Cap. 27 - O Acordo

Parecia surreal que eu estivesse diante do Miguel para tentar convencê-lo a aceitar o amor de Deus em sua vida. Não era de hoje que eu estava sendo cobrada disso, que ele estava nas trevas e precisava de um encontro com o Senhor.

Sem contar a hipocrisia que logo eu, que me encontrava cada vez mais distante do Senhor fosse responsável por apresentá-lo a Jesus, mas não podia mais fugir da voz de minha incumbência. Afinal, como posso contestar uma ordem direta Dele?

O Miguel me olhava em expectativa e percebi em seu rosto as marcas de um luta interna, os olhos vermelhos e atormentados, mas dotados de genuína curiosidade. A situação em que ele se encontrava não me permitia ir direto ao assunto, pois acarretaria uma rejeição de sua parte, pelo temor de ser "catequizado". Intimamente pedi a Deus que estivesse comigo ali.

— Bem, Miguel. Não sei se percebeu, mas temos nos encontrado constantemente em situações muito peculiares e eu creio que isso não seja por acaso — ele continuava com os olhos fixos em mim e eu tentava ignorar a intensidade de seu olhar — Deixando bem claro que se tratam de situações peculiares para nós dois. Eu proponho que não fujamos disso, que nos ajudemos mutuamente e podemos começar sendo amigos. Não quero de forma nenhuma me impor na sua vida e nem me intrometer no seus assuntos, mas quero te provar que há sim uma saída para tudo que você esteja passando, que há esperança, seja qual for a sua situação.

Antes que terminasse, ele deu um sorriso triste, baixou o olhar e balançou a cabeça em negação.

— Eu não quero te catequizar, como você mesmo colocou, mas quero que você conheça um caminho diferente, que sinta o que é ser amado de verdade por aquele que nos criou. Você pode pensar que eu não sei o que estou falando, que sou muito nova para dar opinião sobre a sua vida, mas só te peço uma chance de te mostrar que sim, Deus te ama e muito. Talvez eu não seja a pessoa indicada para isso, mas Deus me designou para isso e eu não posso me abster de atendê-lo.

— Como assim, ele te designou? — quis saber.

— Ele tem sido insistente comigo sobre ajudar você. Quis fugir, mas Ele não permitiu e sempre nos coloca em situações que me mostra que não adianta correr do seu chamado. Inclusive, não acho que seja por acaso que eu aqui logo hoje, mesmo sendo o local de trabalho de minha amiga, não é um lugar que eu visite regularmente.

Ele ficou em silêncio, como se ponderasse sobre o que eu disse. Por um momento fiquei me perguntando se estava agindo corretamente e temerosa do que ele poderia pensar a meu respeito, considerando que eu praticamente não tinha nenhuma experiência de vida.

Fiz uma oração silenciosa para que o Senhor confirmasse minhas ações e aguardei mais um pouco.

— Então, Raquel. Não vejo como isso pode me ajudar, mas vou te dar o benefício da dúvida, apesar de ter a convicção de que ninguém é capaz de me ajudar realmente. Meu caminho já está traçado e não acho que você consiga me convencer do contrário, mas o que eu posso perder, além do meu tempo? Sem contar que se nessa nossa interação acontecer de eu ser agraciado com sua linda voz, estarei no lucro, não acha? — arregalei os olhos diante da menção à minha voz.

— Mas... vou querer algo em troca.
Gelei quando ouvi sua última frase, já imaginando o que um homem como o Miguel poderia querer de uma jovem como eu e resolvi não dizer nada, aguardando enquanto ele fazia suspense.

Sem tirar os olhos de mim, ele juntou as mãos unindo os dedos indicadores, dando leves batidas nos lábios, hipnotizando-me com esse gesto. Devagar, ele parou de bater e ficou com os dedos encostados na boca e eu engoli em seco. Esperei um pequeno sorriso, mas ele não veio e franzi a testa, confusa.

— Prometa-me que não criará fantasias românticas com essa nossa interação, que não vai se apaixonar por mim. Prometa-me.

Pisquei os olhos e senti novamente meu rosto queimar. Por que será que ele estava colocando essa condição? Será que está entendendo errado a minha a proposta? Meu Deus, eu nunca havia passado por situação parecida, não sabia como agir. Tudo ali era novo, era uma incerteza que eu não tinha segurança para lidar. Tentei gracejar de seu pedido para não ficar muito sem graça:

— Desde que você me prometa o mesmo, não vejo problema algum.
O sorriso não apareceu, ele permanecia sério. Comecei a me preocupar. Como assim?

— Falo sério, Raquel. Preciso de sua palavra a este respeito, preciso que me prometa isso, não vai se iludir comigo. Eu não sou um homem inteiro, sou apenas a sombra do que fui um dia e já estou relutante em deixá-la vislumbrar mesmo que uma pequena parte de quão quebrado eu sou. Não quero que se envolva ainda mais, pois sei que sofrerá muito quando tudo acabar. Por favor, só aceito a sua proposta com a sua promessa de manter seu coração guardado a sete chaves de mim, pois se me deixar entrar, eu acabarei o estilhaçando em milhões de pedacinhos e não será nada agradável, garanto.

Tudo acabar?

— Miguel, acho que você está confundindo as coisas — levantei-me, sem jeito de permanecer sob a mira das suas íris azuis.

Ele deu um sorriso amargo e passou a mão pelos cabelos que já estavam revoltos.

— Só me prometa, Raquel. Por favor. Estou curioso para ver como você pretende me convencer que Deus existe, quando na minha vida todas as provas são em direção contrária à essa afirmação. Quero ver como vai me provar que ainda há esperança para mim, se a minha única solução é... — não completou a frase e me deixou curiosa.

— É a segunda vez que você começa uma frase assim e não termina. O que você está querendo me dizer, mas não consegue? Me deixa te ajudar? — aproximei-me dele, que se levantou e foi para o outro lado da sala, quase tropeçando em alguns objetos espalhados pelo chão, como se fugisse de mim.

— O que você está fazendo comigo, Rubi? Já machuquei muita gente, não quero machucar você, não há futuro algum para mim....você é jovem, linda, tem toda uma vida pela frente, não seria justo....

— Você também é jovem, porque fala que não há futuro para você? — perguntei, mas só recebi o silêncio como resposta.

Novamente tentei me aproximar e desta vez ele não se afastou.

— Fale comigo, Miguel. Por favor — toquei em seu braço, ele estremeceu, mas não retirou a minha mão. Toquei seu rosto e o trouxe em minha direção, observando seus olhos atormentados enquanto ele mais uma vez passava a mão pelos cabelos, perdido.

— Há futuro para você, Miguel. Não estou dizendo que seja comigo, não me interprete mal, mas Deus tem planos tão lindos para você.... eu prometo o que quiser, prometo que não me deixarei envolver por você....

Antes que eu terminasse a frase, ele puxou-me em sua direção e tomou meus lábios num beijo desesperado, abalando minha estrutura já não tão firme. Ele me beijava como se fosse um sedento no deserto e meus lábios fossem uma fonte de água, parecia se perder no beijo e me levando junto com ele. Sem forças para repeli-lo, deixei que ele me beijasse. Logo ele se afastou nervoso:

— Já estamos envolvidos, Raquel! Meu corpo anseia pelo seu, que me responde com a mesma intensidade, você não percebe? — gritou ele enquanto se afastava — mas não podemos, não pode se apaixonar por mim, não pode, não pode... — as lágrimas vieram ao meu rosto e eu nem me importei em escondê-las.

— Eu prometo, Miguel, prometo o que você quiser — se esta era a sua condição, eu aceitaria — Desde que você não tente me beijar novamente — ele riu e levantou os braços, já indo abrir a boca para dizer que não podia prometer isso, mas ao meu olhar, abaixou os braços e sorriu.

— Sim, eu prometo. Prometo me esforçar, não me peça mais que isso — aproximou-se de mim estendendo a mão — temos um acordo então?

Não apertei imediatamente, ainda sentia-me muito balançada com os últimos momentos, mas num passo de fé, peguei a sua mão e a apertei, concordando.

— Sim, temos um acordo — E que Deus me ajude ainda mais!

****

Oi, pessoas lindas do meu ❤️!
Este capítulo não está a meu gosto, mas postei porque em seguida vem o Miguel e ele preencherá as lacunas daqui.

Mas me digam o que acharam, o que precisa melhorar nele, por favor.

Me perdoem!
Beijos 😘

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