Capítulo 2

Talvez eu tenha feito a maior burrada da minha vida. Não: eu tenho certeza de que a fiz.

Estou sentado à mesa, minhas mãos imóveis no colo e as de Lola tentando alcançá-las por debaixo do tecido grosso que a cobre. Estou uma pilha de nervos, para dizer o mínimo.

Busco o olhar de meu tio sobre a sala, mas ele está ocupado demais conversando com a jornalista do noticiário local. O nome dela é Ingrid e sua constante alegria me irrita um pouco. Parece jovem, mesmo estando na casa dos quarenta, e seus olhos são dourados como âmbar. Às vezes me pergunto o que viu no mau humorado e solitário Carlos. Estão noivos há praticamente uma semana e, assim como eu, vão anunciar isso para a imprensa hoje.

Assim como eu. Bile sobe pela minha garganta. É difícil evitar, visto que não estou nem um pouco feliz em me casar com Lola. A coisa toda é bem mais uma estratégia de marketing. Seus pais são pessoas importantes no cenário político do país. Ela parece não saber disso, é claro.

Quando nossos olhares se encontram, aparenta estar preocupada. Lanço um olhar de "seu noivo não está ficando louco. Ainda". E ela volta a prestar atenção na conversa que rola solta.

Quando o relógio bate perto das dez, até mesmo respirar é desconcertante. Meu corpo inteiro coça, e sinto como se milhares de formigas irritantes caminhassem por minha pele. Geralmente, é nessa hora que nos encontramos.

Quando a vi pela primeira vez na praia, estava caminhando à noite pela faixa de areia. Levou algum tempo para que finalmente parasse de observar e se aproximasse, ciente de que eu não era uma ameaça. A cada dia que passa, tenho mais certeza de que estava enganada ao meu respeito. Eu sou uma ameaça.

Às nove e quarenta e sete, estou quase pulando da cadeira. Não escuto nada além de sons abafados e do barulho estridente dos talheres arranhando os pratos caros de porcelana.

Ponderei estar ficando louco quando notei as escamas prateadas descendo em degradê por seu quadril. Quase tive um treco quando vi a calda — brilhante como uma jóia, alternando entre tons de verde, azul e prata ao brilho da lua.

Uma sereia. Pensei. A porcaria de uma sereia.

O assunto me assombrou por dias, até que voltei, na mesma hora, e ela estava lá.

Disse que me esperava, que não gostava do fundo do mar. O pai dela, pelo que contou, era ainda pior do que o meu. Não um prefeito oportunista, mas um rei tirano que ameaçava arrancar-lhe a nadadeira se a visse na superfície.

Meu estômago embrulha. Preciso chegar até a praia. Preciso saber se ainda está lá, preciso saber se ninguém descobriu seu plano tolo de vir até aqui.

Como viria, afinal? Me pergunto, a dúvida recém adquirida assombrando meus pensamentos como um fantasma.

Nove e cinquenta, o jantar está acabando. Carlos e Ingrid se beijam como um casal apaixonado e Lola me encara, talvez esperando que façamos o mesmo. Em outra ocasião, o teatro talvez fosse mais realista, mas não estou no clima para mentiras hoje.

Ao invés disso, sorrio e aceno para o fotógrafo. Um flash surge e logo estão passando a câmera de mãos em mãos, alguns reclamando que suas caras não ficaram "agradáveis" na captura. Suspiro pesadamente. Vão nos fazer tirar outra.

Dez e cinquenta e oito, começo a batucar os dedos, abandonando as regras de etiqueta que dizem para manter os cotovelos fora da mesa.

Eles estão quase saindo. Uma faísca de eletricidade se acende e eu finalmente me levanto da cadeira, pronto para sair de fininho pela porta dos fundos e correr até o mar, mas Lola percebe a agitação e segura meu pulso.

— Você está bem? — pergunta, curiosidade e suspeita tomando conta de sua face.

Começo a maquinar um milhão de desculpas para dar. "Estou indo ao banheiro" parece a mais segura, então abro a boca para falar, mas sou interrompido pelo som estrondoso da porta principal sendo arreganhada.

Ela veio.






















Se gostou, lembre-se de votar na história. <3

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top