosto nem um pouco de Aslan. E quando digo que ele é um cretino, estou falando sério. Detesto como ele se acha o dono do mundo, ou como pensa que tudo que quer ele pode ter, ou como é covarde a ponto de quebrar o vidro de um carro novo e botar a culpa em uma menina de dez anos, no caso, eu. O detesto desde aquele dia, guardo um rancor imensurável por ele. Temos somente quatro anos de diferença, mas nunca me arrependi de ter batido nele dias depois de ter sido liberada do castigo no qual fui colocada pelos meus pais.
E ele também não me suporta. Mas finge suportar, porque nunca aceita que alguém o deteste.
Penso em voltar ao meu quarto e deixá-lo sozinho com sua arrogância. Mas sei que isso inflaria o ego dele por acreditar que sua presença me incomoda. O que é verdade, ele é insuportável. Mas também não quero lhe dar o gosto de sentir que sou fraca a esse ponto.
Portanto fingo que ele não está aqui e mexo no esmalte que sobrou em minhas unhas. Enquanto isso, meus pensamentos me levam a Querin e sobre onde ele poderia estar hoje.
Sei que é estudante, e descobri que trabalha. Não sei de seus horários, sendo quase final de ano me pergunto se estaria na faculdade ou então em um lugar diferente.
— Por que quis se matar, Igith?
Eu ergo o olhar até encontrar suas íris azuis, a tonalidade deles somente me irrita ainda mais e me faz gostar menos da pessoa dele.
— Você é muito incoveniente, Aslan. — Eu me levanto, sigo até a pia e me sirvo de um pouco de água. — E isso não devia ser da sua conta.
Ele se levanta também, se aproxima de mim lentamente com o semblante altivo e passa os cabelos negros para trás de maneira sexy.
— Ah, é sim. Estou um pouco curioso... — ele começa a ficar muito próximo de mim. Não dou sequer um passo para trás. — Está sem motivos para continuar viva, mocinha agressiva?
— Respeite o meu espaço pessoal — eu aviso, apertando os dedos em volta do copo. Ele ergue a sobrancelha sugestivamente.
— Ou o quê? Vai me bater como fez quando criança?
É uma boa opção.
— Vai embora, Aslan. Você não se preocupa comigo, eu te destesto e sabe disso. Não tem mais por que se obrigar a permanecer aqui.
— Ainda não respondeu a minha pergunta. — Ele para de vir até mim, eu engulo em seco e o fito seriamente. — Está sem motivos para viver, Igith?
Não sei o que dá em mim, mas jogo toda água que sequer toquei para cima dele. Aslan fica pasmo e muito irritado comigo. Ele avança como se fosse fazer alguma coisa e por impulso abro totalmente uma das portas semi-abertas do armário suspenso sem aviso prévio e o garoto bate com tudo o nariz ali. Faço careta, embora esteja me sentindo muito bem por vê-lo berrar uma maldição e se afastar com a mão cobrindo a região afetada.
— Ups? — Eu murmuro, cobrindo a boca com a mão.
Agora sim eu tenho motivos para viver.
— Você é doida? — Ele se reluta a chorar na minha frente e percebo que a situação está feia quando se volta para mim e vejo sangue pingando por entre seus dedos. — Tá vendo o que fez?
Eu me afasto dele e volto a sentar na mesa, bem longe daquela situação horrorosa.
— Você pediu. — E dou de ombros sem remorsos.
Nesse momento Zilena entra na cozinha, e, confusa, encara o irmão até assumir uma postura preocupada.
— O que foi que aconteceu aqui?
Aslan me fuzila com os olhos, ainda tentando estancar o sangramento. Eu dou de ombros e olho com cara de incocente para ela.
— Ele bateu na porta do armário quando ia buscar água para mim. — E aponto para a porta aberta. Zilena não parece acreditar muito em minhas palavras, mas ela me ignora por um tempo e ajuda seu irmão a sentar em uma das cadeiras. Apesar de mais nova, ela parece cuidar mais dele, do que ele, dela.
— Tem uma maleta de primeiros socorros? — Faço que sim. Não me movo até vê-la me encarar com insistência, um pedido nada sútil para que eu vá pegar.
— Eu trago.
— Obrigada.
Quando estou de volta, Yudis está compartilhando a cozinha com eles. Entrego a maleta para a garota que pediu e volto a me sentar do outro lado.
— Puxa vida, isso está feio mesmo. — Yudis comenta a medida que Zilena tenta fazer o curativo. Aslan revira os olhos para ela e a irmã tem que alertar para que ele fique quieto umas tantas vezes.
— Zilena, vem aqui um momento. — Ur diz entrando na cozinha. — Feriu bonito, hein Aslan. — Aslan está prestes a mostrar o dedo do meio quando Zilena lhe encara de cara feia. Ele desiste e se deixa afundar no assento.
— Pressione o algodão aí, não solte. Volto logo.
E com a visão de Yudis falando ao telefone um pouco distante de nós, eu me aproximo dele e sussuro:
— Não me provoque, Aslan. Minha vida não é da sua conta. Fica na sua que eu fico na minha. Se não me cutucar, eu não revido. Caso contrário, faço questão que dá próxima vez seja seu braço a ficar quebrado e não esse seu nariz feio.
Ele me olha furioso, bufa frustrado e desvia o olhar. — Eu te detesto.
— É recíproco.
Eu agi feio quando a vida me garantiu que não tinha mais para onde ir
Eu vi que errei quando abri meus olhos e todas consequências do meus atos contemplei
Eu me contorci, se de dor e ou de pavor nem eu mesma pude distinguir
Era tanto o remoroso e a mágoa e a sensação de uma ferida aberta que por tanto tempo me garanti não existir
Mas então naquele momento, com a rude queda da realidade para cima de mim, eu aceitei, tinha que ser, pois não poderia e nem deveria mais fugir
Dinazarda
Oi bonitinhos, tudo bem com vocês?
Eu sei que andei muito sumida nessas últimas semanas, e tiveram dois motivos para isso. Um: fiquei bloqueada por alguns dias, travada nesse capítulo em especial. Dois: essa semana foi de provas e a anterior passei me preparando para elas.
E para compensar o tempo que fiquei sem postar, fiz att de quatro capítulos seguidos, uma vez que estou pensando em dar um tempinho na obra para finalizar a minha outra que também está em reta final.
Sim, Marcas do Passado também está quase no finalzinho. Estão faltando apenas 8 capítulos para serem postados, contando com o epílogo, é claro.
Bom, é tudo por hoje. Espero que tenham gostado e nos vemos no próximo capítulo ^^.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top