017.5

Se passa uma semana desde o ocorrido de sábado, o qual todos tem tentado falar pouco sobre após eu tê-los pedido domingo à noite para que não tocassem no assunto até que eu esteja realmente pronta para isso - algo que eu tenho para mim que não vai acontecer tão cedo assim, não quando ainda me sinto tão péssima de tentar verbalizar. - Consequentemente fazem seis dias que eu não tenho contato com a minha melhor amiga, apesar de já ter conversado com a tia Banu um pouco em um desses dias; e venho também aprendendo defesa pessoal com Querin. Tal que acaba se tornando basicamente as duas horas mais boas e cansativas que eu tenho durante o dia.

Boas porque descobri que eu gosto muito de passar tempo com ele e praticar artes marciais é bom demais; e cansativas, pois quase sempre que aprendo uma técnica nova eu me sinto quebrada fisicamente, mas não a ponto de vencer o caos que se instala em mim nas horas que se precedem aos treinos.

Eu venho faltado a escola nos últimos dias e posso admitir que fico impressionada com a minha capacidade de esconder isso dos meus pais. No início, nos primeiros dois dias, eles permitiram as minhas faltas uma vez que as provas finais eu já tinha realizado, e nos dias posteriores foi só inventar que me atrasaria um pouco e agradeci por eles nunca terem me levado a escola desde que entrei no ensino médio.

Mas minha avó sabe das minhas faltas. Ela sempre está a par de quase tudo sobre mim, e como a sua recuperação tem acontecido melhor que o esperado, a mais velha tornou a fazer pequenas atividades para se reabituar a rotina.
Ela não critica a minha falta de vontade de ir para a escola, se preocupa mesmo com a minha falta de atenção com a comida ultimamente na mesma medida que se mantém a par da alimentação do meu irmão nos últimos dias.

Dizer que Ur está ansioso para a formatura seria um mero eufemismo para se referir a sua situação. Sôfrego talvez seria a palavra ideal para o estado dele referente a sua formatura. O garoto não faltou sequer um dia nessa véspera, pois para além dessa ser a semana na qual recebemos os resultados das nossas notas anuais - tais que não tenho muita curiosidade de saber -, ele tem praticado junto de outros finalistas para a celebração da cerimônia.

Querin me deu uma folga nos treinos hoje, portanto eu pude dormir um pouco mais e quando acordei e me certifiquei que todos já tinham saído de casa, calcei minhas pantufas e desci as escadas rumo a cozinha deduzindo que muito provavelmente quem está em casa é Bursüm que a estas horas ainda se encontra enterrada dentro das cobertas e vovó Yame, a qual presumo estar no jardim admirando suas plantas ou... Saindo da cozinha com um pequeno vaso com petúnias em mãos, na cabeça um lenço no mesmo tom anil da sua bata longa, cobre seus cabelos grisalhos pouco mais crescidos que o normal.

Eu travo no terceiro degrau faltando. Ela abre um sorriso preguiçoso para mim e ergue levemente a sobrancelha.

- Quer dizer que a senhorita não pensa mesmo em ir para a escola?

Levo a mão ao peito e faço que não.

- Tanrim büyükannem! - Meu Deus, vovó! Eu praguejo, pasma. Ela ri. - Quer me matar do coração?

- Do coração não! Eu devia mesmo é dar-te uns belos tapas no traseiro para ver se você aprende a ser mais responsável. Se você passar de ano é pura sorte, pois para além de faltar a escola eu sei das suas notas e olha lá, ein.

Eu encolho os ombros e desvio o olhar descendo os últimos degraus que sobravam. Vovó Yame sorri para mim.

- Eu fiz o que pude e espero que seja suficiente. - Quando ela assente, eu me aproximo e beijo sua bochecha com calma antes de seguir até a cozinha definitivamente e quase engasgar de maneira estúpida por não esperar que alguém estivesse lá, sentado a mesa com a concentração posta naquele mesmo bloco de notas que eu o vejo escrever diversas vezes, até não estar mais olhando para o caderno e sim para mim.

Eu enrijo de imediato e forço um sorriso perante ao que ele me dá antes de escapar do seu olhar e seguir até a gaveta e pegar na minha caneca favorita ali no armário. "I hate Coffee", é a frase que está personalizada nela. Uma vez, Ur voltou de só Deus sabe onde, me encontrou sentada no sofá e colocou a caneca ao pé de mim e disse: "toma, recebi isso por aí". Não nos falávamos muito na época, porém, ironicamente foi essa mesma caneca que me fez começar a amar tomar café e desde então não a troco por outra.

Eu me sirvo da bebida quente e diferente do primeiro sábado que notei a presença de Querin no mesmo espaço que o meu, a tensão não é grande, mas me incomodo que ele está tão calado quando me sento algumas cadeiras da dele e sopro ar lenta e impacientemente sobre o café a fim de arrefecê-lo um pouquinho antes que o tome.

Bato a ponta das minhas unhas contra o material de porcelana e as outras contra a mesa. Cruzo e descruzo as pernas ainda vestidas em pijama com estampa de bolinha e meu Deus, essas estampas parecem tão infantis.

- Por que falta à escola, Igith?

Ergo o olhar de súbito, os olhos cemicerrados. Querin não está mais escrevendo, porém a ponta da caneta está pressionada no papel como um indício de que ainda pretende continuar sabe-se lá o que está fazendo.

Eu tomo um gole de café. Quase suspiro de tão delicioso que está.

- Não sinto vontade de estar lá. Essa semana não tem muita importância também. Estou unindo o útil ao agradável apenas.

Querin ergue uma sobrancelha mediante ao meu comentário, maneia a cabeça de leve e depois sorri sutilmente.

- Não teme perder o ano?

- Não - afirmo e bebo mais um gole. - Posso não ter as melhores notas do mundo, mas eu sei que nem de recuperação irei ficar. Fui bem nas provas.

Querin assente e volta a se concentrar no bloco de notas, escrevendo ele diz:

- Gosto quando você sabe o que dizer.

Sem perceber eu meio que sorrio levando a caneca aos lábios outra vez, bebericando lentamente da minha bebida eu me pergunto por que insisto em me manter inquieta enquanto ele está tão calmo ali do outro lado da mesa.
Meus pés não param quietos, a cada segundo um se sobrepõe no outro tanto como minhas unhas tamborilam a minha xícara, o vidro da mesa e logo vão a minha boca depois de tanto tempo que me esforcei para as deixar crescer nos últimos dias.

- Está inquieta por quê, garota ruiva?

Eu o encaro de olhos arregalados e para disfarçar torno a tomar mais café antes de limpar a garganta e mentir na cara dura.

- Não estou inquieta.

Ele nega com a cabeça, solta uma única risada nasalada e aponta em minha direção com a caneta. Como ele percebe que eu não entendo sua intenção ao fazer tal gesto, o garoto deixa seus materiais em cima da mesa e vem a até mim como quem não quer nada.

Ai meu Deus, ele está vindo até aqui, ele está se sentando bem do meu lado. Droga.

Te controla, Igith. Te controla.

Mas quase perco o controle e esqueço outra vez como se respira quando Querin ergue a mão e a leva aos meus cabelos amarrados sem desviar o olhar do meu. Eu abro e fecho a boca uma e duas vezes e pareço que vou explodir de vergonha com o sorrinho que ele me dá segundos depois pelo nervosismo que não consigo esconder ao apoiar firmemente as mãos em cada lado da cadeira antes de apertar os olhos mediante ao toque cuidado de seu polegar na minha bochecha.

Ai meu Deus, o que é isso?

Ouço uma risadinha. A mão se afasta de mim e logo depois:

- Igith - eu abro muito os olhos, tensa. Ele ainda está sorrindo para mim e me acho muito idiota quando arrasto a minha cadeira um pouco longe dele o fazendo gargalhar. - Acalma essa respiração, não é como se eu fosse te beijar.

Não sei como é possível arregalar tanto os olhos e eles não saltarem das orbes. Poxa, eu não suporto olhar para ele mais. Sinto a temperatura do corpo subir gradativamente e enterro o rosto nas coxas de uma vez.

- Aí meu Deus - murmuro apressada -, então não me olhe assim! O que espera que eu pense?!

- Nossa, me desculpa. Estava apenas querendo tirar isso do seu cabelo, acredito que você não tenha visto - ergo o olhar, ele está mostrando um pedaço de folha seca para mim. Nossa, como eu consigo tornar tudo constrangedor quando estou com ele.

- Nossa, como isso foi acontecer? - Eu torno a ficar ereta e bato na minha própria testa, afundando um pouco na cadeira. Querin dá de ombros, mas não deixa de sorrir.

- Os treinos lá no jardim devem estar afetando você a ponto da garota esquecer de passar escova nesses cabelos. - Querin se atreve a bagunçar os meus cabelos e dou uma risadinha, me permitindo relaxar ali. Ficamos em silêncio. Eu o encaro e ele me encara também. Sorrio. - São lindos.

Ele diz, mas eu ouço: você é linda. E é o suficiente para o meu sorriso aumentar.

- Você acha? - Ele faz que sim, a distância entre nós parece estar a encurtar a cada segundo.

- Tenho certeza, você não acha? - Eu prendo a respiração e faço que não lentamente.

Nós estamos muito próximos um do outro.

- Igith - eu assinto e espero. Espero pela sua continuação, paciente. Mas ela não vem, não quando somos interrompidos pela entrada súbita de Yudis na cozinha.

- Igith amiga... - a garota trava ali perto da porta, a boca semi-aberta de espanto se curvando em um sorriso torcido. - Ops... Me desculpem, vocês.

Querin faz novamente aquela expressão de apertar levemente os olhos e coçar a nuca meio envergonhado. Depois se levanta e enfia as mãos nos bolsos, lançando um olhar breve para mim como se pedisse confirmação de que está tudo bem entre nós. Eu somente assinto antes que ele se dirija a minha amiga.

- Oi Yudis - sou a primeira a dizer, o tom baixo e meio abrorrecido.

- Tudo bem Yudis? - Ela faz que sim e sorri para ele. - Vou deixar vocês a sós, conversamos depois Igith.

Eu aceno para ele e logo após ponho minha atenção nela, a minha amiga, agora sentada no banco onde estava sentado Querin.

- Minha nossa, o que foi isso garota?

- Isso o quê, Yudis?

- Não se faça de tapada que você não é a cabra-cega, Igith. O que está acontecendo entre vocês? Rolou o que estou pensando que rolou?

Eu reviro os olhos, me remexo na cadeira e então, bufo.

- Não está acontecendo nada, Yudis. Tire esse sorrisinho do rosto porque não rolou que quer que seja, e pare de pensar besteira.

Ela solta uma gargalhada cômica.

- Awn, eu amo você apaixonada!

- Não comece, por favor. - Yudis ri, tira a mochila das costas e a deixa em outra cadeira antes de tornar a me encarar, suspirar e dizer:

- Está bem, eu não vim falar sobre isso. Quero mesmo conversar com a minha melhor amiga. - Vejo em sua expressão que ela está ficando hesitante a cada segundo que passa as palmas das mãos pela saia de uniforme com estampa xadrez em verde e preto, a qual sobrepõe suas meias-calças da mesma cor que a blusa de uniforme branca. - Eu vim pedir desculpas a você.

Eu franzo a testa, confusa de verdade.

- Mas por quê?

- Por ter achado que você mudou por não querer mais tanta aproximação minha. O pensamento foi de que estava sendo chiclete demais. - Ela murmura olhando nos meus olhos, um sorriso triste toma posse dos lábios de ambas.

- Nossa, você não devia ter pensado nisso nunca, nunca, nunca. E mesmo que eu tenha dado muitos motivos, saiba que jamais passou por minha cabeça algo do gênero. Eu amo sua amizade, Yudis. Amo você por nunca ter desistido de mim quando teve diversas oportunidades para fazer isso.

Seu lábio inferior treme, lágrimas começam a se formar no canto dos olhos decorados com rímel e delineador.

- É que foi tão repentina a sua mudança. De um dia para o outro você já não queria mais brincar comigo, não queria mais fazer festas de pijama, não queria sair do quarto e muito menos estar próximo de pessoas. Eu imaginei tantos cenários que podiam estar te afastando de mim, e nenhum deles foi o de alguém destruindo sua infância sem sentir peso na consciência. Nenhum deles foi do meu tio destruindo a pessoa que você costumava ser.

Há culpa na voz dela, nas palavras dela, na lágrima que desliza por sua bochecha... Yudis quer tomar uma culpa que não a pertence e eu a impeço quando me aproximo e a abraço com calma.

- Não se sinta culpada por quem ele é, Yudis. Não é responsabilidade sua nem a de ninguém carregar a culpa por um ato cometido por uma pessoa como ele. Vocês são a minha família e detestaria ficar distante por causa de Gāni. Nós não merecemos isso.

Eu tento me manter forte, mas por dentro, mais um pedaço de mim parece escapar entre os meus dedos. Mais uma parte minha caí quando lembro de tudo e ainda assim os convenço de que tudo vai ficar bem, mesmo que eu não acredite nem um pouco nisso. Eu tenho lutado por uma causa que ainda não sei qual é; em cada madrugada que tenho pesadelos com Gani gemendo no meu ouvido. A cada vez que eu tomo um banho e fico minutos tentando me esforçar a afastar a imagem das mãos dele em mim.

Tem tudo sido muito difícil, mas isso eu não digo a ninguém. Talvez porque não queira tornar as coisas ainda mais piores do que já estão e consequentemente essa acaba se tornando também uma péssima decisão minha por acreditar ser capaz de mais uma vez lidar com tudo isso sozinha.

- Eu vim pensando muito sobre como viria aqui para falar contigo. Tive muito medo de te perder, muito mesmo, Igith amiga. E perceber o quão você foi forte nesses anos me encorajou a passar direito por aqui e te dizer que quero estar aqui por isso também, para ser forte junto com você. Sempre.

Suspiro trêmula. Ela funga e eu digo:

- Eu senti esse medo também, tão forte quanto. E sabia que nunca vou abandonar você, Yudis. Prometo.

- Eu te amo Igith. Você é a melhor vizinha amiga que eu poderia ter. - Então nos afastamos e olhamos uma para outra com carinho.

- Eu também amo você, bobinha.

Quando Yudis olha para a sua esquerda, de súbito a garota se levanta e vai ao outro lado da mesa. Curiosa sigo seus passos com o olhar até estar negando com a cabeça perante as intenções dela em pegar no caderno que Querin deixou esqueci ali mais cedo.

- Mi-nha, nos-sa - ela murmura pausadamente, desliza até sentar naquele assento e ergue o olhar para mim, sorrindo maliciosamente agora. - Você sabe o que está escrito aqui, Igith amiga?

Tudo em mim se abalou no instante em que o choque de realidade chegou

Não estava preparado para esse momento de devastação, que consigo trouxe: muito medo, dor e um pouco mais de auto depreciação
E como forma de te acalmar e enfatizar o "eu estou bem", eu finjo dar um sorriso e monto estratégias que me façam acreditar que esta luta ainda sou capaz de suportar
Embora bem lá no fundo tudo grite a plenos pulmões o que agora em mim está errado
Eu ignoro, digo que tudo bem e continuo me fazendo estupidamente de tapado

Dinazarda

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top