Cap. 13 - Deus me ama?



Aos poucos fui voltando a minha rotina normal. Fiquei alguns dias na casa dos meus pais, minha mãe insistiu e eu aproveitei que estava de licença médica, pois cada momento o passado com eles já era um pequeno adeus, sei que eles iriam sofrer muito com a minha partida. Meu pai era um professor aposentado, apaixonado por livros, me fez conhecer toda a sua nova coleção e depois de um extenso papo sobre como a tecnologia está tentando acabar com os livros impressos, fomos pescar.

Meu pai costumava pescar num lago que distava de sua casa uns 60 km; abastecemos a caminhonete com os apetrechos para a pesca e uma cesta com vários quitutes preparados pela minha mãe e fomos em direção ao lago.

Nos primeiros quilômetros ele nada disse, eu tampouco. Ficamos ouvindo as músicas que tocavam no Rádio do Carro. Não era um silêncio desconfortável; meu pai sempre foi um homem de poucas palavras e isso sempre foi confortável para mim, pois herdei esse seu aspecto um tanto taciturno. O Rafael já era mais falante como a minha mãe. Eu sabia que jogar conversa fora não era de seu feitio e o seu silêncio era uma forma de me deixar à vontade.

Assim que chegamos, senti um misto de nostalgia e tristeza ao ver o local tão bonito onde meu pai trazia a meu irmão e mim para uma dia de pesca. O dia estava muito bonito e deixava a paisagem ainda mais bela: um grande lago com suas águas tranquilas, permeado por um gramado muito verde e muitas árvores não muito longe dali. O local onde deixamos o carro não era distante, mas não ficava visível, dando a sensação de estar apenas diante da natureza.

Não estávamos sozinhos, mas o local tinha tinha poucas pessoas e por ser um local amplo, nos dava liberdade. Arrumamos tudo e percebi meu pai assoviando uma música. Antes que pudesse ponderar sobre aquilo, ouvi um grito ao longe e levantando meus olhos, vi uma cena caseira que me deixou um tanto perturbado: uma família à margem do lago, o casal sentado numa toalha e uma criança próxima brincando com um cachorro. Observando bem, percebi que o grito da criança não era sinal de alerta, mas era de satisfação com a brincadeira junto a seu animal de estimação.

Essa imagem se fixou em minha mente e imediatamente me veio à memória as vezes que estive ali, também garoto ainda brincando com meu irmão. As lembranças me aqueceram e fechando os olhos pude por alguns momentos voltar àqueles momentos tão importantes na minha infância, onde meu pai, mesmo parecendo impassível às vezes, nos agregava junto a si em, demonstrando nem sempre com palavras, que estava ali por nós. Lembrei-me do quanto o admirava e como sempre quis ser um pai como ele. Eu fui pai, mas não tive oportunidade de saber se seguiria os passos do meu progenitor.

O aquecimento que havia se instalado em meu corpo se dissipou e em seu lugar um frio, um torpor que não sabia ao certo de onde vinha, se apoderou de meus sentidos. Minha cabeça começou a latejar junto com a já conhecida visão turva e por um momento pensei que fosse novamente ter uma crise. Desejei ter algo para mascarar essa dor, como um cigarro especial.

Lembrei-me imediatamente que havia trazido uma bebida mais forte para o caso de necessidade e aquele com certeza era. Peguei o pequeno cantil prateado discretamente e comecei a degustar seu conteúdo, sentindo o líquido quente descer cortando minha garganta.

Aos poucos tudo foi melhorando e comecei a me preocupar com o que meu pai poderia ter presenciado e o que estaria pensando sobre isso. Percebi seu olhar sobre mim e devido a familiaridade imensa que tinha com ele, notei que ele tentava disfarçar e tive a certeza que ele teria algo a dizer.

— Então... — começou ele e instantaneamente meus sentidos ficaram alertas — creio que você não queira falar sobre o que aconteceu. Sei disso porque você é igualzinho a mim, gosta de manter seus problemas só para si. Mas eu aprendi, filho, que isso não é saudável, ninguém consegue ser forte o tempo todo. Inclusive você e eu.

Fiquei pensando por um instante em suas palavras, nem um pouco surpreendido pela sua percepção, pois realmente, somos iguais. A minha mãe era muito emotiva, o que me levava muitas vezes a tentar poupá-la de meus problemas, a aliviar um pouco a sua tensão. Mas meu pai era prático, se via um problema, logo procurava uma forma de resolvê-lo ou pelo menos tentar minimizar os danos.

Porém, como abrir meu coração a um homem que sempre se dedicou para que pudéssemos ter o melhor? Como dizer a ele que eu tencionava morrer para não mais sentir dor, que os livraria do fardo de ter que lidar comigo e minhas constantes crises? Fui pai por um pequeno tempo, mas tenho certeza que faria qualquer coisa para que meu filho estivesse vivo. Não poderia fazer isso com ele. Não seria justo, não assim sendo avisado previamente de meus planos. E ele faria o possível e o impossível para me fazer reconsiderar.

— Sim, pai. Eu entendo, sei onde o senhor quer chegar. Mas não precisa se preocupar comigo, tudo vai ficar bem — quis desconversar, mas não levei em consideração a teimosia que era marca registrada do senhor Valter Bretas, vulgo meu pai.

— Eu sei que vai ficar tudo bem. Eu tenho fé o suficiente para crer nisso — Fé? Antes mesmo de pensar no que responder, ele continuou — Tenho fé e sei que vai ficar tudo bem. Mas, não está tudo bem e é nisso que estou focado no momento. Talvez você não perceba, mas eu sofro mais que você, pois além de sofrer contigo, sofro com sua mãe, sofro com seu irmão, sofro comigo mesmo. Deus não nos dá fardo maior do que nossas forças, meu filho, mas somos uma família, precisamos estar unidos nos momentos felizes e também nos momentos de juntarmos forças. Sozinhos, somos fracos, mas juntos somos muito mais fortes.

Eu tentava entender o meu pai, de verdade. Mas em minha mente ficou martelando suas palavras mencionando que todos estavam sofrendo por mim. Por mim! Isso teria que ter um fim.

— Pode parar de se sentir culpado pelo que eu disse. Não mencionei o nosso sofrimento como uma cobrança ou uma reclamação. Quis dizer que somos uma unidade. Somos da mesma raiz. Eu orei a Deus apresentando a você e a seu irmão como sempre tenho feito e a seu respeito Ele foi bem específico. — Como assim, meu pai orando? Ele nunca foi muito religioso. — Me disse que o caminho seria penoso, mas que tem propósito com sua vida. Eu cri nisso, te entreguei nas mãos Dele, meu filho, e sei que lá é o melhor lugar em que você poderia estar.

— Pai, estou muito confuso com as suas palavras. Acho que nunca o vi falar tanto assim em Deus. Não sei se sabe, mas Ele não gosta muito de mim não. — gracejei, mas vi que meu pai não achou graça.

— Sim, você tem razão e é algo pelo qual lamento muitíssimo. Eu nunca fui religioso, até hoje não o sou. Eu tive um encontro com Jesus e agora sou uma outra pessoa. Vejo tudo sob uma ótica diferente do que via antes, vejo o propósito Dele pra você.

— Claro, belo propósito. Me tirou tudo o que tenho e... — antes que conseguisse concluir, vi o semblante do meu pai mudar subitamente.

— Nunca mais me diga isso! Olhe ao seu redor, não seja ingrato meu filho. Não estou desmerecendo a sua dor ou minimizando a sua perda, mas você só consegue enxergar o que você perdeu! Deus te ama de uma forma tão especial, que me emociono só de saber que Ele tem esse amor pelo meu filho! — nunca tinha visto meu pai chorar, mas percebi que faltava pouco para isso acontecer.

Antes de responder o que passava pela minha cabeça, resolvi ponderar sobre as suas palavras. Deus me ama? Bela maneira de demonstrar seu amor. Melhor não exteriorizar essas palavras, meu pai estava fora de si. Se ele teve um encontro com Jesus, bom pra ele, mas aquele papo não era pra mim. Não mais.

Percebi que ele me observava e tentei dizer algo, mas ele não me permitiu. Apenas se aproximou, sussurrando baixinho um não diga nada, e me deu um abraço apertado no qual senti todo seu amor por mim. Retribuí com muito sentimento, como um adeus silenciosos e fiquei em choque com as palavras que ele falou ao meu ouvido antes de me soltar, me deixando pensativo todo o tempo que permanecemos lá e ainda por bastante tempo depois.

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Capítulo atualizado. Algumas questões que estavam suprimidas iam fazer a diferença lá na frente. Miguel não admite que precisa de ajuda. 

O que será que o pai do Miguel disse que o deixou tão pensativo? Veremos nos próximos capítulos. Sigam-me os bons.

Deixem seu voto e comentário, vamos torcer para o Miguel mudar de ideia, vamos torcer.

Abreijos!

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