Cap. 38 - Impactado
Enquanto me arrumava para o compromisso com a Raquel, fiquei pensando na nossa interação no horário do almoço. Todas as vezes que nos encontrávamos era assim: um misto de ternura, com grosseria da minha parte, claro, e sempre com um toque de atração. Ela conseguia tirar de mim sentimentos que há muito eu não sentia e outros que desconhecia.
Após ter gritado com ela por mencionar à Cecília e fazê-la chorar, uma miscelânea de sentimentos que eu não conseguia nomear me invadiram e eu não soube como reagir. Uma vontade enorme de protegê-la de tudo, inclusive de mim, uma ternura imensa que mal cabia em meu peito e uma paixão avassaladora, fora do comum. Toquei em seu rosto pedindo perdão, enxugando as suas lágrimas, olhando em seus olhos e imerso em suas íris verdes tão brilhantes, tive vontade de beijá-la e me entregar ao que sentia. Ainda bem que ela percebeu minhas intenções e foi mais prudente que eu afastando-se.
Porém, eu não ia deixar nossa conexão acabar. Iria com ela à igreja, depois iríamos a uma lanchonete, não sei, mas me esforçaria para ser um cavalheiro que minha mãe me criou para ser. Sendo gentil, cortês, galante.... ri comigo mesmo imaginando o que o Rafael diria se estivesse ali. Vai usar o charme dos Bretas, né irmão? Está mesmo disposto a conquistar a sua Rubi.
Não, não queria conquistá-la. Queria conhecê-la melhor, vê-la sorrindo e nunca mais causar nuvens em seu olhar: essa era a minha meta. Por isso fiz uma pequena manobra para conseguir seu número de telefone sem parecer invasivo. Deixei que pensasse que eu não sabia onde ela morava e pedi para me enviar o endereço por mensagem, entregando meu cartão.
Ah, Rubi! Como você me surpreendia cada vez mais! Trocamos mensagens durante o resto do dia como dois adolescentes encantados e pasmem! Não sentia nenhum remorso, estava muito bem com tudo.
Ao chegar diante do seu prédio, percebi que havia esquecido o número do apartamento. Mandei uma mensagem avisando que já tinha chegado e disse não saber o número do apartamento quando ela perguntou. Enquanto a esperava, encostei no carro e verifiquei a mensagem que havia acabado de receber no grupo da família e fiquei sem entender. Tratava-se de uma paisagem linda e os dizeres: "Com amor eterno te amei, por isso com bondade te atraí". Eu sou o Bom Pastor e dou a vida pelas minhas ovelhas" . Antes que pudesse meditar sobre isso, levantei um pouco o olhar e a vi diante de mim rapidamente e voltei o olhar ao celular. Mas meu cérebro rapidamente registrou sua imagem e tive que olhar novamente. Sem conseguir desviar os olhos, aproximei-me dela devagar e busquei palavras para expressar como ela estava linda, mas nada saía dos meus lábios. Nervoso, passei a mão pelos cabelos e quase a abracei e beijei ali mesmo quando ela sorriu pra mim. Mal me dei conta do que ela me dizia e resolvi cumprimentá-la com um beijo no rosto. Normal. Normal? E o meu coração retumbando forte quando meus lábios encostaram no rosto dela? Realmente eu parecia um adolescente.
Durante o percurso, achei melhor não conversar muito para que aquele clima legal e ameno entre nós continuasse. Ela foi me guiando e eu percebi seus olhares sobre mim enquanto eu dirigia e me perguntava o que ela estaria pensando. Logo chegamos e ao estacionar o carro, um casal muito simpático saía de outro carro e começou a conversar com a Raquel . Reparei que ela ficou um pouco sem graça ao olhar para o rapaz e imediatamente fiquei alerta. Alternando o olhar de um para o outro, percebi que ele a olhava com tranquilidade, parecendo realmente feliz de vê-la. Quando ela mencionou o Ariel, notei que ele ficou um pouco desconfortável, mas logo passou.
Interessante isso. O amigo da Raquel causava desconforto nele também.
Eles conversavam e saindo de minhas divagações, dou-me conta que a Raquel não nos apresentou. Discretamente, toquei em seu braço e ela entendeu, apresentando-nos e pelo visto estava nervosa, pois parece o casal era primo dela, mas ela explicou de uma forma que não entendi bem. Quando se referiu a mim, apresentou-me como amigo e me senti um tanto quanto chateado.
Você é o que dela, além de amigo? Acho que amigo é ainda um gesto magnânimo dela.
Suspirei e quando vi que estávamos transpondo as portas da igreja, comecei a ficar nervoso, a realidade do que estava acontecendo me atingindo como um choque. Não conseguia me lembrar a última vez que estive num templo, nem a última vez que fiz uma prece. Pensando bem, as últimas vezes que falei com.... Deus, foi para brigar e acusá-lo de acabar com a minha vida, levando a minha família. Por um momento me senti um intruso num lugar onde jamais imaginei pisar novamente. Um sentimento de culpa dardejou em meu peito e comecei a me sentir desconfortável. O lugar estava relativamente cheio, à frente uma plataforma onde algumas pessoas estavam sentadas e dentre eles, o tal Ariel. Será que ele era pastor, tão jovem? Ao indagar a Raquel, ela me disse que como era o pregador, ele ficava lá com os pastores. Interessante, o pregador seria como um palestrante convidado, disso eu entendia. Tinha uma espécie de banda, acho que orquestra que tocava impressionantemente bem. Eu nunca fui muito ligado à música, mas estava aprendendo a apreciar com a minha convivência com a Raquel. Suas músicas pareciam ser um bálsamo que me fazia esquecer, mesmo que momentaneamente as minhas dores. Pelo visto não seria tão sacrificante estar ali e pensando nisso comecei a relaxar.
Alguém foi chamado para fazer a leitura da Palavra e logo a Raquel se aproximou com a sua Bíblia para que eu pudesse acompanhar junto a ela e inacreditavelmente não foi a sua proximidade que me deixou abismado, mas o que foi lido era praticamente o que estava na mensagem que postaram no grupo da família e rapidamente o pastor explicou que Jesus era o Bom Pastor. Franzi a testa tentando imaginar a coincidência de ler aquelas palavras novamente naquele dia. Pensei em conferir no meu celular, mas achei que seria deselegante utilizar, mesmo que rapidamente o aparelho numa igreja.
Enquanto pensava sobre isso, a Celeste juntou-se a nós e mal a cumprimentei pensando nas implicações de tudo e achei que não passava mesmo de uma coincidência. Prestando atenção ao grupo que se apresentava, notei que um deles começou a falar que Deus havia colocado aquela canção no coração deles aquele dia e começou a falar sobre meus sentimentos: frustrações, sentimento de fracasso, apatia e desejo de morrer. Continuou dizendo que ele me ama, que sabe da minha dificuldade de caminhar, inclusive de respirar. Arfei, surpreso! Como aquele rapaz poderia saber da minha vida? Será que alguém já havia avisado do que acontecia comigo?
Quem, se ninguém sabia o que eu passava? Se deixava bem escondido todos aqueles sentimentos de perda e morte?
Comecei a me remexer no banco incomodado. A música falava de um soldado que não fora atingido e não conseguia se mexer e o tempo todo era reiterado que ele deveria respirar. Acho que senti uma espécie de crise de ansiedade, pois a medida que a música transcorria, eu custava a respirar. Estava incomodado em demasia, não sabia como agir, remexia-me no banco todo o tempo. Até que o que havia falado antes começou a dizer diretamente para mim: "Em nome de Jesus, o Nazareno, onde tiver depressão, pânico, automutilação, desejo suicida, em nome de Jesus repreendemos agora. Chega de suicídio! Chega de morte, chega! O céu de alcança, o céu te sara, o céu te liberta, em nome de Jesus!"
Senti como se tivesse levado um soco no peito, o ar ficou rarefeito e todas as minhas ações de autocomiseração vieram em minha mente. Fiquei sem saber como agir e de repente me senti traído! Alguém havia falado de meu desejo de morrer, não sei como, mas não tinha como um rapaz que nunca havia visto antes saber dos meus planos suicidas. A raiva tomou conta de mim e sabia que não podia continuar ali. Levantei-me bruscamente e senti o toque da Raquel em meu braço, mas não me deixei levar por seus olhos assustados e saí da igreja.
Precisava de ar, precisava colocar minha cabeça em ordem. Como assim, coincidentemente eu era convidado para estar ali e de repente todo mundo sabia da minha vida? Me senti exposto, envergonhado, nem sei mais, pois tantos sentimentos conflitantes me preenchiam naquele momento..
Como queria ter um trago para me acalmar! Ou uma garrafa de uísque bem ali, na minha mão. Eu sentia uma espécie de dor em meu peito, fazendo-me sentir como um animal enjaulado prestes a atacar alguém e logo vi a Raquel se aproximando. Não consegui me conter e reduzindo rapidamente a distância que nos separava perguntei:
— Que brincadeira é essa, me diz? — quando ela alegou não saber, fui mais além — você me viu vulnerável e ah, não acredito! — será que ela teria falado com alguém sobre minhas crises? — E agora isso, porque tudo parece ser direcionado como se soubessem da minha vida — era demais — ninguém sabe da minha vida!
Praticamente gritei a última frase, mas não conseguia me sentir melhor, pelo contrário.
Ela tentou me acalmar dizendo que ela mesma nunca havia ido naquela igreja e que ninguém sabia da minha vida! Por que eu deveria acreditar nela? Pensei isso e logo expus em palavras, fazendo com ela desse um passo para trás magoada. Ao tentar me desculpar, senti seus olhos incendiados sobre mim, enquanto batia com o dedo . você em meu peito, dizendo com tanta firmeza que me fez arregalar os olhos:
— Desculpar? Eu não sei o que você quer que que diga, Miguel. você me prometeu que viria desarmado — quando eu prometi isso? — de mente aberta e agora sai no meio do culto porque se sente incomodado por Deus falar com você? — arregalei os olhos pela afirmação veemente dela que Deus estava falando comigo — e caso esteja se achando, Ele está falando comigo também, sabia?
Não conseguia entender porque Deus haveria de querer falar comigo se tudo o que eu fazia era afrontá-lo e tentar negar que Ele se importava comigo. Acho que expus meus pensamentos em palavras, pois a Raquel se aproximou, tocando em meu ombro e disse baixinho:
— Se importa sim e muito. Ele te ama de verdade.
Aquelas palavras Ele te ama de verdade reverberou bem fundo no meu peito e um sentimento que não sabia nomear tomou conta de mim, deixando-me vulnerável e sem saber como agir. Queria entrar novamente, mas comecei a temer o que Deus poderia me dizer. A vontade de ir embora e esquecer tudo aquilo estava aumentando a cada momento.
— Não consigo, sabia que tinha sido um erro ter vindo — falei já sem convicção, que começou a cair por terra quando ela pegou a minha mão e me disse que Deus tinha me levado até ali.
Eu queria acreditar que tinha esperança para mim, que havia algo que poderia ser feito por minha vida miserável, mas era difícil. A esperança era algo que eu já havia perdido há muito tempo.
— Não sei. Me sinto morto, seco. Não há esperança para mim — eu queria acreditar que sim, mas não havia nenhuma razão para ter esperança. Estava praticamente morto. Quando perguntei isso para ela, desalentado, ela me disse com tanta segurança que Deus me amava, mesmo eu me ressentindo com ele! Ainda me orientou a abrir meu coração para ouví-lo falar comigo.
Deus falaria comigo, mesmo eu tendo virado as costas para Ele? Mesmo eu o tendo frustrado de todas as formas possíveis? Ah isso, eu queria ver. Ela me disse sobre fazer uma prova com Deus e percebi muita convicção nela ao dizer isso.
Peguei a mão que ela me estendia e voltei para dentro do templo com ela, com sua garantia que se nada acontecesse e eu resolvesse ir embora, ela iria comigo.
Bem, fazer prova com Deus...não deveria ser difícil, né? Conversar com Deus na mente....hmm, mas o que? Eu queria mesmo tentar, a curiosidade sobre ouvir o que Deus teria a me dizer estava me corroendo. Lembrando do que conversei com a Raquel, sobre não ter esperança por estar morto, um tanto sem jeito, fechei por um momento os olhos e falei com Deus, ou pelo menos tentei:
— Se você está mesmo aí e se importa de verdade comigo, apesar de eu mesmo não saber o que estou fazendo aqui, mas a Raquel me disse que há esperança para mim. Eu já estou praticamente morto, me fala por favor se há algo que possa ser feito por mim. Ah, e se não for pedir muito, me responda como porventura pode me amar, assim quebrado, revoltado e te culpando por tudo o que me aconteceu? Obrigado.
Assim que terminei essa prece, ou sei lá o que seria, abri os olhos e olhei para os lados, mas acho que ninguém percebeu. Me senti meio estranho, como se estivesse fazendo algo escondido. A Raquel parecia absorta na reunião e foi um alívio saber que ela não havia presenciado aquela minha... Interação.
Não se passou muito tempo e a prima da Raquel subiu para ser apresentar. Havia algo nela que me fazia olhar intensamente em sua direção e ela começou a falar comigo de um jeito único, repetindo o que eu havia dito tem minha mente há pouco. Arregalei meus olhos, espantado! Não imaginei que iria mesmo acontecer.
Enquanto eu pensava sobre tudo o que estava acontecendo, ela começou a cantar uma canção que falava exatamente o que eu havia perguntado pra Deus: ainda há esperança para a árvore cortada, novamente crescerá.....
O impacto que senti em meu coração ao ouvir aquela música foi tremendo, as lágrimas começaram a rolar, não podia contê-las, algo queimava forte em meu peito e uma sensação de plenitude tomou conta de mim. O que queria dizer? Que apesar de tudo, Deus me amava?
Era tão difícil aceitar, era tão difícil compreender que Ele não fizesse caso de tudo o que eu havia dito ou feito. A Raquel tocou em meu braço e eu a abracei, pedido, sem saber como agir.
A próxima música, nem lembro direito quem cantou, mas duas palavras foram direto ao meu coração, como uma flecha certeira. Achei que não ia parar mais de chorar, até que o Ariel fez uso da palavra e cimentou o restante da minha pequena prece, dizendo que Deus estava mudando a minha história a partir daquele momento.
A miríade de emoções que senti aí, naquele lugar, se agigantavam dentro de mim e por um tempo, não consegui formar uma opinião sobre tudo. Eu era uma homem racional, não era? Conseguiria me tornar um homem, sei lá, espiritual, que sentia e ouvia Deus?
O ardor em meu peito continuava ali intenso e falei com Raquel que eu queria colocar meus pensamentos em ordem. Notei suas mãos inquietas, como se estivesse preocupada e sorri. Essa menina me surpreendia de maneira especial.
Ela me colocou num acordo que entrei sem acreditar, mas já estava começando a sentir o impacto na minha vida. Pelo visto Deus se importa mesmo comigo e eu não conseguia entender o porquê.
Deixei claro que mesmo precisando pensar, ela tinha razão, o que me rendeu um sorriso lindo da parte dela. Senti algo e precisava colocar a mente em ordem para entender tudo aquilo. Fosse o que fosse, só tinha certeza de uma coisa: foi impactante!
*****
Oi gente linda do meu core!
Não sei o que houve, mas tinha publicado o capítulo pela metade. Mas eis que posto agora o restante...rs
Este é o segundo capítulo bôonus e o próximo, no sábado, ainda será narrado pelo Miguelito.
Bjocas para vocês!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top