Cap. 30 - Cercada de Amigos

Saí da sala do Miguel com grandes expectativas. Antes, porém, convidei-o para almoçar com a Celeste e eu, mas ele declinou, deixando implícito que almoçaríamos juntos, só os dois num futuro bem próximo.

Encontrei a Celeste já pegando a bolsa e percebendo de onde eu saía, ela levantou uma sobrancelha, mas eu fiz um gesto com as mãos que contaria tudo posteriormente.

Como o restaurante era próximo, não conversamos muito durante o trajeto. Mas assim que nos sentamos, ela foi direta ao ponto:

— Raquel, Raquel. Então, vai me contar o que anda escondendo de mim?

Por um momento ponderei se deveria mesmo me abrir com ela, mas estávamos falando da Celeste, não qualquer pessoa. Ela, mesmo no pouco tempo que a conhecia, já demonstrou que é muito leal e amiga. Definitivamente, estava precisando de alguém assim ao meu lado, pois a Jane havia sumido novamente, e era diferente. Com a Celeste eu sentia que podia falar qualquer coisa, que ela não me julgaria.

Respirei fundo.

— Primeiramente, peço desculpas por meu comportamento evasivo nos últimos dias. Eu estava envergonhada — comecei cautelosa. Percebendo que a Celeste não iria me interromper, continuei.

— Não te contei, mas o Jonas esteve no shopping. Ele me mandou várias mensagens querendo conversar, mas eu não queria aceitar. Então o Miguel apareceu e eu fiquei balançada com o jeito que ele me tratava. Achei errada a situação de interesse no Miguel, sem que eu tivesse conversado e encerrado com o Jonas e aceitei me encontrar com ele em seu apartamento.

— Encontrar com quem? Miguel ou Jonas? — perguntou ela, com os olhos arregalados.

Ri sem graça, eu estava falando tudo de uma vez e estava mesmo confuso.

— Com o Jonas — procurei um olhar de recriminação na Celeste e não encontrei, apenas de expectativa — ele estava tranquilo a princípio, mas conforme a conversa ia progredindo foi ficando nervoso, depois me pediu perdão, para em seguida me culpar por tudo que tinha acontecido. Voltou a falar novamente daquele vestido, lembra? Por fim, não sei o que se passou em sua mente porque ele começou a me beijar, e acariciando o tempo todo tentando a qualquer preço manter relações comigo. Eu desde o início deixei claro que não queria, mas ele não me ouviu, e fiquei apavorada. Tentei me livrar de todas as formas, mas ele parecia fora de si como uma força que eu desconhecia.

Não consegui olhar nos olhos da Celeste, mas percebi quando ela tocou a minha mão por cima da mesa. Com isso senti que ela estaria comigo em qualquer situação, o que me deixou ainda mais arrependida de tê-la mantido afastada de mim e não ter conversado antes com ela.

— E o que aconteceu? Ele...— senti o medo em sua voz e tratei logo de esclarecer.

— Graças a Deus não aconteceu nada. Apesar de suas mãos estarem sobre mim e eu me sentir perdida, Deus teve misericórdia de mim quando pedi por socorro. Do nada ele me soltou e sumiu. Voltou rapidamente com uma camiseta, para que eu pudesse vestir, já que ele tinha rasgado a minha blusa.

— Saí logo que seu apartamento antes que ele mudasse de ideia, não sem antes ser ameaçada por ele, que deixou claro que terminaria o que tinha começado ali. Planejei chegar em casa discretamente, mas a Jane estava lá e não consegui me esconder como pretendia. Eu estava apavorada, mas não queria suscitar perguntas, então fingi que estava tudo bem.

A Celeste estava com a cabeça baixa. Ao ver que tinha me silenciado, ela levantou o seu olhar e vi que estava chorando. Fiquei péssima.

— Eu percebi que você não estava bem, mas como você forçou um sorriso, entendi que não queria falar sobre o assunto na presença da Jane. Inclusive, fiquei admirada por ela não ter percebido, já que são amigas há muito tempo. Quando ela foi embora, você se trancou no quarto e eu quis lhe dar espaço. Arrependo-me profundamente de ter agido assim, você precisava de mim e eu falhei como amiga — terminou baixinho, mas eu ouvi e discordei.

— Nada disso. Eu estava com vergonha de não ter ouvido seus conselhos e me afastado de vez do Jonas. Não queria que você ficasse decepcionada comigo.

— Pensei que não confiasse em mim, não queria forçar a barra com você, mas este momento era necessário. Você estava apagada, tinha perdido grande parte do seu brilho natural e eu não poderia continuar fingindo que nada estava acontecendo. Eu gosto muito de você, Raquel, somos irmãs, lembra? Quero que entenda que pode contar comigo para qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo!

Apenas dei-me conta que estava chorando quando as lágrimas começaram a cair no meu colo. A Celeste permanecia segurando a minha mão e mais que nunca fiquei feliz por tê-la ao meu lado. Após alguns momentos naquela emoção, ela enxugou o rosto, jogou os cabelos para trás e sorriu:

— Agora me conte tudo sobre esse seu interesse pelo Dr. Miguel, anda — sorri com o jeito como ela falava, tentando me alegrar.

Esperei sermos servidas e toda vez que olhava para a Celeste, ela levantava um pouco a sobrancelha como quem diz: "anda, vai". Sentia-me tão mais leve por ter conversado com ela!

Contei tudo, desde o nosso primeiro encontro e todas as sensações que ele me fazia sentir e não pude evitar ficar com o rosto em chamas ao ver o sorriso no rosto da minha amiga. Um sorriso bem especulativo e imagino que minha reação tenha me delatado.

Ela prometeu descobrir se o Miguel tinha alguma namorada, esposa, sei lá, até porque ele havia me beijado e se ele estivesse atraído por mim, tendo uma mulher, eu não continuaria com nosso acordo.

Será que ele seria um cafajeste de me beijar sendo comprometido?

Se bem que o jeito que ele parecia querer reprimir o sentimento a qualquer custo dava a impressão de ser algo proibido.

Misericórdia, meu Deus! Como ajudar o Miguel sem me apaixonar mais por ele?

Infelizmente não tivemos muito tempo para conversar, pois o horário do almoço passou voando. Saindo dali, caminhamos juntas até o escritório e despedi-me da minha amiga com um abraço.

— Obrigada — sussurrei no seu ouvido — por tudo, por ser minha irmã que Deus me deu.

Notei que ela ficou emocionada e tratei logo de ir embora.

— Ah, Raquel. Esqueci de mencionar. Tenho que terminar um trabalho com um colega da faculdade em casa hoje, tudo bem pra você? — perguntou ela.

— Claro, a casa é sua.

— É nossa, amiga. Mas garanto que você vai gostar deste meu colega. Ele é cristão e está me ensinando muito sobre Jesus — seus olhos brilhavam.

— Nossa, que bom. Fico feliz, Cel, não vejo a hora de conhecê-lo. Até mais tarde então.

Assim que continuei meu caminho até o shopping, senti um aperto no peito, uma sensação de fracasso.

Eu era uma jovem criada na igreja, conhecedora da Palavra de Deus e a Celeste parecia sedenta de conhecer o evangelho e eu fazia o que? Burrada atrás de burrada.

Ela estava sendo discipulada por um colega da faculdade e sua colega de apartamento só fazia envergonhar a palavra de Deus, negar os ensinamentos que recebeu dos pais desde a infância.

Pensar nisso trazia-me uma vergonha muito grande e sentia meu rosto arder, mesmo estando longe dos olhos da Celeste.

Estava na hora de mudar algumas coisa na minha vida.

****

Mais tarde, super cansada, cheguei ao meu prédio louca para tomar um banho e renovar a mente ouvindo louvores. Estava com um louvor na mente e volta e meia cantarolava. Não conhecia toda a letra e fiquei curiosa pra saber porque aquela música estava tão presente no meu subconsciente.

Assim que abri a porta de casa, percebi que a Celeste não estava sozinha. Tinha um rapaz com ombros largos e cabelos um pouco compridos e claros de costas para a porta de entrada. Cautelosa, lembrando da última vez que conheci um rapaz assim no apartamento, aproximei-me devagar.

Os dois estavam concentrados em alguma coisa a respeito de alguns termos jurídicos que eu não entendia, mas achei a voz do rapaz extremamente familiar. Aproximei-me mais um pouco e notei o momento exato em que notaram a minha presença: eles viraram juntos em minha direção e não contive o grito ao reconhecer o colega de curso da minha amiga, correndo imediatamente para me jogar em seus braços, que mesmo surpreendido, naturalmente se abriram para me receber.

— Ariel! Que surpresa agradável! — falei enquanto abraçava com gosto meu amigo.

— Quel! Quem diria, a colega de apartamento da Celeste é minha amiga Ferruginha! — dei um soquinho leve no braço dele pela menção do apelido de infância que ele fazia questão de trazer à tona.

— Pára com isso, faz tempo que você não me chama assim! Isso é da época em que éramos crianças. Se quiser, falo seu apelido também.

— Retiro o que eu disse — fez um gesto trancando a boca e riu abraçando-me novamente e beijando meus cabelos, um hábito dele que eu achava muito fofo.

A Celeste estava com os olhos arregalados, olhando de um para o outro.

— Como assim, vocês já se conhecessem? De onde? — quis saber ela.

— Ah Celeste, longa história — digo ainda abraçada ao Ariel.

— Deixa de ser evasiva, Quel. Achei que tinha mudado, continua a mesma hein. Não é educado deixar uma pergunta direta sem resposta assim — virou para a Celeste — Celeste, a Raquel é minha amiga de infância. Somos conterrâneos.

A Celeste abriu a boca algumas vezes e por fim apenas disse:

— Mas que coincidência!

— Não acho que seja coincidência, Celeste, acho que seja tudo um propósito de Deus. Mesmo desconhecendo seus planos de antemão, sei que Ele não faz nada por acaso. Não é por acaso que eu esteja estudando esta disciplina com você e que a Raquel esteja aqui agora. Tudo é propósito de Deus, Celeste.

Senti-me impactada pelas palavras do Ariel, tão seguras e tão cheias de convicção. Ele era um rapaz que dedicava-se ao Senhor e só eu sei que ele já foi muito diferente disso, por isso o orgulho desse meu amigo era imenso!

A Celeste concordou com o Ariel e aos poucos foi se acostumando com o fato de que nos conhecíamos.

— Quem diria, meu colega Ariel tinha um apelido de infância que não quer que seja mencionado? Já quero saber! Ande, Raquel, vai contando. Conte-me e não me esconda nada — riu de si mesma ao dizer aquilo.

O Ariel balançou a cabeça de um lado a outro rapidamente enquanto eu fingia pensar no assunto.

— Não faça isso comigo, Ferrugi....digo, Raquel. Seja boa, como você nunca foi na vida — disse o Ariel fingindo um drama com a mão no coração.

— Pedindo assim com jeitinho, elogiando-me desse jeito, nem digo para a Celeste que o se apelido era....— antes que eu pudesse falar, o Ariel voltou-se em minha direção e de repente colocou a mão em minha boca, tentando me calar..

Eu comecei a me balançar e espernear tentando me libertar, mas ele era mais forte e quanto mais eu tentava, mais ele me segurava.

A Celeste ria muito vendo a nossa interação e eu mordi a mão dele, que me soltou imediatamente.

— Era Pequeno Príncipe! Ele era muito fofo, cabelinhos bem dourados e todo engraçadinho!

Enquanto verificava a mordida na mão, o Ariel lançou-me um olhar com fingida consternação e disse para a Celeste:

— Lá se foi a minha dignidade! Como vou apresentar-me diante das pessoas com a alcunha de "Pequeno Príncipe"? Isso é inadmissível — falava ele balançando a mão.

Ri muito dele, de sua péssima atuação. A Cel já estava com os olhos cheios de lágrimas de tanto rir.

— Ariel, não conhecia esse seu lado!

— A Raquel tem esse dom de despertar minhas multi facetas, Celeste, não posso negar.

Rimos bastante e fui tomar meu tão desejado banho, que havia sido adiado pela alegria de encontrar meu amigo ali e os deixei terminando o que quer que seja que estavam fazendo.

Debaixo d'água, enquanto ensaboava meu corpo, fiquei pensando nas palavras do Ariel, sobre Deus ter propósito em tudo. Recapitulei meu dia e vi que as coisas estavam se encaminhando num ordem inexplicável.

Deus tinha um propósito em tudo! Hoje eu havia feito uma combinação com o Miguel de ajudá-lo e o Ariel poderia me orientar.

Foi como se uma lâmpada aparecesse acima de minha cabeça e corri para terminar logo meu banho e me vestir para conversar com o Ariel. Um forte barulho veio como um lembrete de que primeiro deveria comer, porque a minha barriga já estava dando escândalo de fome. Ainda bem que ninguém ouviu, seria muito constrangedor.

Terminei de me vestir e fui para a cozinha procurar algo para comer, adiando um pouco a conversa que teria com o Ariel, mas cantarolando aquela bendita canção que havia esquecido de pesquisar, já antecipando como seria de grande valia na empreitada que havia me proposto naquele dia.

******

Olha só quem resolveu aparecer  num dia desses, numa hora dessas: meu príncipe gospel, Ariel. Amo de paixão. 

Será que ele vai ajudar a nossa migles Raquel com o Miguel? Será?

Bjs e até o próximo

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top