Cap. 44 - Pelo Vale
Tudo parecia tão confuso...o que o Ariel estava fazendo no apartamento do Jonas? De repente, já não era mais o Ariel, via apenas o Jonas e a Jane rindo ao meu redor, outras vezes não conseguia ver nem ouvir direito, as imagens ficaram turvas diante de mim, ouvia vozes estranhas, às vezes apenas o silêncio. Parecia presa num pesadelo, apertei os olhos para tentar conter a tontura e imagens embaralhadas à minha frente e mergulhei na escuridão.
Após um tempo que não sei mensurar, abri devagar os olhos e já não estava no apartamento do Jonas. Estava escuro e não conseguia identificar um palmo á minha frente; aos poucos me situando comecei a sentir um cheiro forte e olhando ao redor, percebi que estava num lugar que parecia um depósito abandonado, cheio de lixo e fétido.
Várias cenas vinham à minha mente e eu não conseguia me fixar em nenhuma. Tentei me levantar, mas me veio uma forte tontura e uma dor intensa na costela. Quando coloquei a mão no lugar da dor, percebi vários hematomas vermelhos ao redor de pequenos furinhos em meu braço.
O que teria acontecido, meu Deus?
As últimas lembranças eram do Jonas em seu apartamento, seguido da entrada do Ariel, mas pensando bem agora, não tinha tanta certeza que meu amigo tinha aparecido lá.
Devagar, tateei em busca do meu celular, mas não o encontrei. Gemi com dores pelo esforço, mas tentei me levantar. Foi difícil, mas consegui me arrastar um pouco e quase fiquei de pé. Não percebi que alguns carros se aproximaram e homens armados entraram onde eu estava. Com o susto, caí sentada e gemi de dor.
Uma luz muito forte veio em minha direção e coloquei o braço diante do rosto e fechei os olhos.
— Está tudo bem, moça? - perguntou um policial, aproximando-se de mim.
Ao abrir a boca para responder, notei que a garganta estava muito seca, arranhando e imediatamente ele fez um sinal para seu companheiro, que até então eu não tinha visto e começou a falar algo no rádio.
Minha cabeça ainda estava confusa e mal percebi quando chegaram os paramédicos e conversavam comigo, mas não conseguia entender nada do que diziam. Perdi os sentidos e nem sei quanto tempo fiquei apagada, mas quando acordei, imaginando tratar-se de um sonho ruim, vejo-me num quarto de hospital.
Na cadeira ao lado da cama, uma pessoa cochilava. Olhei bem e percebi tratar-se da Celeste. Bendita Celeste!
Ela remexeu-se e abriu os olhos devagar que se arregalaram ao ver que eu estava acordada. Levantou-se de um pulo e apertou o botão chamando algum enfermeiro, aproximando-se em seguida e perguntando se estava tudo bem.
Meus olhos encheram-se d'água ao lembrar parte do ocorrido e ver que havia desprezado uma amiga de verdade e como havia me enganado com a Jane.
Tentei falar, mas a voz parecia não querer sair. A Celeste chorava e agradecia a Deus de forma tão intensa que me arrepiei toda.
— Raquel, oramos tanto por você! Deus realizou um milagre, parecia que você não iria voltar para nós! Foram dias tensos.
— Se-de.
Com muito custo conseguir pronunciar uma palavra e a Celeste se apressou para me dar um pouco de água. Foi difícil engolir, mas tive um imenso alívio ao sentir a água em minha boca.
Logo chegou um enfermeiro e examinando-me rapidamente foi em busca do médico.
— O que...aconte-ceu? — perguntei à Celeste. Ela respirou fundo.
— Acho melhor o médico examiná-la primeiro e depois conversamos.
Quis protestar, mas o médico entrou naquele momento, acompanhado do enfermeiro e mais outra pessoa, claramente de sua equipe. Depois de vários exames, testes, ele sorriu.
— Muito bem, mocinha. Sua recuperação foi excelente, vamos monitorá-la por mais 24 horas e conversaremos sobre liberá-la. Você se lembra do que aconteceu? - ao ver a minha negativa, continuou - tudo bem, é normal você ficar confusa no início, mas como não há nenhuma lesão neural, aos poucos vai estabilizando.
— Então...há quanto tempo eu estou aqui? - perguntei direta. Vi dúvidas em seu olhar, mas mantive-me firme.
— Está há uma semana. Você foi encontrada num galpão abandonado e esteve praticamente em coma durante este período.
— Uma semana? - não imaginei que houvesse passado tanto tempo.
— Sim, uma semana que você foi encontrada. Mas estava desaparecida há cerca de quinze dias. Seus pais estão na cidade, neste momento já foram informados que você está consciente. Eles foram visitar outro parente que está internado.
Minha cabeça deu um giro, eu não sabia mais o que pensar. Quinze dias? O que havia acontecido neste período? Tentei buscar em minha mente alguma lembrança, mas nada vinha...veio-me apenas o olhar confuso do Miguel, como na última vez que nos vimos.
— Cel, me fala por favor o que aconteceu...não consigo me lembrar...- à medida que falava percebia seu olhar aflito em minha direção, sem saber como agir.
— Não sei se posso te contar, amiga. Eu prefiro esperar que você veja seus pais, o Ariel e a gente conversa com calma, pode ser?
Percebi que ela não mencionou o nome do Miguel. Também não falou da prima.
— Celeste, a Jane, ela... - não concluí porque o olhar da minha amiga se encheu de dor.
— Ela ainda está desaparecida.
Desaparecida? Minha mente trouxe flashes da minha chegada no apartamento do Jonas e a presença da Jane lá de uma forma que eu nunca havia imaginado. Fechei os olhos bem forte, mas a cena dela zombando de mim vinha com tudo.
— Amiga, a Jane...ela estava com o Jonas - o olhar estupefato da minha amiga entregou sua surpresa com a notícia.
— Com o Jonas? Tem certeza, Raquel? Ela está desaparecida há uns 10 dias. Meu tio ligou procurando por ela, porque não consegue falar pelo celular, está fora de área. Quando recebemos a notícia....
— Que notícia?
Ela não conseguiu me responder, pois logo a porta do quarto se abriu e meus pais entraram, seguidos pelo Ariel. Não sabia que podiam entrar tantas visitas juntas, mas não ia reclamar.
Assim que minha mãe se aproximou, senti as lágrimas sem parar, era tão bom poder contar com o colo deles! Me sentia tão mal por trazer sofrimento a eles desta maneira, até meu pai estava com os marejados. Já a minha mãe não se segurava e chorava muito também.
— Ah, minha filha, o que fizeram com você? - dizia ela enquanto examinava meu rosto minuciosamente - oramos muito pela sua recuperação. Mas eu quase morri quando me deram a notícia, ainda mais com tudo que aconteceu com as suas primas....
Mesmo em meio às lágrimas, percebi um olhar de advertência do meu pai em direção a ela, que apenas deu os ombros.
— Em algum momento ela terá que saber. Algumas notícias são como band-it, temos que tirar logo, protelar às vezes é pior.
— Que primas? O que aconteceu?
Minha mãe me olhou, seus olhos verdes como os meus ainda úmidos.
— A Sara e a Rebecca sofreram um acidente de carro - diante do meu olhar atemorizado, ela pontuou - mas estão bem. A Sara nem chegou a ficar internada, apenas de observação. A Rebecca sofreu mais escoriações, teve que se submeter a uma cirurgia no abdomen, mas já está melhorando.
Fiquei sem palavras. Minhas primas, gostava muito delas na verdade. Fiquei um pouco aliviada por saber que estavam bem.
— Estão bem mesmo? - insisti - e a Rebecca, está se recuperando?
— Sim, estão. A Rebecca está se recuperando tanto do acidente como do término do namoro...
— Como é que é? - não pude evitar o grito.
— Está vendo, Clara. Por isso que sempre faço para ter cautela. Você vai despejando as notícias assim em cima da menina, ela está frágil...
— Pára de mimar a Raquel, Marconi - ralhou minha mãe. Meu pai apenas revirou os olhos e vi que custava conter um sorriso - Olha só o estado do cabelo dessa menina... cadê aquela cor linda que herdou de mim? Sabia que não devíamos ter deixado você vir pra essa cidade morar sozinha...
Quis ressaltar que não morava sozinha, mas não pude dizer nada, porque minha mãe começou a se lamentar. Sobre meus cabelos, não conseguia dizer nada, por vergonha da vida que estava levando até então. Levantei os olhos procurando ajuda, mas meu pai apenas encolheu os ombros. Olhei em direção à Celeste, mas ela estava com os olhos arregalados fitos na minha mãe. Por fim mirei o Ariel, que a custo tentava esconder um sorriso de diversão.
Ele conhecia muito bem a dona Clara, minha mãe. Apertei os olhos, praticamente implorando e ele enfim resolveu vir em meu socorro.
— Então, tia Clara. Desculpe interromper a senhora, mas eu ainda não dei meu abraço na Raquel...- antes que ele terminasse, ela já tinha se afastado um pouco e concordado com a cabeça.
— Claro, meu filho. Desculpe, mas você sabe como é uma mãe. Bem, não tem como você saber, então...
— Não se preocupe, tia. Eu só vou abraçar minha Ferruginha e ter certeza que ela está bem.
Minha mãe, como não poderia deixar de ser, se afastou um pouco, não muito, claro. Insistia que meu pai me mimava, mas ela era muito protetora. Isso me deixava ainda mais culpada com relação a tudo que havia acontecido.
O Ariel aproximou-se, analisou meu rosto e baixinho perguntou se eu estava bem. Sei que várias pessoas poderiam me perguntar isso aquele dia, mas eu entendo ao que ele se referia. Apenas balancei a cabeça e sussurrando de forma que quase não ouvi a minha própria voz, fiz a pergunta que me corroia desde o momento em que minha consciência ficou alerta.
— Ariel, o....Miguel não veio me ver? - imediatamente seus olhos ficaram preocupados, ele olhou para meus pais, pigarreou e por um momento imaginei que ele ficou sem saber o que me responder.
O Ariel sem palavras? Era inédito!
— Essa sua pergunta não demanda apenas uma resposta afirmativa ou negativa. Precisamos conversar. Mas é melhor num momento em que não haja muita gente, pode ser?
— Sim, por favor. E como você está? - ele sabia a que me referia.
Ele balançou a cabeça, com um pequeno sorriso emocionado.
— Apenas você, Ferruginha, para estar convalescendo num hospital e se preocupar comigo...
Assim que ele abaixou a cabeça, eu toquei em seu queixo, trazendo seus olhos em direção aos meus:
— Eu amo você, sabe disso, não é? - ao ver sua afirmativa, continuei - não tem como eu não me preocupar com você. O amor é assim.
— Ah, o amor. Também amo você, sua doidinha. Amo muito mesmo, quase morri ao saber... poxa, nunca mais faça isso comigo, ouviu?
Sabia que sua reprimenda era um misto de alívio e proteção, mas assenti.
Ninguém me falava do Miguel, sempre que o mencionava para o Ariel ou a Celeste, eles desconversavam.
Mais tarde, receberia a visita de um investigador de polícia, que me fez várias perguntas, insistindo em perguntar se eu era usuária de drogas. Me explicou que haviam recebido uma ligação de um homem dizendo que havia um corpo no galpão abandonado.
Quando chegaram lá, me encontraram machucada, sob efeito de drogas e semi inconsciente. Assim que cruzaram meus dados no sistema, pelas minhas digitais, descobriram que eu estava Desaparecida.
Meus amigos e meus pais foram ouvidos e eu estremeci ao imaginar as provações por que passaram enquanto eu estava inconsciente. Minha cabeça estava zonza porque eu estava sendo drogada de forma intravenosa, sem contar as escoriações e duas costelas quebradas.
Meu caso era muito grave e a equipe médica responsável por mim não tinha muitas esperanças que eu sobrevivesse.
Bem mais tarde, meus pais foram trocar de roupa e descansar um pouco, a Celeste teve que se ausentar e o Ariel ficou me fazendo companhia. Meu primo JM com sua irmã foram me visitar e me contou sobre o acidente da Sara e Rebecca. Elas estavam indo ver uns vestidos de casamento num ateliê na cidade vizinha e foram surpreendidos por uma ultrapassagem negligente e perderam a direção do carro. Explicou que a Rebecca passou por um cirurgia e que havia terminado com o Isaac após ficar consciente. Ninguém sabia exatamente o por quê, mas o JM afirmou que o amigo estava arrasado.
Eu não conseguia acreditar que ela havia feito isso! Eles eram feitos um para o outro, qualquer cego poderia ver isso! Segundo meu primo, eles iriam adiar um pouco o casamento para acalmarem todos os ânimos. Também falou sobre o medo que todos sentiram quando eu desapareci e eu estremecia apenas ao lembrar mesmo que um pouco do que eu havia passado nas mãos do Jonas.
Assim que meus primos foram embora, o Ariel se aproximou com um olhar preocupado. Olhava intensamente em meus olhos, como para se ter certeza que poderíamos ter essa conversa.
— Antes de qualquer coisa, me diz, o que está passando nessa sua cabecinha aí em relação à Rebecca? - perguntei logo de cara. Ele se assustou um pouco.
— Como assim, em relação à Rebecca? Não estou pensando nada.
— Por favor, Ariel. É comigo que você está falando...
— Esté bem - deu um suspiro alto - eu estou pensando no que poderia ter feito a Rebecca ter terminado com o Isaac...
— Mas pensa em ir atrás dela agora que está solteira?
Ele pensou por uns momentos, mas balançou a cabeça negando.
— No início, pensei em ir lá para conversar, mas achei que não seria conveniente, não depois de tudo. E não, Raquel, mesmo eu ainda gostando um pouco dela, não vou seguir meu coração. Ele é enganoso. Ela não é a minha escolhida. Com ou sem o Isaac, isso não vai mudar.
— Tudo bem. Eu acredito em você.
A Celeste escolheu este momento para entrar e estava com o semblante um pouco abatido, o que me fez pensar no que ela poderia ter ouvido. Antes que eu pudesse ponderar sobre isso, ela perguntou ao Ariel se já tinha me contado. Ao vê-lo negar, suspirou e ele disse:
— Vamos contar juntos.
Dito isso, sentaram-se à lado a lado e me colocaram sentada também. Eu sabia que havia passado por maus bocados, mas não conseguia entender porque o Miguel não havia ido me visitar.
Será que tudo que passamos era apenas ilusão da minha cabeça?
Ao ver os olhares apreensivos dos meus amigos, meu coração começou a encolher. Eu sabia do plano de morrer do Miguel e sabia que o Jonas queria machucá-lo....o quanto disso poderia ter acontecido? Será que o Miguel....
Não, nem queria pensar nisso, não poderia suportar. Minha garganta se fechou, meus olhos arderam e eu não conseguia respirar. Ao mero pensamento de que o Miguel não estaria bem me deixou mal.
A Celeste logo chamou uma enfermeira, que me ajudou e meus amigos foram expulsos do quarto enquanto isso. A sensação de aperto no peito e afogamento eram tão fortes que pensei que fosse morrer.
Não demorou muito para o médico vir me ver e deixar terminantemente proibido que me levassem más notícias, porque estava me deixando agitada e não colaborava para minha recuperação.
Não sei o que fizeram, mas um sono muito pesado tomou conta de mim e mal percebi quando meus pais entraram no quarto, pois as minhas pálpebras foram ficando cada vez mais pesadas até que por fim adormeci.
***********
Oi gente,
Estou curiosa para saber o que o Ariel e a Celeste vão contar, mas aposto que vão adorar saber diretamente do Miguel, né?
Então, vamos ouví-lo no próximo capítulo, pois ele está me cobrando ter um ponto de vista nessa angústia toda por qual a Raquel passou.
E ah, por favor, no próximo capítulo estejam preparados, o Miguel vai....
Bjs, fui. Vou postar na sexta o próximo, ok?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top