Cap. 51 - Mudanças

Durante todo o tempo que o Miguel esteve internado, não tivemos nenhuma oportunidade de estarmos a sós. Tínhamos tanto a falar, mas podia compreender que a sua família precisava desse tempo com ele, depois de quase tê-lo perdido.

Eu era totalmente ciente de seu olhar amoroso, de seu carinho, mas sentia que algo estava faltando.

Vi o quanto sua vida havia mudado e soube que o Ariel o tomou para discipulado e que ambos estavam muito felizes com isso. Quem diria que o Miguel e o Ariel estariam assim tão unidos, inclusive falavam de trabalhar juntos!

Deus tem seus meios e seus planos de trabalhar. Eu estava dedicando a minha vida ao Senhor e logo estaria novamente em comunhão com a igreja. Meus pais voltaram para casa, mas me deixaram ficar ainda alguns dias.

No dia em que o Miguel voltou para casa, tínhamos preparado uma pequena reunião de boas vindas. Ele estava juntamente com o Rafael e seus amigos estavam à sua espera com um faixa de SEJA BEM VINDO DE VOLTA, MIGUEL. Ele demonstrou ter ficado muito feliz, quando seus olhos miraram o rosto de cada um presente ali: Seus pais, o Tiago, Dona Diva, o Ariel, a Celeste e....eu.

Seu sorriso, que agora aparecia frequentemente em seu rosto, sempre me deixava sem fôlego. 

Ele cumprimentou e abraçou a cada um ali presente, deixando-me, coincidentemente ou não, por último. A cada passo que ele se aproximava, eu me sentia apreensiva. Um frio na barriga, como se fosse a primeira vez que a gente estivesse se vendo, como se não tivéssemos nos visto quase todos os dias da última semana....

Mas era diferente. Antes ele estava num quarto de hospital, vulnerável, com a sombra dos últimos acontecimentos ainda pairando sobre as nossas cabeças. Agora, ele estava ali, restaurado, seguro de si, um homem sorridente muito diferente do Miguel que eu conhecia. E eu definitivamente ainda não sabia lidar com o novo Miguel.

Estava ansiosa por sua reação ao ver minha mudança, apesar de dizerem que os homens não reparam em certos detalhes, mas eu creio que ele notará este em específico.

Assim que abraçou a todos, chegou a minha vez. Ele se colocou diante de mim, seus olhos com um brilho de admiração, escrutinando todo o meu rosto e a sombra de um sorriso. Ele então levantou a mão e tocou meus cabelos, agora ruivos, com a cor bem próxima da original. O meio sorriso se abriu mais e ele sussurrou:

— Rubi....- desnecessário dizer que meu coração disparou diante do seu tom rouco e íntimo - estava com saudades de minha Rubi!

O modo como pronunciou Rubi e a forma reverente como tocou meus cabelos me fez ter certeza que ele havia gostado da surpresa. Ele permaneceu ainda um tempo tocando meus cabelos, como que hipnotizado, até que alguém limpou a garganta próximo a nós, quebrando a conexão que havia se criado ali.

Sem ter mais onde ficar vermelha, olhei para os lados e a maioria das pessoas disfarçavam o interesse em nossa interação, exceto duas: Rafael e Ariel. Eles estavam em lados opostos da sala, mas seus sorrisos não deixavam dúvidas que não perdiam um só movimento.

Voltei os olhos para o Miguel, ainda um pouco envergonhada e deparei-me com seu sorriso contagiante, levando-me a sorrir também. Estendi a mão para cumprimentá-lo, mas ele apenas a olhou, piscou e me puxou para um abraço apertado. Sua boca foi direto ao meu ouvido, onde falou para que apenas eu escutasse:

— Preciso de você! - o quê? meu cérebro gritou alarmado e fiquei tensa. Ele apenas riu e percebi que minha boca tinha reproduzido o grito do cérebro.

— O que?

— Preciso falar com você - especificou ele.

— Já estamos nos falando... - quis gracejar e ele apenas balançou a cabeça.

— Não assim... à sós. Precisamos falar de nós.

Disse a última frase quase sussurrada e se afastou agradecendo a todos em voz alta pela recepção. O Ariel tomou a palavra em seguida, convidando a todos para uma oração em agradecimento pela vida e restauração do Miguel.

— Posso me ajoelhar para receber as orações? - perguntou o Miguel.

— Sim, claro.

Ele se ajoelhou e todos nos aproximamos, estendendo as mãos e o Ariel começou a oração:

— Meu Pai, estamos aqui diante da sua presença com o propósito e objetivo de louvar ao Seu Nome por tudo que és e que tens realizado na vida desse teu servo Miguel. Sabemos que tú és quem dirige e conheces as nossas vidas e nossos corações, conheces nosso mais interior e sabes que não temos as palavras adequadas para agradecer e te glorificar como é merecedor. Não somos nada, mas nos regozijamos de termos sidos alcançados pelo seu amor. Foi por Ele que enviou o seu Filho para morrer por nós, e por Ele que tivemos a graça de sermos salvos. Entregamos mais uma vez a vida do Miguel e de sua família em suas mãos, para que o use como lhe aprouver, que seja um vaso de honra em sua presença e um atalaia em sua obra. Nós te glorificamos, Papai, te rendemos graças e louvores porque só tú és Santo e merecedor. Esteja conosco, não apenas hoje, mas para sempre, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Foi uma oração sucinta, mas a intensidade com que as palavras foram pronunciadas afetou a todos presentes. O Miguel se levantou com lágrimas nos olhos e abraçou o Ariel. Sua mãe também chorava e seu pai tinha um pequeno sorriso no rosto. Até o debochado do Rafael estava sério, olhando de soslaio para a Celeste.

Vê-lo assim tão envolvido pelo Senhor, tão aberto ao Amor do Pai, me deixou exultante! Intimamente fiz meu agradecimento ao Pai pela restauração do Miguel.

Vendo-o interagindo com as pessoas tão à vontade, fiquei emocionada e não percebi que alguém havia se aproximado de mim, até que me sobressaltei:

— Agora entendo...Rubi... - voltei-me rapidamente quase derrubando o copo com suco que nem vi quem havia me entregado.

O Rafael estava ao meu lado com aquele sorrisinho dele, que já estava começando a achar muito parecido com alguns que via no Ariel. Revirei os olhos mentalmente.

— Posso saber o que você entende agora, senhor Rafael? - tentei fazer linha dura, mas meus olhos entregavam o meu divertimento.

— Entendo porque o Miguel refere-se a você como Rubi. É por causa dos seus cabelos, são lindos... - aproximou-se mais - o Miguel sempre teve bom gosto.

Franzi a testa e me afastei um pouco.

— Bom gosto? Por causa dos meus cabelos?

— Também - ele percebeu que me afastei e sorriu - vamos combinar que você fica muito mais bonita ruiva do que loira...não que loira fosse feia... - se embaraçou para explicar e eu ri.

— Eu entendi, não se preocupe - ele riu também.

— Como eu disse, o Miguel sempre teve bom gosto. Já falei que gosto de você, né Raquel? - levantei uma sobrancelha e ele levantou as mãos, como quem se rende.

— Calma, calma....eu te fiz um elogio...

— Que tipo de elogio que a fez te olhar assim? - mais um susto, pois o Ariel tinha se aproximado de nós.

— Ariel, quase me matou de susto! -falei colocando a mão no coração.

— Eu só disse a ela que... - não queria que ele continuasse o assunto na frente do Ariel.

— Nada...foi só um elogio e obrigada, Rafael - disse rápido demais aumentando a desconfiança do meu amigo.

Ambos ergueram as sobrancelhas simultaneamente, não pude me conter e revirei os olhos. Tentei me esquivar dando um passo para o lado, mas o Ariel pareceu prever e bloqueou minha passagem. Quando tentei ir para o outro lado, o Rafael imitou-lhe o gesto e me vi encurralada. Cruzei os braços emburrada, tentando parecer brava, mas não fui levada à sério. O Ariel também cruzou os braços e a sobrancelha foi novamente erguida, o cantinho da boca naquele risinho que eu já conhecia.

— Tá bom, tá bom. Chega...eu nunca consigo vencer você!

— Isso! - disse o Ariel com um gesto teatral de vitória - agora me conte o que o Rafale disse.

— Ah, isso eu me recuso. Se quiser pergunte a ele, mas depois que eu sair de perto de vocês - tentei novamente sair de perto deles, mas o Ariel não permitiu.

— De jeito nenhum, Quel. Que graça teria? - ele não percebeu o olhar curioso do Rafael quando ele mencionou o meu apelido.

Revirei novamente os olhos e permaneci com os braços cruzados, enquanto o Rafael contava o que conversávamos, aumentando, claro, o relato insinuando veementemente do interesse do Miguel por mim.

O Ariel fez um gesto displicente com as mãos.

— Mas isso não é nenhuma novidade... - virou-se em direção ao Rafael que mantinha o rosto um sorriso semelhante ao do Ariel - eu já fui alvo do ciúme dele várias vezes...

— Ah, meu Deus! Sabia que te conhecia de algum lugar! Era você um dia no restaurante com a Raquel, não era? O Miguel nem conseguiu almoçar, preocupado com vocês dois na outra mesa.

— Sério? Era você que estava com ele então? Cara, nem te conto. Eu percebi o jeito que ele estava e a maioria dos meus gestos foi intencional.

— Rapaz, você deixou meu irmão uma fera! Na verdade, nem sei como ele suporta sua presença..é muito possessivo em relação à essa ruivinha aí - falou apontando pra mim com o queixo. Foi a gota d'água.

— Espera aí! Ruivinha? - coloquei as mãos na cintura. Não causei nenhum impacto, pois os dois começaram a rir.

Rir de mim!

Antes que pudesse falar mais alguma coisa, fui resgatada por um príncipe! Não o Ariel, mas o meu príncipe! Confesso que até suspirei ao vê-lo se aproximar com o cenho franzido, olhando firme para os dois homens ao meu redor, que trocaram olhares e como a deixa de uma piada muda que só eles entenderam, começaram a gargalhar novamente.

O Miguel segurou em meu cotovelo delicadamente, virando o meu corpo totalmente em sua direção e olhou minuciosamente em meu rosto.

— Está tudo bem? - inquiriu olhando dentro dos meus olhos.

— Sim... eu só estava um pouco desconfortável com a brincadeira dos dois. Posso lidar com um Ariel, mas dois é demais pra mim - fiz um gracejo para retirar o franzido de sua testa e funcionou pois ele sorriu.

E foi um golpe baixo, pois aquele sorriso...

Admirar seu sorriso era um caminho sem volta, pois eu me fixava em seus lábios e..., tirando-me do meu devaneio, vi seu sorriso se esvair aos poucos e ao levantar a vista para seus olhos, vi ali um reflexo do que eu sentia.

Sua mão tocou meu rosto e deslizou tão suavemente que me arrepiou. Mas o momento durou pouco tempo, porque os dois novos melhores amigos gêmeos não nos deixaram em paz, quebrando aquela conexão e sou obrigada a reconhecer, nos impedir de fazer algo que nos deixariam constrangidos.

Ele apenas fez um gesto negativo em direção aos dois, pegando-me pela mão, me levou em direção ao outro lado da sala.

— Para onde está me levando? - perguntei divertida.

— A nenhum lugar específico, na verdade. Só queria ficar longe daqueles dois por um momento.

Passou pela sala e adentramos outro ambiente, uma linda sala de jantar. Não resisti e observei os detalhes das cadeiras, o lustre brilhante bem no meio do cômodo, os enfeites e porta-retratos no aparador. Aproximei-me um pouco mais e vi entre as diversas fotos, uma, apenas uma da esposa do Miguel.

Peguei o porta-retrato e fiquei observando a foto, analisando seus traços, percebendo o quanto ela era linda. Fiquei ali por algum tempo, sem que o Miguel dissesse uma palavra

Ele ainda a amava?

Era uma pergunta que ainda permeava a minha mente. Ele quis morrer por causa dela, não suportando a sua ausência. Meus pensamentos me levaram para muitas teorias, e em todas elas ele ainda a amava. Suspirei.

Assim que o fim, o Miguel se aproximou de mim, os olhos fixos no porta-retratos.

— Esta é a minha esposa, a Cecília - disse baixinho e começou a passar a mão devagar pela rosto dela na foto.

— Era uma mulher muito linda.

Não sei se ele percebeu que havia falado dela no presente e eu havia falado no passado, mas não pareceu se importar.

— Sim, era mesmo muito linda.

Querendo sair daquele momento de nostalgia, coloquei a foto no móvel. Ele ainda a olhou um pouco e suspirou, mirando novamente os olhos em mim. Ficamos ali, um tempo sem nada dizer, apenas nos olhando. Sem saber o que dizer e percebendo que ele também não diria nada, disse a primeira coisa que veio à minha mente:

— Estou com sede...

Ele pareceu ter saído de um torpor, mas dizendo venha aqui e segurando a minha mão, adentramos uma porta que nos levou à cozinha. Desnecessário dizer que era um cômodo amplo, muito bem organizado.

Entramos, ele se direcionou a um armário e tirou de lá um copo, abriu a geladeira e me serviu. Peguei o copo de sua mão, sem deixar de olhar em seus olhos e bebi a água em goles fortes e lentos.

Ele parecia maravilhado ao me ver bebendo água e eu fui ficando vermelha. Entreguei o copo e observei enquanto ele levava até a pia e o colocava lá.

— Tudo bem? Aceita mais um pouco? - perguntou ele, de repente.

— Tudo bem. Estou satisfeita obrigada.

Ele deixou o copo na pia e veio em minha direção.

— Gostei muito da sua cozinha - falei olhando ao redor, elogiando sua cozinha. Seus passos pararam imediatamente, levando-me a olhar em sua direção.

Ele estava parado, com os olhos arregalados, mirando um lugar no chão. Não se mexia, não dizia nada. Fui até ele, preocupada.

— Miguel, está tudo bem? - toquei em seus ombros, balançando-o, mas ele não se moveu - por favor, Miguel, está me assustando...

Ele permaneceu ainda um tempo parado e começou a chorar, abraçando-me. Eu o abracei de volta e fui consolando-o e vendo como ele se acalmava aos poucos. Vi quando a dona Diva adentrou a cozinha e se surpreendeu ao nos ver ali. Ficou um momento parada e ao ver que o Miguel já estava mais calmo, ela colocou a mão no coração e saiu soluçando.

— O que aconteceu, Miguel? - perguntei assim que ele estava melhor.

Ele soltou do abraço devagar, olhou para o chão novamente e voltou seu olhar para mim:

— Já tem muito tempo que eu não consigo pisar aqui na cozinha...encontrei minha esposa desmaiada aqui na cozinha, no dia em que... em que ela faleceu. E olha só para mim agora, estou na cozinha e estou bem...

— Está mesmo bem? Eu presenciei.... - ele me cortou antes que eu pudesse falar.

— Sim, está. Não posso negar que me aflijo por estar aqui, mas é diferente. Não sei como te explicar, mas é diferente. Eu não esqueço o que aconteceu, mas não dói tanto, sabe. Não é uma dor que me consome como antes.

Não conseguiu falar muita coisa, pois logo seu irmão chegou à cozinha, com um olhar orgulhoso, se aproximou rapidamente, abraçando-o. Eu olhei um pouco o abraço fraterno dos irmãos, percebendo que o Rafael falava algo baixo para o Miguel, que apenas meneava a cabeça.

Não quis ser invasiva e saí dali, com o pensamento persistente que Deus ainda estava curando o Miguel. Ele não tinha apenas danos físicos, mas estava ferido no coração e na alma.

A sua mudança estava acontecendo e mesmo que ele não percebesse no momento, sei que em breve ele se daria conta e iria testificar do quanto Deus estava atento aos mínimos detalhes. Ele o estava transformando por completo e eu só podia glorificar a Deus por isso!

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Amores mios! Olha eu aqui de novo!

já estou sentindo um climinha de despedida do livro....mas logo vem aí um capítulo bônus em OQDUN assim que completar 50k (falta pouco) e logo depois de MPP vem o livro do Ariel. 

Mas já estou com saudades do Miguel e da Raquel, apesar deles estarem presentes em PDC tbm...

Beijos, volto na próxima semana, se der eu venho no final de semana.

Cíntia D. 

20/02/2020

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