Cap. 24 - Pressões

Apesar de ter ciência da ordem clara para ajudar o Miguel, não o vi por muitos dias. Conversei bastante com a Celeste e ela me disse que quando ele soube que eu havia ido embora aquele dia, não disse nada, apenas agradeceu e entrou silencioso em sua sala.

Nos demais dias, apenas uma vez ele perguntou por mim, querendo saber se eu estava bem, no que ela respondeu que sim, mencionando meu recente emprego no shopping.

Por algum tempo imaginei que ele fosse aparecer por lá, mas minha esperança de reencontrá-lo sem precisar ir ao escritório e parecer invasiva, era nula.

Não sei porque estava criando tanta expectativa em vê-lo novamente, mas sua crise de choro e seu desespero não saíam de minha mente.

Cheguei a sonhar com ele em perigo chamando por mim e eu não conseguia ajudá-lo.

Meu emprego era bastante cansativo, pois era um shopping muito movimentado e a loja muito frequentada.

Num desses dias, estava atendendo a uma moça, quando vi uma movimentação diferente próximo à loja. Não fiz nenhum caso, mas depois de alguns minutos, percebi que se tratava do Jonas, fazendo gestos para o telefone. Não entendi a princípio, mas após vários movimentos com as mãos, peguei meu celular vendo-o balançar a cabeça várias vezes confirmando.

Havia três mensagens dele: a primeira me pedindo desculpas pelo episódio na rua, a segunda dizendo que precisava conversar comigo e a terceira cobrando a minha resposta das mensagens anteriores.

Após ler as mensagens, olhei na direção dele, fazendo um gesto para que esperasse. Observei que ele estava bem vestido e parecia impaciente. Pensei, pensei e resolvi responder.

R: Sim, converso com você. O que você sugere, uma café na praça de alimentação?

J: Não, Raquel. Quero conversar com você sem que ninguém interrompa. Pode ser no meu apartamento.

No apartamento dele? A gente namorava já há vários meses e eu nunca havia ido em seu apartamento. Inclusive a Celeste não via isso com bons olhos, sei que sua intenção era me proteger, mas eu sou maior e dona de meu nariz, certo? Consigo tomar minhas próprias decisões sozinha.

Enquanto pensava, não reparei que mordia meu lábio, até alguém parar em minha frente e dizer:

— Deveria ser proibido você fazer isso — saltei assustada ao ouvir a voz tão perto de mim.

Com os olhos arregalados, vi o dono dos meus pensamentos mais recentes e fiquei sem saber o que dizer. Abalando de vez minhas estruturas, ele deu um sorriso que fez minhas duas colegas de trabalho suspirarem alto no mesmo instante.

Imediatamente lembrei-me do Jonas e ao direcionar meus olhos ao local onde ele estava, percebi que já tinha desaparecido. Mas em compensação, meu celular estava com mais 5 novas mensagens.

Levantei novamente o olhar para o homem à minha frente, limpei a garganta e forcei a boca a falar:

— Boa tarde, em que posso ajudá-lo? — seu sorriso ampliou ainda mais.

— Pode me ajudar em muitas coisas, mas no momento, preciso comprar um presente para minha mãe. Ela faz aniversário amanhã — disse simplesmente.

Havia um brilho em seu olhar que eu não conseguia decifrar, bem diferente da última vez que nos vimos.

— Muito bem, venha comigo, posso te mostrar algumas opções. Fale-me um pouco sobre ela, do que gosta... — vesti minha pose profissional e comecei a andar quando sua mão tocou meu braço, gentilmente, fazendo-me parar.

— Calma. Por que está agindo assim? — perguntou com a testa franzida.

— Assim como? Estou atendendo-o....— ele colocou a mão em minha boca, calando-me.

— Sim, atendendo-me como um robô. Está agindo como se não me conhecesse! — puxou rapidamente a mão como se queimasse.

— Estou? Estou no meu ambiente de trabalho, não posso ficar socializando. E a gente mal se conhecesse.

— Ah, entendi. Muito bem, então vamos escolher o presente da minha mãe e após minha compra, podemos tomar um café na praça de alimentação? Imagino que você tenha um pequeno intervalo que te permita aceitar meu convite — disse olhando-me tão intensamente que por um momento eu quase disse que ele poderia me levar para onde quisesse.

— Não sei se seria uma boa ideia....— desconversei, enquanto pensava que se o Jonas ainda estivesse no shopping, com certeza ia acabar em confusão.

— Pois acho que seria uma ótima ideia... — antes que ele continuasse, eu apertei o celular em minhas mãos e falei rápido, antes que me arrependesse:

— Eu aceito, mas você me dá um minuto? A minha colega Leila te ajuda com o presente da sua mãe enquanto eu termino uma coisa rapidinho.

Ele franziu a testa, parecendo pesar as suas opções e concordou relutantemente. A Leila ficou em êxtase ao atendê-lo e eu fui apressada à área privativa dos funcionários para ler as mensagens do Jonas.

Assim que adentrei o espaço, fechei a porta, respirei fundo e abri as mensagens:

J: E então, princesa, vamos fechar?

J: Ei, o que este homem está fazendo aqui, está cercando você?

J: Me diz, está saindo com ele?

J: Já me trocou por outro sem a gente conversar direito? Isso é sacanagem, Raquel?

J: Vou ter que sair, você vai ou não no meu apartamento?

J: ?????

Com a consciência pesada por ter sentindo uma espécie de atração pelo Miguel, achei que seria desonesto realmente não conversar com o Jonas para definir o que quer que fosse.

R: Sim, eu vou. Onde nos encontramos?

Sabia que se a Celeste soubesse que eu havia decidido ir ao apartamento do Jonas ela me recriminaria e talvez até tentasse impedir, então achei melhor nos encontrarmos num local neutro. Assim que combinamos tudo, chegou a seguinte mensagem:

J: Você não me disse se está saindo com ele! Não quero pagar de corno!

Revirando os olhos respondi que ele era apenas um conhecido e que ele não precisava se preocupar.

Assim que voltei para a loja, o Miguel estava pagando sua compra. Eu já havia avisado que ia fazer um pequeno intervalo, sob risadinhas das minhas colegas. Mesmo após olhá-las com firmeza para que não pensassem nada demais, elas continuaram rindo e suspirando.

Dei os ombros e saí com o Miguel. Fomos calados até a praça de alimentação, escolhemos uma cafeteria e nos sentamos. Ele parecia tranquilo e a cada minuto que passava eu ficava mais nervosa com seu silêncio.

— Então.. — comecei para começar um assunto.

Ele novamente olhou para mim e sorriu enquanto levava lentamente a xícara aos lábios, fazendo-me acompanhar o gesto quase que hipnoticamente. Analisei suas mãos, suas unhas bem aparadas, seu nariz, o biquinho quase imperceptível ao soprar o café antes de levá-lo à boca, até chegar a seus olhos que encaravam fixamente os meus.

Senti imediatamente minha pele queimar. Que vergonha, ele pegou-me no flagra secando-o.

Assim que repousou a xícara no pires, sem nenhuma pressa, percebi que ele ainda sorria. Esse sorriso ainda vai me trazer problemas, prevejo isso.

— Então, Raquel. Primeiro, quero saber como vai o seu braço, ainda dói? — ao dizer isso, baixou seus olhos para minhas mãos.

Levantei meu braço girando-o de um lado a outro.

— Sim, está bem. Não sinto dor, olha só — disse tranquilizando-o.

E ele olhou, olhou e não ficou apenas nisso. Ele ergueu a mão e tocou meu braço. Enquanto segurava suavemente com uma mão, com a outra começou a deslizar os dedos em meus pulsos como se quisesse ter certeza que eu não teria nenhum desconforto.

Mas o gesto me causou mais desconforto do que eu poderia imaginar. Puxei rapidamente meu braço, deixando-o surpreso.

— Desculpe, não quis ser invasivo. Não tinha o direito de te tocar sem a sua permissão. Isto não vai mais acontecer — disse arrependido.

— Não, tudo bem. Foi só um gesto de reflexo — burra, burra!

— Então, Raquel...nossa, estou ficando repetitivo! — riu sem graça.

Eu apenas movimentei um pouco a cabeça sem negar ou confirmar.

— Fiquei pensativo sobre aquele dia tão inusitado e uma coisa não me saiu da cabeça...aquele rapaz é seu namorado? Afinal, foi o que ele disse, me lembro de ter ouvido algo assim, ou me enganei? — perguntou diretamente, os olhos sempre fixos no meu.

— Bem, a gente estava namorando...mas aconteceram algumas coisas. Não sei dizer nossa atual situação, estamos sem nos falar há alguns dias.

— Brigados? — perguntou e pude ver em seus olhos que ele estava mesmo interessado na resposta.

— Ah, não uma briga. Foram, bem, foram alguns mal entendidos.

— Certo. Namoram há muito tempo? — neste instante percebi seus dedos tamborilando a mesa distraidamente e por alguns instantes meu olhar ficou preso ali.

— Então? — insistiu ele ao ver que eu não respondia.

— Por que você está me fazendo essas perguntas? É um interrogatório? — fiquei na defensiva.

— Opa, desculpe. Não é nada disso, é que ainda me sinto incomodado com a forma que ele tratou você. É inadmissível imaginar que um homem toque uma mulher daquela forma, que toque você... — enquanto falava notei que sua mão ia de encontro a minha, mas no último momento, retrocedeu.

Fiquei desapontada. Por que?

— E eu sou advogado, Raquel. Você não tem ideia de quantas mulheres sofrem abusos de seus companheiros. Se eu pudesse, se.... — ficou evidente sua raiva e seu sentimento de impotência por não conseguir proteger todas as mulheres nesta situação.

Fiquei envergonhada por ter ficado tanto na defensiva quando ele apenas queria saber se eu estava bem, com uma tocante preocupação. Neste momento, impulsivamente, toquei em sua mão e segurei firme antes que ele a retirasse.

Ele não fez nenhuma tentativa de retirá-la, mas direcionou para lá seu olhar e ficou em silêncio. Senti-me na obrigação de quebrá-lo, mas antes de abrir a boca, ouvi baixinho:

Ele precisa de mim....

— O que você disse? — perguntei a ele, assustada.

— Não disse nada... está tudo bem?— quis saber ele, virando sua mão para segurar a minha.

Arregalei os olhos e puxei novamente minha mão. Disse que já havia demorado muito ali e tinha que voltar ao trabalho. Ele se levantou, querendo me acompanhar, mas com um gesto eu o impedi, dizendo que a gente se falava depois. Praticamente corri pelos corredores do shopping, chegando arfante à loja, preocupada com que tinha ouvido, totalmente alheia aos risinhos das minhas colegas.

Deus, me ajuda! Eu não consigo, por favor...

Dizia constantemente com os olhos fechados e a mão no peito.

"Eu escolho as coisas loucas deste mundo, as fracas para confundir as fortes... para ninguém se gloriar perante mim. Eu te chamei e eu te capacito."

Abri os olhos e dei um grito, olhando ao meu redor. A única coisa que vi foram os olhares assustados de minhas colegas. Ajeitei-me rapidamente, pedindo desculpas, mas não consegui tirar aquilo da minha mente. Mais tarde, coloquei tudo num cantinho e rumei para o apartamento do Jonas, que Deus me ajude! Melhor resolver uma coisa de cada vez!

****

Hi, pessoas!

Hoje não ia conseguir postar, mas consegui uma brechinha aqui! \0/

Olha só quem voltou..... o que será que vai acontecer neste encontro?

Palpites?

Até o próximo, bjs.

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