Cap. 53 - Nas mãos de Deus!
Era a segunda vez que o Miguel deixava a mesa para atender ao telefone. Eu fiquei um pouco incomodada, mas assim que voltou com os olhos tão preocupados, senti que havia algo errado.
Ele não foi me buscar em casa para almoçarmos, achei melhor nos encontrarmos direto no restaurante. Quando cheguei, bem pontual, ele já estava há minha espera, falando no telefone, mas o desligou assim que eu cheguei.
Não quis me produzir muito, para não ficar tão evidente que queria agradá-lo, mas também não seria interessante ir mal arrumada. Estava na medida certa, pois a maneira como o Miguel me olhou ao chegar e o sorriso aberto, seguido de suas palavras, me deram a certeza que tinha acertado em cheio.
— Rubi, você está linda, como sempre! — foram suas palavras enquanto galantemente puxava uma cadeira para que eu me sentasse.
Após falarmos banalidades e sermos interrompidos duas vezes pelo toque do seu celular, eu já estava me sentindo sem graça, como se estivesse atrapalhando algo importante que ele deveria estar fazendo.
Acho que meu olhar delatou o que sentia, pois assim que voltou para a mesa pela segunda vez, me olhou um momento sem nada dizer, até que por fim suspirou e passou a mão pelos cabelos.
— Raquel, me sinto horrível por estar aqui com você, com o intuito de conversarmos, mas precisar atender ao telefone o tempo todo.
— Não tem problema, eu entendo... — comecei a dizer, mas ele me cortou.
— Tem problema sim. Isso não é nada lisonjeiro para uma mulher, ser preterida num encontro mesmo que por alguns momentos. Eu peço perdão por isso, mas vamos conversar e você vai entender.
Encontro? Minha mente iludida só registrou essa palavra.
Ele suspirou novamente, apertou um pouco os lábios e como se travasse uma luta interna, por fim decidiu.
— Acho melhor eu contar tudo, uma hora você vai saber, então eu é melhor que seja por mim — disse finalmente.
Fiquei aguardando tentando imaginar o que o deixaria tão nervoso para falar comigo.
— Então...você sabe que eu fui casado — ao ver que eu assenti, continuou — conheci a minha esposa através do Rafael, meu irmão. Eles eram muito amigos. Foi praticamente um amor à primeira vista, ela era muito linda e meiga, talvez um pouco mimada, mas até isso a deixava encantadora! — suspirou e eu mantinha a atenção no que ele dizia, vendo o amor em suas palavras e imaginando se um dia eu poderia ser amada assim.
— Nosso namoro foi bem rápido, logo seguido do noivado e casamento. Eu era jovem, tinha 21 anos e estava quase terminando a faculdade de Direito. Ela era caloura em Pedagogia e apesar disso, de termos nos casado tão rápido, tudo parecia tão certo, sabe. No início foi complicado, mas a gente foi se estabelecendo e consegui consolidar a minha carreira. Ela concluiu o curso, mas não quis exercer a profissão, apesar de amar o que havia escolhido.
— Esta parte da história a maioria das pessoas que nos conheceram podem atestar, mas a parte desconhecida começou antes de nos casarmos. A Cecília teve um namorado antes de mim, chamado Joel Dantas.
Neste momento ele parou a narrativa e senti um arrepio quando ele mencionou esse nome. Onde o tinha ouvido antes? Sabia que não me era estranho, mas não conseguia me lembrar.
— Bem, esse tal Joel era um maldito cretino perseguidor — falou com os dentes trancados e de repente me olhou alarmado — desculpe usar este termo com você. Sinto muito, acho que me deixei levar.
Toquei em sua mão sobre a mesa, tranquilizando-o, mas intimamente fiquei comovida por ver seu cuidado comigo, inclusive com as palavras. Ele olhou nossas mãos juntas e quando pensei que ele ia puxar a sua, surpreendeu-me colocando a mão livre por cima.
Ficou por um tempo apenas admirando nossas mãos juntas, ou melhor, a minha mão envelopada pelas suas e eu não quebrei o silêncio, tentando me recompor dos efeitos que aquele conexão trazia ao meu corpo e meu coração, não obtendo muito sucesso.
De repente, seu semblante ficou triste e ele suspirou, soltando a minha mão. Não entendi sua atitude e um sentimento de rejeição me açoitou. Meu rosto, claro, demonstrou tudo que eu sentia e ele percebeu assim que olhou em meus olhos.
— Desculpe, Raquel...
Imagino que nem ele soubesse do que tentava se desculpar e eu reprimi a mágoa com muito custo e fiz um gesto displicente com a mão, como se não fosse nada. Ele ainda tentou dizer mais alguma coisa, mas eu insisti que estava tudo bem.
— Não se preocupe, estou bem, de verdade. Continue o que estava me contando.
Ele ainda me olhou por um tempo, mas anuiu e continuou.
— Onde eu estava? — perguntou fechando os olhos.
— Você dizia que este homem, o tal Joel era um maníaco perseguidor...
— Isso! Sim, ele começou com crises de ciúmes, agressões verbais, depois a limitar suas amizades e até a roupa que ela usava. Aos poucos, ele iniciou a agressão física e sempre chorava arrependido após os ataques. Ela tentou se afastar, mas ele a perseguia, fazendo pressão psicológica. Um dia, ela quase foi agredida enquanto voltava para casa, a gente já estava junto e eu não pude defendê-la - ainda me culpo por isso.
Devagar foi-me apossando um sentimento ruim, o coração disparou e minha mente começou a reproduzir o relato do Miguel, mas de forma que eu aparecia no lugar da Cecília e o agressor era o Jonas. O ar começou a me faltar e eu me sentia presa e desesperada para sair daquele torpor. Uma horrível sensação de afogamento tomava conta de mim e eu temi não conseguir me conter.
Bem devagar tomei consciência de que estava no chão, sendo abraçada pelo Miguel, que acariciava o meu cabelo e beijava delicadamente meu rosto, segurando-me forte. Podia sentir seu coração batendo forte e suas palavras me acalmavam:
— Estou aqui, meu amor. Fica comigo, Rubi, por favor. Estou aqui com você.... Ah, Jesus, me ajuda... Papai, por favor....
Lágrimas rolavam em meu rosto e me movi para olhar o Miguel que estava a ponto de chorar também. Ao ver que eu estava voltando a mim, tomou meu rosto em suas mãos e olhou bem fundo nos meus olhos:
— Rubi, está bem? — ao me ver assentir fracamente com a cabeça, insistiu — está bem mesmo?
Eu me derretia toda vez que ele demonstrava essa preocupação e carinho comigo. Não podia evitar. Meu coração saltava com pequena contrações quando seus olhos fitavam os meus daquele jeito.
— O que aconteceu? - quis saber, confusa.
— Estávamos conversando e de repente você ficou travada, olhos arregalados e sua pele ficou fria...você parecia em pânico e não me ouvia te chamar. Quando me levantei e fui em sua direção...você se afastou de mim, com medo — sua voz tremeu um pouco neste instante — tentou fugir e desmaiou. Fiquei assustado, Raquel, mas o Senhor me deu calma para poder te ajudar a voltar a si. Mas minhas mãos ainda tremem, olha.
Disse isso e me mostrou suas mãos, que realmente tremiam um pouco. Assim que levantei os olhos, percebi várias pessoas ao nosso redor, querendo saber se eu já estava bem. Fiquei muito envergonhada e voltei o rosto em direção ao Miguel, me escondendo em seu peito. Senti que ele ria um pouco, pois podia sentir o retumbar. Ele acalmou as pessoas e sem que me desse conta, me tomou nos braços, fazendo-me fez dar um pequeno grito de susto, mas ele apenas me olhou com aqueles olhos que tanto amo, pedindo-me que confiasse nele.
Fez um gesto em direção ao garçom e saiu comigo em seus braços, deixando-me rubra como meus cabelos. Quando passamos por um casal, a senhora comentou com o marido que homens lindos e românticos como ele estavam em falta, quase morri de vergonha, afundando meu rosto em seu pescoço.
Ele parou um pouco, suspirou e disse baixinho no meu ouvido:
— Rubi, meu amor...não faça isso querida. Ouça o que eu digo... — aí reparei que sua respiração parecia entrecortada e fiquei constrangida.
— Desculpe-me... é que... — tentei formular uma frase, mas não consegui.
Ele riu. De verdade, como poucas vezes já tinha visto até então.
— Não se preocupe. Mas é que já estou fazendo um esforço enorme para não ficar pensando que estou com você em meus braços, sabe... desejei isso por muito tempo, apesar de que em meus sonhos as circunstâncias eram bem diferentes...
— Miguel! — definitivamente meu rosto estava em chamas.
Tentei sair do seu colo, mas ele não permitiu, apertando-me junto a si. Estávamos indo em direção ao estacionamento e vi quando acionou a trava do carro.
— Está me sequestrando, doutor Miguel Bretas? — tentei gracejar para mascarar meu nervosismo.
Ele gargalhou gostosamente e me perguntei se tinha como me apaixonar ainda mais por ele, quando ele com agilidade abriu a porta do carona, colocando-me sentada na poltrona e enquanto me prendia com o cinto, falou bem devagar no meu ouvido:
— Não me tente, Rubi!
Alheio - ou não - ao meu estremecimento, disse que voltava logo e rumou em direção ao restaurante novamente.
Desnecessário dizer que meu coração estava acelerado. Estar com o Miguel me deixava confusa e irritantemente presa a ele.
Ele era muito intenso, pra dizer o mínimo.
Enquanto ele não chegava, fiquei ali repassando nossa conversa e aos poucos fui entendendo o motivo do meu mal estar: a similaridade do que aconteceu com a Cecília Bretas com o que me aconteceu. Ele não entrou muito em detalhes, mas foram situações muito parecidas. Romântico no início, ciúme excessivo, agressões psicológicas e físicas... meu Deus!
Joel Dantas, onde foi que ouvi esse nome? Claro, o Jonas disse esse nome quando falava com a foto... a foto da Cecília!
Coloquei as mãos no peito, aflita, enquanto todas as peças do quebra cabeça se juntavam rapidamente.
Mas ainda faltavam algumas respostas e iria saber com o Miguel se ele as tinha.
De repente, alguém ser aproximou e colocou o rosto no vidro para enxergar melhor dentro do carro e ao me virar, deparei- me com os olhos azuis e frios ... do Jonas ou Joel, tanto faz. O reconhecimento preencheu seu olhar e me assustei com o ódio latente ali.
Entrei em pânico e tranquei a porta do carro pedindo ao Papai para me guardar, quando ele desviou seu olhar do meu e saiu apressado.
Menos de um minuto depois, a porta do motorista se abre, fazendo- me dar um sobressalto. Mesmo vendo se tratar do Miguel, ainda demorei um pouco a me acalmar.
Minha respiração estava difícil, os olhos cheio de lágrimas e eu descobri que ainda tinha medo. Muito.
Ah, Senhor, não quero mais sentir medo!
— Desculpe por deixá-la aqui sozinha, mas eu tinha que pagar a conta e... — neste momento se virou em minha direção e percebeu que algo não ia bem — Raquel, o que houve? Meu Deus, você está tremendo... fala comigo por favor.
Assim que ele tocou meu rosto e olhei em sua direção, joguei- me em seus braços e comecei a dizer enquanto chorava:
— Ele estava aqui... Ele estava aqui...
O Miguel soltou meu cinto e me abraçou forte perguntando baixinho quem estava aqui.
— O o Jonas, ou Joel.... — senti seus músculos se retesarem imediatamente.
Tentou se afastar, mas eu o segurei forte, ainda com medo. Ele então beijou a minha testa, ainda tenso.
— Shiuu, calma. Não vou a lugar algum. Só vou pegar meu celular e fazer uma ligação, tudo bem? Vou me afastar só por um minuto, estou aqui.
Continuou me segurando com um braço e com a outra pegou o celular no bolso e ligou.
— Oi, sim. Você tinha razão, ele esteve aqui. Não, eu não estava... sei. Ela estava sozinha... Pode deixar, vou ficar atento. Ok, até mais.
Não entendi o diálogo naquele momento. Assim que terminou a ligação, olhou para mim, acariciou o meu rosto e suspirou. Seu olhar parecia consternado.
— Vamos, vou cuidar de você — E me deu um beijo demorado na testa.
Fechei os olhos assim que ele colocou o carro em movimento e quando os abri, estávamos diante da sua casa e o Miguel com a cabeça baixa no volante.
Toquei em seu ombro e ele se virou devagar em minha direção. Ainda sem nada dizer, saiu do carro, deu a volta no carro e abriu a preta para que eu saísse.
Estendeu a mão em minha direção e após um minuto de hesitação, retribui e entramos de mãos dadas.
A Dona Diva assim que nos viu entrar juntos, nos olhou emocionada, sem disfarçar que estava satisfeita.
— Diva, a Raquel não estava muito bem, ela teve uma crise nervosa. Trouxe-a para cuidarmos dela.
— Muito bem, fez o certo, meu filho — Voltou-se em minha direção — fico feliz em vê-la novamente, filha, apesar das circunstâncias. Venha, vou lhe servir um chá.
Ela tentou segurar em minha mão para que a acompanhasse, mas o Miguel não permitiu. Eles trocaram olhares e ela deu ia ombros adiantando- se em direção à cozinha.
O Miguel se virou em minha direção, analisando meu rosto.
— Venha, vamos tomar o chá que a Dona Diva vai preparar, em seguida você descansa um pouco no quarto de hóspedes.
Eu apenas assenti e o segui em direção à cozinha. Tomamos o chá e eu não falei muito, apenas observando a interação dos dois.
Lembrei do que havia me falado sobre entrar na cozinha e meu coração se encheu de orgulho por ele enfrentar seus fantasmas e de gratidão a Deus por curar seu coração. Então, no meu íntimo orei para que Deus fizesse a obra completa na vida do Miguel e me ajudasse a enfrentar meus medos também, me curando de todo trauma.
Terminando o chá, fui direcionada pelo Miguel para um quarto de hóspedes, ele gentilmente retirou o meu sapato, afofou meus travesseiros e me cobriu com uma manta. Assim que o fez, sentou-se ao meu lado na cama e ficou brincando com meus cabelos.
— Desse jeito vou ficar mal acostumada, Miguel! Você está me mimando demais hoje... — falei sorrindo.
Por um momento, ele ficou em silêncio apenas me olhando.
— Você não viu nada, Rubi. Meu desejo é te mimar todos os dias, mas... — suspirou e passou a mão pelos cabelos se levantando.
Não entendi seu súbito afastamento, mas talvez fosse melhor.
— Vou deixá-la descansar um pouco. Estarei no escritório.
Apressou o passo para sair do quarto, mas antes que ultrapassasse o umbral da porta, parou e após um tempo parado, voltou-se em minha direção.
— Antes de ir, posso orar por você? — perguntou um pouco tímido.
Me surpreendi com seu pedido e concordei. Ele sentou-se novamente na beirada da cama, tomou minhas mãos entre as suas e orou:
— Papai, quero te agradecer por nossas vidas, pela dádiva de ter colocado a Raquel na minha vida e por tudo que fizeste a nós até aqui. Venha, Senhor, com seu óleo e derrame sobre a vida dela, curando todas as feridas e apagando todas as marcas dos momentos ruins porque passou e trazendo alegria e paz. Desde já agradecemos, amém.
Achei linda a oração que ele fez, pedindo ao Senhor por minha vida, e fui às lágrimas pois há poucos segundos era exatamente o que pedia ao Senhor. O Miguel estava realmente muito mudado do homem quebrado que eu havia conhecido e cada vez que descobria novas nuances em seu jeito de ser, mais feliz ficava.
Deu-me um beijo na testa, piscou e saiu.
Enquanto fiquei ali, sozinha, pensei e pensei muito sobre tudo que estava acontecendo. Será que isso nunca ia acabar, meu Deus? Orei um pouco mais, fechei os olhos e ouvi uma voz dizer baixinho em meu ouvido:
Tudo a seu tempo. Confia em mim!
Aquelas palavras aqueceram meu coração e me trouxe uma paz tão maravilhosa, que dormi um soninho muito tranquilo, nem percebendo quando o fiz.
Ao abrir os olhos, demorei apenas um minuto para me situar e meu peito se aqueceu com o cuidado de Deus comigo colocando o Miguel na minha vida. Poderia me acostumar com aquele tratamento o resto da minha vida. Ri sozinha com esse pensamento.
Devagar sentei-me na cama e agradeci a Deus por tudo. Olhando no relógio digital ao lado da cama, percebi que tinha cochilado por cerca de uma hora. Ao ver os números que indicavam a data logo abaixo, percebi que faltavam apenas três dias para ir para a casa dos meus pais. O tempo que eles haviam me dado estava escasseando. Já tinha resolvido minhas questões na loja que trabalhava, combinado com a Celeste e realizado retorno em minhas consultas. Ainda teria que comparecer a algumas consultas com a psicóloga, mas daria um jeito ou visitaria algum na minha cidade.
Suspirei pensando se o Miguel me pedisse para ficar, o que eu faria?
Balancei a cabeça, pensando que não poderia desacatar um pedido tão direto dos meus pais. Ainda mais considerando tudo o que havia acontecido. Mas eu teria que contar ao Miguel que iria para a casa deles e já sentia meu coração dilacerado por antecipação.
Eu poderia ter o Miguel na minha vida, se não fosse a minha constante desobediência. Era triste constatar isso.
Mas uma mulher sempre pode sonhar.
Fui ao banheiro e ajeitei minha aparência antes de me aventurar nos corredores a procura do Miguel. Ele havia dito que estaria no escritório, só precisava chegar no hall principal, pois já tinha estado lá e seria mais fácil encontrá-lo.
Encontrei o hall sem dificuldade e dirigi-me ao meu objetivo. A porta do escritório estava entreaberta e quando levantei as minhas mãos para bater, ouvi a voz do Miguel. Ele estava conversando com alguém e fiquei sem jeito de interromper.
Apurei um pouco As ouvidos e me surpreendi com o que ouvi:
— Ah, meu Pai, eu a amo tanto, tanto. Mas sei que é necessário me afastar para que possamos estar prontos. Ela não está pronta, eu não estou. Ela precisa se dedicar a esta nova aliança contigo e eu preciso aprender a caminhar nos seus caminhos, preciso aprender a estar na sua presença. Ajuda-me, não consigo sozinho, não posso protegê-la se o Senhor não estiver comigo. Ajuda-me, Papai....
Afastei-me da porta, envergonhada de ouvir seu momento íntimo com Deus. Saí para outra direção e acabei chegando na cozinha, onde a Dona Diva trabalhava com uma massa, com uma desenvoltura de fazer inveja.
Assim que me viu, pediu para que eu me aproximasse.
— Está melhor, minha linda? Eu ia agora mesmo ver se ainda dormia e se precisava de alguma coisa....mas fico feliz que já esteja de pé, sinal que melhorou.
Demorei um pouco para prestar atenção ao que me dizia, com os pensamentos ainda às palavras que havia acabado de ouvir.
— Sim, já estou melhor, obrigada — forcei um sorriso e obriguei-me a conversar — a senhora é muito gentil, Deus a abençoe muito.
Ela riu e parou um pouco de sovar a massa e olhou-me sorridente.
— Deus já tem me abençoado, filha. Sua presença aqui é uma prova disso.
— Não entendi o que quis dizer, dona Diva... — falei me sentando no banquinho à sua frente.
— Sabe sim... a sua presença na vida do doutor Miguel é uma benção muito grande. Foi como uma luz na escuridão em que ele vivia. Fazia tempo que não o via tão feliz.
— É mesmo? Às vezes ainda o acho com o cenho franzido, preocupado.
— Ah, isso é normal, menina. Ele é um homem muito sério, comprometido em tudo o que faz. Por isso se preocupa. Mas ele está feliz, feliz de verdade. Isso deixa todo mundo que o ama feliz e eu o amo como a um filho — pude ver que seus olhos se enchiam de lágrimas.
Antes que eu pudesse responder, o Miguel adentrou a cozinha e apesar de seu rosto mostrar alguns resquícios de choro, ele sorria em nossa direção. Olhei um pouco para a dona Diva e ela piscava enquanto cobria a massa com um pano e a colocava no outro balcão.
O Miguel se aproximou, leve e realmente parecia feliz.
— Vejo que já está melhor... — disse, sentando-se ao meu lado.
— Sim, acordei revigorada. Deus é muito bom!
— Ele é muito bom! — rimos um pouco e fiquei séria para dizer que iria embora.
— Então, Miguel. Agradeço tudo o que fez por mim, apenas Deus poderá recompensá-lo. Mas não posso me demorar, preciso terminar de ajeitar as minhas coisas para viajar amanhã.
Ele pareceu alarmado quando eu disse que ia viajar.
— Viajar? Para onde? Sozinha?
— Calma. Vou para a casa dos meus pais. Prometi a eles que estaria lá depois de amanhã. Mas vou amanhã — baixei os olhos já pensando na distância que ficaríamos e se eu conseguiria esquecê-lo.
— Ahhh sim. Nossa, isso é otimo! — ao ver que me surpreendi com a sua alegria, ele se conteve um pouco — bem, quer dizer, que bom que estará com seus pais e não sozinha. Fico mais despreocupado com isso.
— Está certo.
Ficamos um tempo em silêncio e percebi que a Dona Diva, discreta, havia saído do cômodo nos dando privacidade. Não quis ser a primeira a quebrar o silêncio, com medo de entregar meus sentimentos.
— Então... quando você volta da casa dos seus pais? — perguntou, enquanto mexia com as mãos, sem me olhar.
— Não sei. Na verdade, nem sei se volto. Estou indo embora, Miguel — falei de uma vez e isto pareceu chamar a sua atenção.
— Para sempre?
— Não digo para sempre, mas não é como se fosse estar aqui na próxima semana.
— Entendo. Ah..... eu tenho que confessar que me deixou surpreso. A gente tem algo para colocar em ordem, mas precisamos... nossa, nem sei mais o que estou dizendo.
— Não precisa dizer nada, está tudo bem. Você me leva até o apartamento da Celeste?
— Claro, claro.
Ele parecia desconcertado, pegou as chaves e fomos em direção ao apartamento. A princípio não falamos nada, mas quando chegamos, ele apertou o volante, suspirou e virou em minha direção. Seus olhos brilhantes.
— Não acabamos ainda, Raquel — passou a mão pelos cabelos, nervoso — O Joel ainda está foragido e temo pela sua segurança. Eu não suportaria que algo acontecesse a você, quebraria meu coração... — ao me ver arregalar os olhos, ele continuou — não fique tão surpresa, sabe que há algo entre nós.
Vê-lo assumir tão naturalmente me deixou sem palavras.
— Eu sou um homem, Rubi, não um moleque. Apesar do que sinto, sei que não é o momento para falar disso. São vários fatores que nos impedem de falar disso, viver isso...mas ainda assim sei que continuarei sentindo. E sei que você não é indiferente. Fico muito feliz e....triste ao mesmo tempo por não podermos... não.... você ir para a casa do seu pai será como um teste... para você principalmente, pois eu sei o que sinto.
— Eu também... — antes que dissesse alguma coisa, ele colocou o dedo sobre meus lábios, calando-me.
— Sim, eu sei. Mas Deus nos guiará pelo melhor caminho. E agora, o melhor é você ir. Eu estarei orando por você....pensando em você....você me promete que orará por mim? — meus olhos já estavam cheios de lágrimas que ele gentilmente enxugava — calma, minha pequena, vai ficar tudo bem. Eu não vou deixar de sentir o que sinto, nosso sentimento só vai ser consolidado pelo Papai, não é maravilhoso, isso? Ele vai ajeitar todos os caminhos, inclusive no deserto.
Ficamos ali, um tempo, eu chorando e ele em silêncio. Por fim, com muita dificuldade, sai do carro e fiz um grande esforço para não olhar para trás. Adeus, Miguel, estamos nas mãos de Deus!
*********
Oi gente, demorei um pouco, mas cá estamos.
Na reta final, já já teremos o pov do Miguel.
Beijos
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