011: Hoje vocês irão ouvir

Sinto que estou prestes a explodir.

Em meio a esta ausência de palavras nossas interrompidas pelo choro inconsolável da minha mãe apoiada pelo seu marido eu fico me perguntando por quê?
Simplesmente não consigo compreender o estado deles. O que me frustra e me faz perder a calma na velocidade da luz.

Por que se sentem tão mal apenas hoje que vêem Bursüm fora do quarto se até ontem nenhum deles sequer pronunciava o nome dela?
Essas lágrimas falsas me fartam, suas atitudes imprudentes e negligentes me levam ao extremo da minha paciência, mas acima de tudo... Me magoam mais do que eles podem imaginar.

- O que foi agora, mãe? - indago baixo, punhos cerrados ao lado do corpo. - Se sente mal por ela ter te regeitado? O que esperava, ein?

Minha mãe não remove a cabeça do peito de papai. Ela parece arrasada soluçando feito criança conforme o mais velho firma o aperto em torno do ombro dela e me encara muito, muito sério.

- Igith, por favor... Não é o momento para isso.

Eu solto um ar de descrença, me voltando por segundos para outra direção. Querin está lá, me encara impassível escorado na bancada da pia. Só que hoje minha atenção não é para ele. É toda para estes dois, os meus pais. Aqueles que eu não me lembro sequer da última vez que eu disse um eu te amo.

- Engraçado que para vocês nunca é o momento! Vamos ser francos pai e parar com essa farsa de família perfeita que se reúne para jantar as sete da tarde como se não houvessem problemas nela.

Papai empurra uma cadeira para trás e ajuda sua esposa a se sentar lá, a qual não me encara e está mais dispersa das coisas que falo do que qualquer outro aqui.

- Ei, o que está acontecendo aqui? - Eu reviro os olhos a entrada súbita de Ur precedida da minha avó. Ambos perdidos na situação.

Senhor Onur agora está me encarando duramente, as sobrancelhas quase unidas e maxilar tenso.

- Eu falei para parar por aí, Igith. - Acho inútil que ele tente me parar, pois tudo o que ronda a minha mente agora é: acabe logo com isso. - Não vê como sua mãe está?

- Não viu como a Bursüm ficou? - Eu devolvo, firme.

- Igith... - meu irmão decide que é a hora de intervir. Porque nosso pai está frustrado comigo. As veias salientes no pescoço exposto demonstram isso, as mãos fortes pressionadas no rosto também.

É inevitável, porque eu também estou chateada com todos eles.

- Não! Hoje vocês irão me ouvir, porque realmente estou exausta de carregar isso dentro de mim por tantos anos. Sempre foi assim: Igith chega, Igith pare, Igith não fale... Igith, Igith e mais Igith!

Eu declaro, fitando cada um deles. Até a minha mãe que no momento, ergue a cabeça das mãos e entre cabelos espalhados nas bochechas me encara de volta, decepcionada.
Enquanto meu pai cerrava os punhos tanto quanto eu. E Ur, inexpressivo, encarava o chão. Muito contrariamente da minha avó, que puxou uma cadeira ao lado de mamãe sem deixar de olhar para mim a espera da minha continuação.

Ela não me reprova, nem me incita a continuar. Apenas me olha fixamente, pois parece entender que dessa vez eu não consigo me controlar. Tudo o que digo a seguir, tudo que sai da minha boca, pesa tanto para mim quanto para todos eles.

- Vocês entendem como foi difícil guardar os vossos segredos? Entendem como foi doloroso e complicado fingir que não presenciei aquelas situações? Foi uma maldição dia após dia tentar me convencer de que não me magoa viver nesta família. - Eu continuo, brava, magoada, o peito esmagado pelo choro que ainda há de vir.

Ninguém me responde, todos me encaram, ombros encolhidos e egos feridos.

Fungo pela primeira vez, a garganta apertada. É uma droga que isso ainda me doa. Uma droga que não podia ter sido diferente. Que eles não podia ter agido diferente.

- Não, eu tenho certeza que não sabem. - sentencio. - Não sabem porque não foram vocês que tiveram de presenciar a secretária do papai sentado no colo dele. Não foram vocês que tiveram de se deparar com mamãe banhada em sangue escorada na parede do quarto, cortes nos pulsos e coxas causados por ela mesma. E muito menos foram vocês que presenciaram Ur, o meu irmão mais velho, implicando com uma garota por influência de amizades erradas.

"Nunca foram vocês, sempre fui eu! Eu que guardei esses segredos e virei motivo de desordem na família. Sou eu que vivi ouvindo 'não conte para ninguém, Igith'." A esse ponto, eu estou chorando, tensa e muito contrariamente do que pensei, não me sinto leve por ter jogado isso de volta para eles. Estou me sentindo... Péssima. "Não suporto mais essa farsa. E sim, é tudo uma grande desgraça para mim também."

- Vai para o quarto, Igith. - papai diz, o tom de voz baixo e controlado, quase um sussurro camuflando o choro que ele não permite se entregar, diferente da minha mãe que não suportou minhas palavras e agora é consolada por minha avó.

Ur está estático no mesmo lugar ao lado da porta, os ombros largos trémulos e encolhidos, sem coragem de me encarar.
Eu não quero o encarar também, seria ainda mais doloroso porque não entendo esse sentimento de remorso que está se apoderando de mim, juntamente com raiva e desgosto.

- Devia ouvir o seu pai, Igith. Precisa se acalmar. - A voz de Querin se ouve pela primeira vez nesses incontáveis minutos tensos que se passam entre nós, precedido de um toque em meus ombros.

Eu me volto para ele abruptamente, me afastando.

- Não toque em mim! - Eu berro, secando as lágrimas com urgência. - Essa não é a sua família, Querin. Não é a sua família e você tem que entender isso.

E embora eu não tenho tempo de analisar muito bem sua reação as palavras pesadas que acabo de dizer, eu me sinto arrependia de verdade. Ainda mais magoada.
Uma hipócrita e egoísta que não se importa em obecer a ordem do pai desta vez.

- Vai para o quarto, Igith Kefrām. E não saia de lá até segunda ordem.

Passei a noite em branco.
O que já era de se esperar com a briga da noite anterior. Certamente todos devem estar bravos comigo a ponto de nenhum deles ter se dado ao trabalho de vir - ao menos - me trazer comida, uma vez que eu acabei de castigo no final das contas.
E, mesmo que eu não estivesse com vontade de comer alguma coisa, tivi um fiapo de esperança de que alguém, talvez vovó Yame, teria vindo bater a minha porta.

Mas ninguém veio.

Não faço mesmo ideia de como ficaram as coisas por lá depois de terem me ordenado a permanecer no quarto... mas de uma coisa tenho certeza: minhas palavras os machucaram, a todos eles... Até mesmo ao único que não merecia minha raiva naquela cozinha.

O que me leva a pensar que este sentimento me remoendo por dentro é, muito provavelmente, o causador da insónia e das lágrimas que só cessaram as três da madrugada.
E por mais que eu não queria aceitar o remorso crescendo gradativamente a cada segundo que passa, ainda assim eu sinto dor. Também estou confusa e com medo de como as coisas serão daqui em diante.

Eu não queria estar me sentindo assim... Culpada. Em todos estes anos passei a acreditar que se devolvesse tudo o que eles me fizeram presenciar eu estaria livre de parte do peso que sinto. Entretanto não é bem assim, as coisas simplesmente não funcionam desse jeito, ao que parece.

Pois tudo o que eu menos queria agora é ter dito aquelas coisas e acabar com a pouca convivência que nós tínhamos.

É meio dia de Sábado e eu ainda estou trancada no quarto desde que acordei. Deitada na cama de barriga para cima, mirando o teto branco enquanto tento não pensar nas mil e uma coisas que não deixam minha mente descansar.
Lá para as uma da tarde meu estômago reclama de fome, e tenho de rezar muito para que ninguém esteja em casa a essas horas quando eu desço as escadas para preparar alguma coisa para mim.

A sala estava vazia para o meu alívio, mas a cozinha não.

Ur e seu amigo estavam lá. Conversando sobre algo, se alimentando.

Meu irmão não demorou seu olhar em mim no momento em que adentrei o espaço. O seu amigo, pelo contrário, me encarou até certo ponto que decidiu voltar a atenção na conversa que mantinha com Ur como também na sua comida. Foi impossível não sentir o amargo da bile se espalhando pela minha boca. A cozinha estava pequena demais. Desconfortável demais.

Eu caminhei vacilante até ao frigorífico a procura de algo para comer. Perdi meu foco ali e fiquei devaneando enquanto sentia o frescor do frigorífico bater contra meu rosto. Já tinha até me esquecido do que procurava. Eu via alguns potes, algumas tigelas e algumas sacolas, mas nada me fazia lembrar o que eu queria de fato.

Estava mais tensa do que queria.

- Senhora Yame deixou a sua comida no microondas, Igith. - É Querin quem me informa.

Eu assinto, a cabeça baixa. Muito envergonhada.

Não tenho coragem de o encarar por enquanto, nem de dizer sequer uma palavra depois das que disse ontem para ele. O sentimento de culpa e remorso voltam a tona junto de lágrimas dilacerantes surgindo no canto dos meus olhos.
"Eu consigo ser tão péssima" - penso comigo mesma, contando os minutos para levar o meu prato do microondas e subir outra vez.

Eu sei sobre a família dele e ainda assim falei aquela besteira. Sem pensar, como sempre. Fui movida pela emoção do momento. Pela raiva que eu sentia de mim e da minha família. Descontei em Querin também tudo o que eu só queria tirar de mim.

Quando ouvi o piii, eu não me demorei a pegar na taça de porcelana e voltar para o meu quarto, onde nada parecia melhorar.
A cada segundo eu tendia a desmoronar.
Mais e mais afogada em lágrimas.

[...]

Passei praticamente o dia de domingo cercada das quatro paredes que compunham o meu quarto. Quando eu saía para levar algo para comer ninguém olhava para mim. E quando o faziam, eu decidia que o melhor era eles continuarem fingindo que eu sou invisível, pois seus olhares me faziam sentir pequena e miserável.

Até Querin, que embora não me olhasse como eles olhavam, as palavras ditas naquele dia por si só já me crucificavam e me impediam de olhar para cara dele ou ouvir o que ele queria nas duas vezes que o mesmo tentou dialogar comigo.

É segunda-feira, dia da cirurgia da minha avó. Fazem mais de três horas que a mais velha entrou na sala. Estamos todos presentes no hospital exceto a Bursüm que desde sexta se recusa a sair mais do quarto. Yudis mandou uma mensagem de apoio para mim, ela não pôde estar aqui devido a viagem profissional que teve de fazer junto da mãe.

Minha parte egoísta queria lhe dizer que ela estar aqui era algo muito importante para mim, no entanto, a minha parte racional me fez responder a mensagem lhe desejando boa sorte nas fotos que faria no outro estado.

Cada um de nós está no seu canto. Eu mais sozinha que os outros. Pois meus pais estão juntos do outro lado da sala, minha mãe passando a mão nas costas de papai como forma de consolo; Ur e seu amigo parados próximos a recepção enquanto conversam calmamente. E eu estou aqui, isolada ao lado de uma planta mais falsa que a esperança que tenho de que a situação possa mudar de alguma forma. A cabeça baixa, contando os minutos para o fim da cirurgia.

- Ei - eu ergo a cabeça lentamente, encontrando um par de olhos escuros me encarando de volta e um copo descartável de café estendido para mim. - Como te sentes?

Eu aceito o copo de café e sussuro um "obrigada" limpando minhas bochechas.
Querin se senta do meu lado.

- Estou normal. - é a pior versão da minha voz que já ouvi. Baixa demais, sem nenhuma emoção, acompanhada de certa rouquidão. Resumindo, um horror.

Eu sinto o cheiro do café. É forte. Tomo e não gosto.
Tão horrível quanto a minha voz.

- Não gostou?

Eu faço que não e deixo o copo de lado. Não encaro Querin, mas respondo mesmo assim.

- É péssimo. - Eu fungo. Uma e duas vezes. Depois, ouso virar parte do rosto e encarar o garoto do meu lado sob meus cabelos desalinhados na lateral. - Devia voltar onde estava. Seu amigo é o Ur. Ele precisa de você.

Querin encolhe os ombros, comprime os lábios e responde:

- Você também precisa de alguém. - Eu me encolho porque ele tem razão. Porém, meu lado autodepreciativo me diz que não mereço ter ninguém junto de mim. Muito menos ele.

- Eu... Eu vou ficar bem. Pode ir.

E é a pior mentira que decido contar.

Me recuso a olhar para Querin porque a magóa que sinto quando lembro que posso ter magoado todos eles, é grande. É um peso que meu peito tem carregado desde sexta a noite e não some de jeito nenhum, nem que eu tente fingir que ele não existe.
E sinto que é um absurdo esse sentimento, afinal são eles que me induziram a falar tudo aquilo. São eles que me sobrecarregaram ao ponto de eu precisar proferir tais palavras.

- Bom, então se precisar de algo é só falar, garota ruiva. Sabe onde nós estamos.

Eu quero dizer: fica, por favor. Mas minha covardia me faz murmurar:

- Tudo bem.

Se passam mais ou menos duas horas depois disso. O proficional vem ter conosco e nos atualiza sobre como tudo se procedeu. Não houveram complicações o que é um grande alívio para todos nós. Vovó Yame ainda está cedada, então, só poderemos vê-la amanhã e fazer visitas durante a semana que passará hospitalizada e em observação para garantir a estabilidade total dela.

Quando voltamos à casa ainda ninguém fala com ninguém assim como passamos o percurso todo. Num silêncio fúnebre.
Meus pais seguiram até a cozinha, Querin e Ur se responsabilizaram de levar comida para minha irmã enquanto eu subi ao andar de cima.

Atravesso a porta do meu banheiro evitando ao máximo mirar minha imagem ao espelho. Sem desafios dessa vez, apenas com o medo crescente de chorar por me encarar.
Entretanto meus olhos se fixam na caixa de lâminas sob a bancada vernizada da pia. Engulo em seco a lembrança pavorosa das vezes que imaginei objetos cortantes deslizando sobre a minha pele, sem cuidado. Tanto como as vezes que finquei as unhas nos braços em meio a crises.

A diferença entre esses momentos, é que o último já me aconteceu. Tenho marcas leves das minhas unhas agressivas em minha pele, porém, eu nunca ousei me cortar. O que é bom. Muito provavelmente porque isso me diz que ainda não cheguei ao extremo de me decontrolar a esse ponto.
Mesmo que quase tenha acontecido uma vez.

Depois do banho ainda me sinto esgotada. Não consigo dormir nem nada do tipo. Minha mente está uma confusão e tanto, meu coração, nem falo.
Já rabisquei, tentei ler, pintar e até estudar. E minha nossa, eu só consigo pensar no quão exagerada fui com cada um deles.

E isso está criando um peso em minha consciência de modo que se torna um fardo pesado demais para carregar, consequentemente acabo chorando. Tudo o que eu menos queria era me sentir como a vilã da história. Mas acabou que sim, eu me tornei a vilã arrependida da minha própria história. Que no momento não tem sequer noção por onde começar a resolver cada problema que surgiu depois da minha explosiva decisão de levantar o tapete e revelar a sujeira que estava debaixo dele.

Estão batendo na minha porta agora, e pondero correr até lá e trancar ela. No entanto digo para mim mesma que isso não vai me levar a lugar nenhum, por isso eu digo: "está aberta", para quem quer que seja.

Eu estou sentada na minha cama, as pernas cruzadas dentro das cobertas. Meus olhos observando as estampas de gatinhos no meu pijama enquanto ouço a porta abrir.

- Igith - a voz é calma, lenta em chamar meu nome. Ergo os olhos de encontro aos dele, os lábios comprimidos. - Sua mãe pediu que eu te informasse sobre o jantar. Todos já comeram, então... Sobra apenas você.

- Não sinto fome - respondo baixo, voltando a fitar minhas mãos quase encobertas pelas mangas da camisola de algodão. - Obrigada.

Primeiro ouço o som da porta abrindo ainda mais, depois, passos vindo em minha direção, por fim, um peso acompanhando o meu e afundando o meu colchão.

- Como você está?

- O que você acha?

- Quer falar sobre isso?

Quero perguntar: isso o quê? Só que eu sei muito bem ao que ele se refere, por esse motivo encolho os meus ombros e mordo o lábio inferior numa luta interna entre dizer sim ou não.

Nós ficamos em silêncio por alguns minutos, quinze talvez. Eu não lhe encaro, então não sei se o que Querin está fazendo nesse meio período. Nem entendo o porquê ele insiste em falar comigo depois do que eu disse.

Não o magoei também?

Ele não está bravo comigo?

- Por que você insiste em mim? - eu quebro o silêncio no qual nos auto impusemos, sem o encarar.

- Porque muita gente só precisa de uma segunda chance para ser melhor. - ele responde, e sei que me encara porque eu também estou fazendo isso agora. - Eu acredito que você é melhor do que essa garota que diz ser a própria confusão.

Minhas bochechas aquecem em consequência da vergonha que sinto com suas palavras.

- Não está irritado com o que eu disse naquele dia?

Querin nega com a cabeça.

- Não estou irritado, não há motivos para eu ficar. Porém não vou dizer que fiquei muito feliz com o que ouvi, porque não. - Ele está incompreensívelmente calmo quando me diz isso, e eu me encolho mais e mais me sentindo pequena quando sussurro 'me desculpe'. - E você tem razão Igith, essa é a sua família e é responsabilidade sua também ajeitar as coisas quando estão saindo fora do lugar. Há dois dias vocês brigaram, e agora alguém tem que dar o primeiro passo e começar a acertar as coisas, me entende?

Eu faço que não, apertando meus dedos uns nos outros, nervosa.

- Está dizendo que eu tenho de ser essa pessoa? - Indago inconformada, lágrimas se formando nos cantos dos olhos. - Você ouviu o que eu disse naquele dia, pois não? São eles que...

- Você está ficando na defensiva, outra vez. E desse jeito fica difícil falar contigo. - Querin parece que sabe o que irei falar. Ele chama minha atenção e tenho de limpas as primeiras lágrimas que me escorrem antes que eu o encare. - Eu sei que você não está bem com essa situação também. Nem Ur, nem seus pais, muito menos senhora Yame e Bursüm, estão. Então você precisa decidir se quer continuar nisso e manter seu orgulho intacto, ou se prefere ferir seu ego e acertar as coisas com os outros. A decisão é sua, garota ruiva.

Eu não sei o que dizer, me sinto sem direção. Tão perdida que nem uma metáfora perfeita existe para fazer jus a minha situação.
Ergo o tronco, limpo mais algumas lágrimas antes de falar, cabisbaixa:

- Por que tenho de ser eu?

- Você quem jogou a bomba sobre todos, Igith. Eles podem ter te entregado o material todo para criá-la. Mas continua sendo você quem jogou ela, afetando cada um de vocês de forma diferente. E, seria muito responsável da sua parte se começasse a averiguar sobre como os outros estão agora, de verdade. - Ele diz, pausadamente. - Eu entendo que o calor do momento tenha te feito agir por impulso, o que de certa trouxe a tona problemas que vocês precisam resolver, mas antes eu quero saber de você, Igith Kefrām: alguma vez tentou ver por outras perspectivas os motivos que levaram cada um deles a chegar a aquele ponto?

Eu torno a encolher os ombros, pensativa.
Nunca. Essa é a resposta.
Nunca entendi porquê meu pai traía a minha mãe com a secretária, ou porquê ela se cortava pelos mesmos motivos, muito menos porquê o irmão que tanto admirava aceitou bater em uma garota quando estávamos no ensino primário.
Eu os via dessa forma, somente isso. Nunca quis saber se haviam motivos a tudo o que meus olhos me mostraram.

- Eu não sei, Querin... O que justificaria as atitudes deles? Eu não suporto a ideia de que meu pai traía a mamãe, ou então que ela se mutile por causa disso. Não merece. Assim como Ur devia parar de fingir ser um garoto 'perfeito'.

Eu pondero escondendo o rosto nas mãos.

- Eu não tenho a resposta para essas perguntas, Igith. Somente eles podem te dizer os seus porquês. Somente eles podem te mostrar que talvez não são as mesmas pessoas que você flagrou errando anos atrás. Somente você pode decidir se livrar desse fardo de forma sincera consigo mesma.

Quando eu removo as mãos do rosto, elas estão tão molhadas quanto minhas bochechas porque eu estou chorando feito criança. Os ombros trémulos e o estômago fervilhando pelo medo do desconhecido.
Eu estou ansiosa e tensa e com muito medo, pois, de tudo que poderia acontecer neste ano eu não esperava que enfim esse dia chegasse.

O dia em que bateria de frente com uma das sombras do meu passado que tanto afeta o meu presente.
Muito menos que eu permitiria que Querin me abraçasse depois de tantos dias que vim me sentindo sozinha.

- O que eu faço? - murmuro baixo, a voz entrecortada. - Por onde eu começo? - indago outra vez, apertando devagar as mangas da camiseta dele.

- O jardim da senhora Yame. - Ele fala baixo, o queixo encostado no topo da minha cabeça antes que me afaste do seu peito com calma. - Comece por lá.

Uso as mangas do meu pijama para limpar as lágrimas incessantes e quero perguntar porquê tenho de ir ao jardim tão tarde assim, todavia o olhar de confiança que Querin me passa me faz assentir e me levantar junto dele.

Mas eu desço sozinha as escadas assim como dobro o corredor que leva a porta dos fundos. O banheiro do lado esquerdo me trás lembranças de Querin cuidando do meu machucado naquele Sábado e me faz sorrir um pouco conforme abro bem devagarinho a porta à minha frente e surpresa fito papai sentado no banquinho de aço apoiado a acacieira, a cabeça pendida para baixo sob os cotovelos dobrados nos joelhos.

Chorando.


Eu tenho tantas coisa por dizer
Mas se me calo é porque é bem provável que te fariam enlouquecer
As coisas que guardo são na verdade difíceis de esquecer
E duras de se compreender
Então eu finjo ser estável quando as engulo com avidez
Mesmo que toda vez eu queira gritá-las e parar com esta estupidez.

Dinazarda

Arrependa-se💫

Oi pessoal, tudo bem com vocês?
Espero mesmo que sim.

O capítulo onze de Marcas do Passado para além de ser um dos capítulos mais impactantes na jornada de Igith na história, fala também sobre a mutilação.

Não apenas sobre a mãe da protagonista como também dos próprios pensamentos dela mesma a cerca do tema.
Até este ponto da história Igith nunca usou nenhum objeto para se machucar, mas quem já passou por uma crise de ansiedade sabe que por vezes isso acontece, e que é algo extremamente perigoso porque nunca sabemos até aonde somos capazes de ir.

Não é algo bom, e gente, isso só deixa marcas em nossa pele. Marcas de uma época ruím para nós.
É possível superar sim esse desejo crescente de se cortar. Procure por ajuda, principalmente se for a de um profissional.

E se precisar de alguém para conversar, é só chamar que eu estou disponível. Cuidem de vocês.

Beijinhos.

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