Cap. 29 - Sem Promessas

Os dias que se seguiram foram mais do mesmo. Sempre procurava saber como estava a Rubi com a Celeste e seus relatos me deixaram preocupado.

Segundo ela, a Raquel estava escondendo algo sério a respeito do pseudo-namorado, mesmo com toda a insistência da amiga. Disse que um dia ela chegou em casa com um indícios e pânico, mas que disfarçou bem diante dela e de uma outra amiga que estava visitando-as, exceto que a Celeste a conhecia bem e percebeu sua inquietação.

Era insano que alguém pudesse sequer cogitar marcar aquela pele tão macia com brutalidade. Ela não merecia isso!

Merecia o quê, você?

Não, infelizmente eu não a merecia. Tão linda e com péssimo gosto para namorados!

Ri sozinho enquanto pensava nisso, desejando que ela encontrasse alguém à sua altura, que a fizesse sorrir, seu sorriso era perfeito fazendo seus olhos brilharem e adquirirem uma tonalidade diferente de verde....

Subitamente uma dor no peito veio com tudo quando imaginei uma outra pessoa a tocando, cuidando dela, beijando seus lábios perfeitos. Nem percebi que fechei as mãos em punho.

Abri a minha agenda para tentar espantar esses pensamentos e ao verificar as datas, notei que faltavam dois dias para o aniversário da Cecília. Ela completaria 28 anos! Saí apressado e mal percebi quando cheguei em casa.

Dona Diva tentou dizer-me algo, mas a repeli com a mão e fui para meu escritório. Minhas amigas já estavam à minha espera. A cada copo usado, eu o jogava na parede, impotente, com o sentimento de amargura por ter perdido minha família e não ter mais motivos para viver.

Por algumas vezes, pensei em acabar com tudo ali mesmo, mas esforcei-me por lembrar que eu já tinha marcado uma data e que deveria seguir o planejado.

— Miguel, meu amor. Que bom que você chegou! Tenho uma surpresa para você — disse a Cecília assim que me viu entrar em casa, já se aproximando para me beijar. Não perdi a oportunidade e cerquei a sua cintura aproximando-a ainda mais de mim.

Não me cansava de apreciá-la, minha esposa era linda e amorosa. Um pouco mimada, mas eu adorava realizar cada uma de suas vontades.

— Primeiro, quero matar saudades de minha esposa linda. A surpresa vem depois.

— Nada disso — disse fazendo biquinho — preparei com tanto carinho, vamos logo. Estou super ansiosa.

Sem ter outra opção, deixei que ela me guiasse pela casa, até nosso jardim de inverno, onde havia uma refeição para dois, uma garrafa de champanhe no gelo e as taças à nossa espera.

No centro da mesa, repousava uma pequena caixa branca, delicada.

— Vamos — ela faltava dar pulinhos, entusiasmada — o presente era para ser entregue após o jantar, mas eu não consigo esperar.

Sorri ao ver sua empolgação e sem pensar muito sobre isso, beijei seus cabelos, uma mão envolta em sua cintura e a outra foi em direção à pequena caixa. Fiz suspensa, abrindo bem devagar, para ver seu rosto ansioso e os olhos atentos a cada gesto. Assim que abri, mal pude acreditar no que meus olhos viam: um par de sapatinhos brancos e um bilhete escrito: "oi papai". Por um momento pensei que as minhas pernas fossem ceder fazendo-me cair, mas com esforço mantive-me firme. Busquei imediatamente seus olhos e eles brilhavam, enquanto suas mãos pegavam a minha e a colocava em seu ventre ainda liso.

— Parabéns, papai! — ela sussurrou, levando-me às lágrimas enquanto me ajoelhava e beijava sua barriga.

Eu era o mais afortunado dos homens!

De repente, ela ficou triste e começou a se afastar e um vento muito forte começou a soprar. Eu mal conseguia vê-la quando ela começou a chorar e pedir por socorro. Consegui pegar suas mãos e puxá-la em minha direção, mas seus cabelos estavam diferentes, ao invés do loiro dourado que me encantava, estava os fios vermelhos que me enfeitiçavam.

Balancei a cabeça, confuso.

— Rubi? — perguntei incerto.

— Sim, meu amor. Você conseguiu, estou muito feliz por você!

— Consegui o que?

— Você conseguiu! Eu estou aqui, ao seu lado, não se esqueça.

Acordei atordoado, olhando para os lados, vendo a escuridão em que me encontrava, sujo, um cheiro forte de álcool impregnou minhas narinas, causando-me náuseas. Enquanto tentava me levantar, senti uma forte pontada na cabeça. Aos poucos, tateando, consegui achar o interruptor, não sem antes cortar o pé nos cacos de vidro espalhados pelo chão.

Assim que acendi a luz, a consciência do estado lastimável em que me encontrava veio com tudo. Não parecia um homem, mas um trapo humano.

Devagar, fui em direção ao quarto em que dormia, tirei toda a roupa como um autômato e entrei no chuveiro. Enquanto me lavava, sentia as lágrimas quentes descendo pelo meu corpo e o pensamento de vazio e solidão ocupando todos os espaços da minha mente.

Em que eu havia me transformado?

Vesti uma camiseta e uma bermuda e desinfetei os cortes no pé. Em seguida, me empenhei em limpar a bagunça no meu escritório, para que não precisasse dar explicações à Dona Diva no dia seguinte. Quando terminei já estava quase amanhecendo. Estava louco para tomar um café forte, mas não conseguia pisar na cozinha de minha casa. Não depois de tudo o que aconteceu lá. A última vez que tentei, vi nitidamente o corpo da Cecília caído no chão e tive um surto. Não ia me arriscar novamente.

Não precisei esperar muito e a Dona Diva chegou, olhando-me de soslaio, foi para a cozinha. Logo estava degustando um delicioso café da manhã. Ela se aproximou e perguntou se eu estava bem, eu anuí e achei melhor ir para o escritório.

No caminho, enquanto dirigia, recebi uma ligação do meu pai, não atendi. Chegando em minha sala, ele ligou novamente.

— Oi pai, desculpe não atendê-lo. Estava dirigindo — falei assim que atendi.

— Oi Miguel. Não tem problema. Só liguei para saber se está tudo bem com você — revirei os olhos.

— Está tudo muito bem, não se preocupe.

— Claro que me preocupo, sou seu pai. Sempre oro por você, mas estou há três noites sendo incomodado pelo Espírito Santo a interceder com mais afinco por você. Está tudo bem mesmo? — insistiu ele.

Estava quase perdendo a paciência e ele ainda vinha com aquele papo religioso para meu lado. Optei por fingir não ter ouvido.

— Sim, pai. Estou bem, estou no escritório, inclusive — deixei claro para que ele entendesse que eu estava mesmo bem.

— Ah, que bom. Mas aqui, preciso te falar uma coisa.

Mais uma coisa?

— Diga, estou ouvindo — falei depois de um suspiro, já me preparando para fazer o contrário se ele fosse falar de religião.

— Não repudie a ajuda que Deus vai te enviar. Mantenha a mente e o coração abertos.

Quis rir, mas não queria desrespeitar meu progenitor. Mesmo adulto, nunca me exporia a isso, sem contar que ele não merecia.

— O que quer dizer? — perguntei confuso.

— Você vai saber. Só saiba que Deus não esqueceu de você e já está agindo para te ajudar. Não rejeite isso. Eu te amo filho, fica bem.

Era bem tópico do meu pai falar as coisas assim e desligar o telefone. Fiquei um tempo olhando para o aparelho em minha mão, pensativo. De repente, minha porta é aberta e o Tiago entra, sorridente como sempre.

— Nem acreditei quando vi seu carro na vaga. Já ia mandar a cavalaria atrás de você — foi dizendo enquanto se sentava à minha frente.

Revirei os olhos. Lá vem... três, dois...

— Está tudo bem com você? — Previsível.

— Está tudo ótimo.

Vi que apesar do sorriso, seus olhos tinham um quê de preocupação. Isso vai acabar, amigo, não se preocupe.

Conversamos um pouco e ele foi para sua sala. A manhã passou lentamente e pouco antes do horário do almoço, senti uma forte angústia.

Quis me convencer que não tinha nada a ver com a data em si, mas era em vão.

Meu pavio que já era curto explodiu quando recebi mais uma ligação perguntando se eu estava bem. Irritado, joguei longe o celular e isso foi o estopim para uma onda de fúria e revolta atingir-me em cheio. Peguei o retrato da Cecília que mantinha em minha mesa e atirei a parede mais próxima, as lágrimas descendo em abundância enquanto a amaldiçoava por ter me deixado e levado meu filho consigo.

Minhas mãos tremiam e a sensação de jogar os objetos era estimulante, para quem se sentia oco. Estava cego e só queria extravasar aquele sentimento de impotência. Depois de lançar mais um objeto, continuei me sentindo vazio, no rosto o rastro das lágrimas que não caiam mais. Nem chorar eu conseguia.

Abatido, abaixei a cabeça e fiquei pensando que realmente seria uma boa ideia acabar com tudo de uma vez quando ouvi o clique suave da porta se abrindo e alguém entrando. Esperei, mas ninguém disse nada.

— Saia daqui, não quero falar com ninguém.

Só recebi o silêncio como resposta. Insisti.

— Anda, Tiago, me deixe sozinho — ao ver que ele não ainda respondia, levantei devagar a cabeça para ver o que impedia meu amigo de atender meu pedido e fui surpreendido por um par de olhos verdes, lindos e preocupados:

— O que você está fazendo aqui? Me deixe sozinho — era impressão minha ou ela ultimamente só me encontrava no caos?

— Quero te ajudar... — começou dizendo,mas não a deixei continuar.

— Ninguém pode me ajudar. Ninguém — a última palavra disse quase num sussurro, não tinha nenhuma esperança de ajuda, seja de quem fosse.

— Eu sei quem pode. Ele me mandou ajudar você — disse ela convicta.

Levantei a cabeça e a encarei, vendo seus olhos um tanto inseguros, mas obstinados. A admirei por isso, pela empatia de tentar me ajudar. Pensando nisso, lembrei-me das palavras de meu pai mais cedo e sorri tristemente pensando em como o senhor Valter sabia da Raquel para mandá-la conversar comigo. Talvez tenha sido o Rafael.

Quando mencionei meu pai, ela negou logo e começou a falar de Deus. De novo. Fechei meus olhos ao ouvi-la dizer que Ele me amava muito, sentindo um estremecimento no peito.

Comentou que ele havia mandando ela me ajudar e começou a acariciar meu cabelo. Fechei os olhos, era tão bom!

Forcei-me a prestar atenção em suas palavras. Nosso pai? do que ela estava falando? Arrependi-me da pergunta ao ouvi-la falar de Deus novamente. Fiquei revoltado ao ver que as pessoas ao meu redor eram tão simplistas, devotando suas vidas a um deus que só me fazia sofrer. Ele era culpado pelo meu sofrimento!

Enquanto pensava nisso, aborrecido, comecei a ouvir sua voz doce cantando. Sem que eu pudesse evitar, uma paz que não sabia de onde vinha abraçou meu coração e me senti leve, com esperança até.

Encarei a Raquel enquanto ela cantava, seus olhos fechados, concentrada nas notas perfeitas, seu rosto molhado pelas lágrimas. Ela estava emocionada, aquilo mexeu comigo de uma forma que não consigo explicar.

Assim que ela terminou, percebi que ficou corada ao flagrar-me olhando-a intensamente.

— Como você faz isso?— perguntei sem desviar o olhar.

— Isso o que?— ela tentou desconversar e eu achei muito encantador.

— Consegue me acalmar com sua voz! Já é a segunda vez, eu não sei explicar o que sinto, mas quando você canta eu me sinto em paz, como há muito não me sentia. Chego até a pensar em desistir de.... — por pouco não exponho meus planos para ela!

— Desistir de que? — quis saber curiosa.

— Nada, deixa pra lá. Eu não quero falar sobre isso — você não precisa se envolver em minha bagunça.

Ela então disse que tinha uma proposta para me fazer. Eu ri imaginando que tipo de proposta teria para mim, porque com certeza sei o que poderia propor-lhe. Sei que ela estava séria, então me esforcei para prestar atenção às suas palavras e não em sua boca. Mas isso parecia muito difícil, pois ela sentou-se ao meu lado e meu corpo imediatamente reconheceu o seu próximo e não consegui relaxar.

Ela veio com uma história de me ajudar, de apresentar seu pai, espera aí, já estamos nesta fase?

Felizmente, ela explicou do que se tratava e revirei mentalmente os olhos. Veio me catequizar, não deveria me surpreender.

Mas fiquei surpreso ao lembrar da ligação do meu pai mais cedo e fiquei realmente interessado no que ela queria me propor, que no final das contas não seria tão mal, apenas perigoso.

Passar algum tempo com a Rubi seria uma experiência que eu adoraria, mas difícil seria controlar a força que emanava dela atraindo-me com um inseto diante da luz.

Pensei nas implicações de sua proposta e mesmo com a certeza que não faria nenhuma diferença em minha situação, afinal nada poderia me ajudar, conclui que não tinha nada a perder, apenas a ganhar com a presença dela e sua linda voz.

Sorri comigo mesmo ao ver seu rosto vermelho com a minha implicação de que ela não deveria se apaixonar por mim. Ela não poderia se envolver sentimentalmente comigo se eu já estava com prazo de validade em vias de vencer, apesar de não poder dizer o mesmo a meu respeito, mesmo não entendendo o que sentia por ela.

Ao observar bem seu olhar e analisar friamente a situação, notei que ela já sentia algo, não sabia exatamente se era bom ou ruim, mas por sua proposta, não deveria ser nada mal.

— Falo sério, Raquel. Preciso de sua palavra a este respeito, preciso que me prometa isso, não vai se iludir comigo. Eu não sou um homem inteiro, sou apenas a sombra do que fui um dia e já estou relutante em deixá-la vislumbrar mesmo que uma pequena parte de quão quebrado eu sou. Não quero que se envolva ainda mais, pois sei que sofrerá muito quando tudo acabar. Por favor, só aceito a sua proposta com a sua promessa de manter seu coração guardado a sete chaves de mim, pois se me deixar entrar, eu acabarei o estilhaçando em milhões de pedacinhos e não será nada agradável, garanto.

E faltava tão pouco para acabar!

— Miguel, acho que você está confundindo as coisas — se levantou e começou a andar de um lado a outro da sala.

Tive que ser insistente, precisava saber até onde ia seu grau de comprometimento com a proposta.

— Só me prometa, Raquel. Por favor. Estou curioso para ver como você pretende me convencer que Deus existe, quando na minha vida todas as provas são em direção contrária à essa afirmação. Quero ver como vai me provar que ainda há esperança para mim, se a minha única solução é... — novamente, quase me delato.

— É a segunda vez que você começa uma frase assim e não termina. O que você está querendo me dizer, mas não consegue? Me deixa te ajudar? — ela tentou se aproximar de mim, mas eu já estava me controlando para não abraçá-la, para não gritar a plenos pulmões que o que eu realmente queria dela, ela não poderia me dar e afastei-me.

— O que você está fazendo comigo, Rubi? Já machuquei muita gente, não quero machucar você, não há futuro algum para mim....você é jovem, linda, tem toda uma vida pela frente, não seria justo....

— Você também é jovem, porque fala que não há futuro para você?

Nem percebi quando ela se aproximou, imerso em uma discussão interior com prós e contras para não envolver com uma menina como ela.

— Fale comigo, Miguel. Por favor

Quando ela tocou meu braço, senti meu corpo todo retesar e evitei olhar em seu rosto, temeroso do que poderia encontrar em seus olhos, mas a pequena insistente tocou meu rosto e levou-o em sua direção enquanto a boca perfeita dizia que não iria se envolver comigo.

Não suportei aquela proximidade e joguei para escanteio todo escrúpulo e a beijei. Beijei como havia sonhado, imaginado e foi mil vezes melhor do que pensava. Não queria que aquele beijo acabasse, queria me perder em seus braços, esquecer de tudo que eu havia passado e construir um futuro...

No que eu estava pensando? Que tipo de homem que sou, roubando um beijo de uma menina? Isso não era um ato de honradez, não foi assim que aprendi com meus pais!

Fiquei extremamente envergonhado por ter cedido ao desejo e não ter sido forte para respeitá-la. Isso seria muito perigoso, afinal, ela correspondeu ao beijo!

— Já estamos envolvidos, Raquel! Meu corpo anseia pelo seu, que me responde com a mesma intensidade, você não percebe? — gritei, afastando, querendo desfazer aquele ato impensado — mas não podemos, não pode se apaixonar por mim, não pode, não pode... — não pode se deixar levar pelos sentimentos como eu permiti.

— Eu prometo, Miguel, prometo o que você quiser — ela chorava, quando isso tinha acontecido? — Desde que você não tente me beijar novamente — claro, eu gritei com ela. Sorri sem graça, levantei os braços e gracejei dizendo que prometia tentar não beijá-la.

Mas tente com mais afinco, idiota.

Aquela proposta dela ia de encontro com meu interesse de protegê-la e ajudá-la no caso de agressão, mas ela não precisava saber disso.

Isso ia ser muito interessante!


******

Como prometido, a segunda parte. 

Pode ter muitos erros, me perdoem, se puderem me dar um feedback eu agradeço.

Miguel não se conteve e beijou a Raquel, arrependendo-se logo em seguida?

No próximo capítulo, uma visitinha especial direto de OQDUN.

Beijocas



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