Cap. 26 - Cante!
Nos dias que se seguiram, o Jonas não apareceu, mas se fez presente em mensagens que me deixavam cada vez mais temerosa. Algumas eu respondia, outras não e era obrigada a lidar com suas ameaças.
Comecei a ficar apática, com medo e a Celeste, claro, notou. Não consegui me esconder dela por muito tempo e depois de insistir muito, conseguiu me convencer a conversar com ela num almoço. Como sempre, teria que passar no escritório para pegá-la, já que lá perto tinha um restaurante maravilhoso, que adorávamos frequentar sempre que a gente podia.
Inicialmente tentei de todas as formas fugir desse encontro, mas minha amiga sabia ser persuasiva quando queria. Seria uma excelente advogada, não tinha nenhuma dúvida!
No horário marcado, sem nenhum ânimo, dirigi-me ao escritório para buscar a minha amiga. Lá chegando, fiquei um tempo sentada na recepção, pois ela estava finalizando um trabalho na sala do Dr. Tiago e estava folheando uma revista qualquer quando ouvi um barulho de algo se quebrando. Dei um pulo na poltrona em que estava e fiquei atenta para tentar descobrir de onde vinha aquele barulho. Novamente o som de algo batendo na parede e tive a certeza de que não vinha da sala do Dr. Tiago, mas do Miguel.
Sem pensar no que fazia, adentrei sua sala abruptamente, quase sendo atingida por um peso de papel que passou voando pela minha cabeça, acertando a parede com um estrondo. Assim que levantei a cabeça, assustada, o que vi me deixou ainda mais assombrada.
A sala do Miguel estava uma bagunça, coisas e papéis espalhados por todos os lugares, estilhaços de vidros quebrados no chão e o dito cujo sentado numa cadeira com o rosto entre mãos parecendo desolado.
Por um momento fiquei ali, parada olhando-o, até que uma força me impeliu a continuar. Chegando bem perto dele, minhas mãos coçaram para tocar seus cabelos revoltos, mas antes que pudesse colocar em prática, tomei um susto quando ele disse com uma voz fraca:
- Saia daqui, não quero falar com ninguém.
Fiquei em silêncio, sem saber o que responder.
- Anda, Tiago, me deixe sozinho - ao ver que não tinha resposta, levantou devagar a cabeça e percebi seus olhos vermelhos e arregalados ao me ver. Passada a surpresa, abaixou novamente a cabeça e ouvi sua voz abafada:
- O que você está fazendo aqui? Me deixe sozinho.
- Quero te ajudar... - comecei dizendo, mas ele me cortou.
- Ninguém pode me ajudar. Ninguém - a última palavra disse quase num sussurro, mas eu ouvi claramente.
- Eu sei quem pode. Ele me mandou ajudar você - falei com uma convicção que me surpreendeu.
Devagar ele levantou novamente a cabeça e olhou para mim. Ficou um tempo encarando-me e deu um sorriso triste.
- Meu pai não desiste mesmo....de onde você o conhece? - perguntou balançando a cabeça.
- Seu pai? Na verdade, foi nosso Pai que me enviou aqui. Ele não quer que você continue na escuridão, Ele é a luz que pode iluminar a sua vida, Miguel. Ele te ama muito, sabia? Tanto que me mandou ajudar você e eu nem sou a melhor pessoa pra isso - falei enquanto minha mãos acariciavam seus cabelos, sem que eu percebesse.
Ele deu uma risada fraca.
- Nosso Pai? De quem você está falando? - perguntou por fim.
- De Deus. Daquele que te criou, que enviou o seu Filho para morrer por mim e por você, que te ama muito e não suporta te ver sofrer, Miguel.
- Deus? Não suporta me ver sofrer? Todo meu sofrimento é culpa dele! Apenas dele!- aumentou o tom de voz, muito aborrecido.
Fiquei por um momento sem saber o que dizer, mas pedi intimamente ao Senhor que me ajudasse ali. Eu sabia que não era a pessoal ideal para isso.
CANTE!
O que? A princípio não entendi e o Miguel permanecia de cabeça baixa.
CANTE!
Arrepiada, arregalei os olhos e pus-me a pensar no que poderia cantar num momento desses, mas a canção veio naturalmente em minha boca e comecei a cantarolar baixinho, enquanto continuava com a mão na cabeça do Miguel.
"Quando todos os meus medos já não cabem mais em mim
Quando o céu está de bronze e parece que é o fim
Quando o vento está revolto e o mar não quer se acalmar
Quando as horas do relógio se demoram a passar
Muitas vezes não consigo os teus planos compreender
Mas prefiro confiar sem entender
Eu creio em Ti
Eu creio em Ti
Eu olho pra Ti
E espero em Ti
Quando você sente medo, do teu lado Eu estou
E é bom que você saiba que Eu sinto a tua dor
Também, nunca se esqueça que o mar posso acalmar
E que Eu sei o tempo certo da vitória te entregar
Este tempo é necessário pra te amadurecer
E depois tem novidade pra você
Eu cuido de Ti
Eu cuido de Ti
Descansa em mim
Comece a sorrir..."
Não reparei em qual momento específico da canção eu fechei meus olhos, muito menos quando baixei a cabeça e a encostei na do Miguel. Antes mesmo de abrir os olhos, percebi que chorava, senti no âmago de meu ser que Deus queria mais de mim, queria me mostrar que eu deveria entregar-me a Ele. Mas como? Eu não estava em condições de estar em tua presença, me sentia impura!
Ao abrir os olhos e ver o rosto do Miguel, percebi seus olhos sobre mim. Logo suas mãos estavam entregando-me um lenço muito branco, que eu peguei, aprumei o corpo e sem demora comecei a secar minhas lágrimas. Ele continuava me olhando, como se me analisasse.
- Como você faz isso?- perguntou encarando-me.
- Isso o que?
- Consegue me acalmar com sua voz! Já é a segunda vez, não sei explicar o que sinto, mas quando você canta eu me sinto em paz, como há muito não me sentia. Chego até a pensar em desistir de.... - parou abruptamente, como se só agora se desse conta do que ia dizer.
- Desistir de que? - quis saber curiosa.
- Nada, deixa pra lá. Eu não quero falar sobre isso - desconversou, mas a sementinha da curiosidade já havia sido plantada em mim. E nem sou curiosa....
- Uma hora você vai ter que falar sobre isso. Mas escute, quero te fazer uma proposta - falei antes de perder a coragem.
Vi um sorrisinho despontando em seu rosto, mas ele não disse nada, apenas acenou com a cabeça para que eu prosseguisse. Puxou uma cadeira ao seu lado, batendo suavemente nela para que eu me sentasse. Não hesitei e sentei-me, respirando fundo antes de começar.
- Então...
- Então? - vamos, não deve ser assim tão difícil! - Você conseguiu me deixar curioso, Ru...Raquel! - gente, era impressão minha ou o Miguel tinha se ruborizado? Está aí uma cena que não vou esquecer tão cedo.
- Quero propor um desafio para você, Miguel. Proponho estipularmos um tempo para que eu te apresente o Papai e que ao fim deste prazo você esteja convencido de que Ele tem um propósito em tudo e que Ele sim, se importa com você - falei tudo num só fôlego, torcendo para que ele tenha entendido minha proposição.
Ele ficou em silêncio por um tempo e quase me fez arrepender de ter jogado essa proposta assim, na lata, se a gente nem se conhecia direito.
- Você está me propondo conhecer seu pai? Sinto-me lisonjeado com isso, mas... - antes que ele terminasse a frase, vi que tinha se equivocado em relação ao que eu tinha dito.
- Não, não. Não meu pai terreno, o Marconi. Falo do meu Pai Celestial, que há pouco você disse que não podia te ajudar. Quero te provar que Ele pode - falei com a convicção que já começava a se tornar minha aliada.
- Ahhh, você está querendo me catequizar, entendo - falou debochado.
Sério isso? Eu toda séria, criando coragem para fazer uma proposta séria e ele zombando de mim?
Franzi as sobrancelhas e pedi novamente ao Senhor me ajudasse com as palavras certas para poder convencer o Miguel a se permitir conhecê-lo. Ele continuava com a sobrancelha arqueada, como se me desafiasse a contradizê-lo.
- Vou te explicar tudo direitinho - ajeitei-me na cadeira e percebi que ele se inclinou em minha direção, atento. Era a minha chance, não iria desperdiçá-la, que o Senhor esteja comigo!
Respirei fundo, apertando seu lenço em minhas mãos e comecei a explicar a minha ideia.
*****
Capítulo fresquinho pra nós, ebaaa!
E essa proposta da Raquel? No próximo capítulo vamos saber tim tim por tim tim.
Me digam como acham que o Miguel vai reagir e o que pode acontecer.
Bjs
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top