03


- Essa mulher, seu policial...

- Você não tem direito de estar aqui!

- Jogou minhas coisas para fora do barco...

Os olhos de um dos únicos policiais de Gamboa se alternavam entre eu e Olaya com uma rapidez nauseante. Na verdade, ele parecia enjoado mesmo.

- Um de cada vez! – Ele se espremia em uma mesa minúscula no canto da delegacia, sem saber o que fazer – Algum de vocês tem prova?

– Foi sem querer, Zé. Você sabe... Ele colocou as malas perto demais da borda... – Olaya falava manso, se aproximando da mesa como uma sereia desgraçada. O sol entrava pelas grandes janelas, desenhando na sombra de seu rosto as barras de ferro e as pessoas apinhadas para acompanhar a fofoca do dia.

- Mentirosa! – Sentia o meu rosto pegar fogo. Talvez eu estivesse a ponto da combustão, de fato.

- Eu vou para a cadeia se bater nele agora mesmo? – Seu nariz empinado riscava o ar com arrogância.

- Certamente vai, Olaya.

- Que pena.

- Eu ví, Zé! – Uma senhora entrava na delegacia apressada, arrastando o pobre marido esfarrapado atrás. – Olaya estava lá, coitadinha, toda ingênua...

Ingênua?

-... quando ele tascou um beijo nela! - o povo não aguentou a declaração. Uma menina, tão entusiasmada com a história, chegou a bater palmas – e naquele momento de paixão, as malas caíram no mar.

- Maria das Dores, você não viu coisa nenhuma! Estava dentro de casa, costurando o caminho de mesa da Dona Márcia... – O marido segurava em seu braço, tentando arrastá-la para fora.

- Posso não ter visto, então. Mas eu senti! Eu senti, Alcides... – Então ela olhou pra mim de verdade com seus olhos astutos e congelou. Suas mãos tremiam diante da constatação – Sal?

Olaya passou por mim e pegou na mão cheia de calos da senhora barraqueira.

- Abuelita, eu tentei impedir. Mas ele veio.

E como ela me viu eu a vi também. O rosto muito mais marcado do que eu lembrava. Estiquei as mangas da minha camisa social, que com aquele calor já estava colada ao corpo, e toquei o ombro da minha avó.

Todas as lembranças da minha infância sussurraram suas histórias nos meus ouvidos, minha mão correndo pelo seu braço e tomando sua mão. Seus olhos eram um mar contido e a boca apertada entre os dentes me fez recuar. Ela estava com medo da minha reação.

Como se eu fosse um animal assustado, muito delicadamente pousou a mão sobre a minha testa em uma bênção silenciosa.

- Ele não deixou você voltar para casa por tempo demais. – Ela suspirou - Tempo demais, Sal. E você se perdeu no caminho.

Me retraí instintivamente com o nome. Temperei a garganta.

- Ele?

Seus lábios selados se abriram. Tomou fôlego.

- Como eu ia dizendo, não houve problema nenhum com esse senhor engravatado. Estamos quites, Zé?- A cobra bateu a poeira das mãos em um gesto displicente e a minha avó se posicionou atrás dela, em um gesto muito íntimo e defensivo; como se ela fizesse aquilo várias vezes. Pensei que talvez meus punhos cerrados eram de ciúmes.

A procissão de gente daquela minúscula delegacia me fez ser empurrado e seguir pela passarela de madeira, minha avó me apontando para os conhecidos, apalpando e mostrando meus braços para as mulheres nas janelas enormes de madeira. A paisagem mudou com os coqueiros se agigantando enquanto as pousadas se escondiam, quietas. Junho era um mês frio e chuvoso na costa da Bahia, e os turistas se resumiam a uns poucos gatos pingados.

Não durou muito para chegarmos à pousada que se estendia preguiçosamente à beira do mar.

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