Cap. 34 - Respira!

— Beca! Que surpresa encontrar você aqui! — abracei a minha prima com alegria e um pouco de remorso por não ter ido visitá-la nenhuma vez, uma vez que já havia meses que morávamos na mesma cidade.

— Sim, digo o mesmo, Raquel! Você congrega nesta igreja? — perguntou e olhou de relance em direção ao Miguel.

— Não, não congrego aqui. Oi, Zac — cumprimentei menos efusivamente o namorado da minha prima, meu primo também e não pude evitar o calor no rosto que com certeza estava vermelho também, pela minha infantilidade em dizer que era namorada dele.

Por que será que passamos por certas coisas? Se for pra gente amadurecer, já aprendi, águas passadas, bye.

— Não congrega aqui? Mas aí a coincidência é ainda maior! Que maravilha! O Zac foi convidado para cantar e como era na cidade, me chamou pra vir com ele.

Olhei para o Isaac em busca de algum olhar recriminador, mas só vi aquele olhar sincero e simpático que sempre direcionou às pessoas, exceto claro, à Rebecca. O olhar que ele direcionava a ela era cheio de amor. Sim, era explícito para qualquer pessoa ver.

— Sim, Beca. É uma coincidência muito boa — raspei a garganta — vim aqui a convite do Ariel, que vai pregar. Aproveitei e convidei o Miguel para vir também.

Imaginei ter visto algo passar pelo olhar do Isaac ao mencionar o Ariel, mas deve ter sido impressão. Senti o toque leve do Miguel no meu braço e lembrei-me de fazer as devidas apresentações.

— Miguel, essa é minha prima Rebecca e seu namorado, Isaac, que é meu primo também, mas não de primeiro grau como a Beca, mas primo, né Zac? E primos, esse é o Miguel Bretas, meu...amigo.

O que estava acontecendo comigo? Estava um tanto sem graça diante do Isaac, mas seu olhar me dizia que estava tudo bem, mesmo eu não conseguindo agir normalmente.

Após mais alguns comentários efusivos, entramos no templo. Notei que o Miguel ficou tenso ao meu lado, enquanto adentrávamos o corredor.

Para não pressioná-lo muito, achei melhor não ficar muito à frente, mas tomando o cuidado de não ficar tão atrás para que ele pudesse fugir.

Será que ele faria isso? Melhor não arriscar.

Ao sentarmos, procurei a Celeste e o Ariel com os olhos, mas não os encontrei, até ouvir a pergunta do Miguel:

— O seu...amigo é alguma espécie de pastor ou algo do tipo? — perguntou

— O que? — virei-me em sua direção tentando entender o motivo da pergunta e vi que ele olhava à frente com a testa franzida e direcionei para lá meu olhar.

O Ariel. No púlpito, impecável. Claro, ele seria o preletor da noite.

— Não, mas como ele é o convidado para ministrar a palavra hoje, ele fica lá juntamente com os demais. Ele é o pregador — falei de modo simples.

Como ele apenas acenou com a cabeça, presumi que tenha entendido.

O templo era muito bonito, apesar de ser quinta-feira, com a presença de muitos jovens. A orquestra tocava com muito gosto e olhando de esguelha para o meu convidado, notei que após a tensão inicial, ele começava a se soltar e parecia apreciar a reunião.

Tentei não focar muito no homem lindo ao meu lado e prestar atenção ao culto, mas estava muito curiosa com sua reação, se ficaria impaciente com o passar do tempo. Sabia que era tudo novo para ele e que a presença dele ali era um grande passo para um homem que não acreditava no amor de Deus para com ele.

Na hora da leitura da palavra, aproximei-me dele para que acompanhasse a leitura comigo em minha Bíblia. Ele leu atentamente, com uma ruguinha nada discreta em sua testa. O pastor leu sobre Jesus ser o Bom Pastor, frisando e pedindo que repetíssemos juntos o versículo 10 do Evangelho de João capítulo 10: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância".

Enquanto era anunciada a equipe jovem que iria apresentar um louvor, a Celeste surgiu em meu campo de visão, acenei pra ela, que veio sentar-se junto de nós. O Miguel a cumprimentou com um aceno da cabeça e continuou atento ao que acontecia no culto.

O líder da equipe jovem tomou o microfone e após cumprimentar a igreja disse:

— O louvor que Deus colocou em nosso coração para cantar hoje não foi por acaso. Queria que prestassem atenção à letra e coloquem as suas frustrações, seu sentimento de fracasso, seu desejo de morrer, sua apatia diante da sua vida, agora, aos pés do Senhor! Ele não quer que ninguém se perca, Ele te ama! Ah, te ama muito e diz hoje que sabe que está difícil caminhar e até respirar, mas Ele está ao seu lado todo o tempo, te amparando, porque Ele tem promessas na sua vida e já está começando a agir. Ouça, abra o seu coração, nosso Pai está falando com você.

O Miguel ao meu lado arregalou os olhos e parecia estático atento ao louvor da equipe jovem, que cantaram com muita unção.

https://youtu.be/L213CYZKV1s

A letra da canção era poderosa, senti meu coração fervendo enquanto a música me preenchia.

"Se não der pra cantar, não canta

Se não der pra orar, não ora

Se não der pra andar, se arrasta

Só não para de respirar"

O sentimento de cuidado de Deus comigo tomava conta de mim, não suportei e fui às lágrimas, perguntando a Deus como Ele ainda se importava comigo, sendo que eu o trocava por coisas tão vãs, efêmeras? Buscava curtir a minha vida, fugia da sua presença e Ele ainda se importava comigo?

Notei o Miguel remexendo-se incomodado ao meu lado e percebi que o líder do grupo jovem estava ministrando e atentei para o que ele dizia:

"Em nome de jesus o Nazareno, onde tiver depressão, pânico, auto mutilação, desejo suicida, em nome de Jesus repreendemos agora. Chega de suicídio! Chega de morte, Chega! O céu te alcança, o céu te sara, o céu de liberta, em nome de Jesus!"

Porém, quando um outro louvor foi iniciado, o Miguel começou a se levantar e eu toquei em seu braço, fazendo-o voltar-se em minha direção e percebi uma raiva mal contida em seus olhos, que me deixou assustada.

— Preciso de ar, Raquel. Por favor.

Acenei com a cabeça e soltei seu braço, tentando imaginar o motivo dele ter ficado aborrecido. O louvor que estava sendo cantado era lindo, falava do amor de Deus e prestando bem atenção, dizia:

"Que amor é esse?

Graça incalculável

Não tem interesse, não quer nada em troca

Tua vontade é boa, perfeita e agradável

Para mim"

https://youtu.be/Bl09QzICZho

Enquanto ouvia, a Celeste quis saber o motivo do Miguel ter saído de repente. Quando dei os ombros, mesmo preocupada, vi que ele ergueu a sobrancelha.

— Ele disse que precisava de ar, Cel.

— E você o deixou sair assim? Ele pode não estar bem, Raquel. Acho que devia ir atrás dele.

— Você acha?

— Tenho certeza. Vai lá.

Ao me levantar para seguir o Miguel, percebi o olhar preocupado do Ariel, sentado no altar. Sabia que se precisasse poderia contar com ele e acenei com a cabeça dizendo que estava tudo bem e saí.

Lá fora, encontrei com o Miguel falando sozinho, passando as mãos pelos cabelos, nervoso. Por um momento fiquei sem saber como me aproximar. Não precisei pensar muito, pois logo ele se voltou em minha direção. Seus olhos estavam em chamas, ele parecia fazer um grande esforço para se controlar.

— Que brincadeira é essa, me diz? — falou rispidamente, aproximando-se de mim e parando a pouca distância.

— Brincadeira? Do que você está falando, Miguel? — não entendia onde ele queria chegar.

— Você me viu vulnerável, ah, não acredito. E agora isso, porque tudo parece ser direcionado a mim, como se soubessem da minha vida. Ninguém sabe da minha vida! — aumentou o tom de voz.

— Calma, Miguel. Não tem nenhuma brincadeira. Ninguém sabe de sua vida, ninguém conhece você aqui. Na verdade, nem a mim. É a primeira vez que venho a esta igreja.

— Por que deveria acreditar em você? — assim que praticamente cuspiu essas palavras, dei um passo para trás, magoada.

Meus olhos se encheram de lágrimas e fiz um esforço para não chorar. Ele percebeu que tinha passado dos limites e fechou os olhos com força, buscando controle.

— Me desculpe, eu....— não o deixei continuar.

— Desculpar? Eu não sei o que você quer que eu diga, Miguel. Você me prometeu que viria desarmado, de mente aberta e agora sai no meio do culto porque se sente incomodado por Deus falar com você? — ele arregalou os olhos — e caso esteja se achando, Ele está falando comigo também, sabia?

— Por que Deus, se é que eu deveria acreditar nisso, falaria comigo? Ele não se importa comigo — disse num tom amargo.

— Se importa sim e muito. Ele te ama, de verdade — falei baixinho tocando em seu ombro.

Ele se voltou, passou as mãos nos cabelos, respirou fundo. Depois encarou-me e vi uma insegurança imensa em seus olhos e senti vontade de abraçá-lo, mas temi ser muito invasiva.

— Não consigo. Sabia que tinha sido um erro ter vindo — não me contive e peguei suas mãos.

— Não diga isso, Miguel. Não foi um erro, Deus trouxe você aqui hoje.

— Não sei. Me sinto morto, seco. Não há esperança para mim — falou baixo.

Toquei em seu queixo e levantei a sua cabeça, fazendo-o olhar meus olhos.

— Sempre há esperança. Principalmente se Deus disse que há.

— Mesmo eu estando praticamente morto?— perguntou cético.

— Sim. E mesmo que você se ressinta de Deus por algum motivo, Ele ainda te ama. É só você abrir o seu coração para ouví-lo falar com você.

— Como?

— Faça o seguinte. Converse com Deus em sua mente, de modo que apenas Ele possa ouvir. Faça uma prova, peça uma prova de que Ele fala com você. Aí veremos o que acontece — nem sei de onde tirei isso, mas falei com convicção.

Ele nada disse, apenas olhou bem fundo dos meus olhos e ao ver que eu não vacilei, acenou com a cabeça.

Estendi as minhas mãos para que ele pegasse, fazendo-o imediatamente e voltamos para o culto. Antes de entrarmos na igreja, disse:

— Se nada acontecer e você ficar frustrado, prometo que irei embora com você assim que quiser ir.

Ele apenas acenou e entramos.

O culto transcorria normalmente, fomos apresentados, o Isaac como cantor convidado e sua namorada, Rebecca. O pastor fez uma brincadeira com os dois e pelo sorriso que o vi direcionar à minha prima, imaginei que eles ouviam muito esse tipo de brincadeira. Lembrei que meu amigo gostava muito dela e olhei em sua direção percebendo seu semblante sério e a cabeça baixa.

Ele ainda sofria por ela.

Sofria calado, mas eu conhecia-o suficientemente bem para saber que ainda doía. Fiz uma anotação mental para falar com ele sobre isso.

O Miguel estava compenetrado e pedi ao Senhor para falar ao coração dele, para que ele pudesse entender que Deus era Deus. A Rebecca recebeu a oportunidade para louvar e sorri lembrando de como ela desabrochou no louvor. Ela sempre gostou de cantar, mas havia algo que a impedia e pelo visto Deus tinha quebrado tudo.

Assim que ela subiu e fez uso da palavra, percebi que o Miguel a ouvia atentamente.

— Irmãos, fico imensamente feliz de estar aqui hoje adorando a Deus com vocês. Deus tem seus meios de agir e preciso compartilhar uma experiência que tive. Eu não estaria aqui neste culto. Sabia da agenda do meu namorado, mas ontem, Deus me tocou e colocou em meu coração um desejo de estar aqui hoje. Não quis falar com o Isaac, pois temi ser apenas algo da minha mente. Porém, pouco depois do almoço hoje, eu senti algo diferente. Não era apenas uma vontade, era uma necessidade. Eu precisava estar aqui e precisava ministrar o louvor que vou cantar daqui a pouco. Quando comentei com o Isaac, ele me confirmou. Eu não ando pela minha própria vontade, mas pela vontade do Senhor.

— Talvez, você  esteja aqui hoje, pela primeira vez e pensando: o que estou fazendo aqui? Pensa que tenha sido um erro ter vindo, mas só digo para abrir o seu coração para ouvir a voz do Senhor falando com você. Deus, que me ama, te ama, me mandou hoje aqui, para ministrar ao seu coração e eu não posso me furtar de obedecer o que Ele me manda fazer. E eu — neste momento, mal reconhecia a minha prima, que falava com uma autoridade vinda diretamente de Deus. Sentia meu coração ferver, sentia um arrepio — eu vim hoje aqui, para te dizer que o Pai, o Filho e o Espírito Santo estão agindo a seu favor, e o Senhor Jesus manda te dizer que mesmo que não queira acreditar, Ele te ama e não vai deixar você morrer! Sim, eu não sei da sua vida, mas Ele sabe, conhece todos os seus planos secretos e sabe como você se sente: caído, derrotado, morto. Mas assim como há esperança para a árvore que foi cortada, mesmo tendo secado a sua raiz, há sim, esperança pra você. Ouça agora o louvor que Deus colocou em meu coração para falar com você, nesta noite.

Em seguida, começou a louvar e eu pude realmente ver que ela não apenas cantava da boca pra fora, ela ministrava com unção e muita autoridade. Em meio àquele sentimento de plenitude que começava a tomar conta de mim, arrisquei um olhar em direção ao Miguel e o vi chorando como uma criança!

"Ainda há esperança a alegria vai chegar

E tudo novamente irá voltar ao seu lugar

A água já está presente, e vai começar regar

Vai ser tão lindo o testemunho que você irá contar

Eu fui uma árvore cortada mais ao cheiro das águas

Vi Deus minha vida restaurar"

https://youtu.be/1UiJfagX6-o

Aproximei-me dele e toquei discretamente o seu braço e ele imediatamente se virou em minha direção, mesmo sentado, abraçou-me forte e começou a soluçar ainda mais alto.

Eita Glória!


****

Gente, o capítulo ficou enorme, deu pra ver né?

Infelizmente não consegui postar todo, o dividi em duas partes. Vamos degustando esse culto maravilhoso, confesso que me arrepiava enquanto escrevia e revia, os louvores foram escolhidos depois de pedir ao Senhor inspiração. 

"Ainda há esperança..." vai ser lindo o testemunho!

Logo vem aí a segunda parte, por favor vão me dando feedback sobre este capítulo, para que possamos melhorar à medida do possível.

Saudades de vcs, bjs. 

PS. meu celular já está a caminho, aleluia! não vou mais estar "desonline". Bjs.

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