Parte 2

00:05, hora do desfile, Dia dos Namorados

- Senhoras e Senhores – falei para o recinto vazio – na passarela, Daniel Mattos!

Observei enquanto meu amigo se movimentava com o vestido três vezes maior do que ele. Ri até minha barriga doer com a expressão que Daniel fazia, como se não quisesse estar ali. Como os modelos profissionais geralmente fazem. A cena para mim era inacreditável. Ele me lançou uma piscadela antes de retornar onde estava. Eu peguei o vestido de festa cheio de lantejoulas e aguardei até que Dan saísse do pequeno provador. Ele saiu com as maçãs coradas e com o topete um tanto desajeitado.

- Fiz um bom trabalho? – perguntou bem-humorado.

- Se eu fosse a Gisele Bündchen, me sentiria ameaçada – brinquei.

No provador eu coloquei o vestido tubinho preto e prata. Eu não era gorda, mas também não era magra. O modelo marcava meus culotes, no entanto, decidi sair com ele. Era algo que nunca usaria por me sentir extremamente exposta. Era uma versão de mim mesma que eu não via com frequência. Naquela luz, passei a considerar aquele vestido para mim. Sorri. Tinha me beneficiado por algo que não planejara inicialmente.

Com as pernas trêmulas, embora ainda usasse meus fiéis coturnos, saí do cubículo. Andei a passarela sorrindo e acenei para Daniel antes de parar para as poses. Antes de me virar, no entanto, ele pediu para que eu parasse.

- Joana, não vá ainda. Eu preciso falar algumas coisas para você – Dan me pediu, a expressão subitamente séria. Estremeci – Eu estive pensando sobre a gente. Sobre você, mais precisamente. E eu queria que o Dia da Autossuficiência tivesse dado certo. Eu espero ter conseguido fazer você viver pelo menos um pouquinho do que esperava, porque eu amo ver seu sorriso. Porque você é a pessoa mais bonita que conheço, por dentro e por fora.

- Não diga isso – forcei uma risada – Você nunca viu meus raios-X para dizer que sou bonita por dentro – Dan deu uma risadinha. Eu não gostava de para onde a conversa estava caminhando.

- Eu estou falando sério, Jô – ele pediu com os olhos – Você é a pessoa mais linda que já conheci. E eu sou apaixonado por você. Eu não sei se deveria falar isso em uma data que é tão amaldiçoada por você quanto o Dia dos Namorados, mas dane-se – deu de ombros - É a verdade. Eu sou apaixonado pela curva de seu sorriso, pela sua independência, pelas suas ideias loucas, por quem você é. Eu não sou apaixonado por quem eu poderia ser se você fosse minha namorada. Eu sou apaixonado por você. Inteira – ele me olhou nos olhos, passando a mão no topete mais uma vez – Eu acho que... Eu consigo viver sem você e você consegue viver sem mim e parte da vida é descobrir isso. Mas eu quero que você seja minha dupla oficial. Tipo, namorada, se não ficou tão claro. Porque na maioria dos dias eu me seguro para não te beijar. É isso.

Meu coração estava na garganta quando ele terminou a sua declaração. Eu não estava preparada. Nós vivíamos em um estado que as coisas de repente ficavam tensas entre nós. Mas sempre dava um jeito e desviava para rotas mais convenientes. Então, no momento eu estava indubitavelmente confusa. Eu estava certa de que talvez despertaria interesse em alguém quando estivesse na faculdade. Mas essa pessoa não era meu melhor amigo, esse momento não era agora.

- Eu... não sei o que dizer, Dan – declarei com os olhos ardendo – Eu acho que você está se precipitando. Talvez seja o horário, amanhã você vai pensar melhor. Isso está muito confuso, eu...

Dan me olhou com tamanha vulnerabilidade que fez meu coração doer. Vi a mágoa passar por seu rosto em uma fração de segundo.

- Eu não estava brincando. Estou certo do que estou falando, Jô. Meus sentimentos não vão simplesmente desaparecer quando eu acordar. Eu já acordei diversas vezes e ele não passou.

Respirei fundo.

- É o vestido, não é? Quando você vir a velha Joana resmungona e de calças pretas, você vai entender do que estou falando – profetizei.

- Não é o vestido de festa! Que droga, Jô! Você está com medo de me dar um fora? – indagou – Eu pareço com uma ameba, é isso? Pode me falar. Espera, não me fala.

- Você não parece com uma ameba! – protestei, com um sorriso pequeno – É só que o Carlos nunca mais vai te deixar em paz. E um relacionamento romântico comigo é um fardo meio pesado para carregar. Eles vão fazer piadas falando que sou feminazi, que sou o homem da relação.

- Minha masculinidade não é tão frágil assim. Eu não me importo.

- Eu me importo. Eu me preocupo, não quero que sofra por minha causa.

- O dia que eu ligar para o que o Carlos fala você terá uma razão para se preocupar.

Mordi meu lábio inferior, aflita. Segundos se passaram enquanto nos encarávamos com ternura. Talvez formássemos mesmo uma bela dupla. Senti as borboletas no meu estômago, o rubor me subindo a face. Não sabia em que momento aquilo tinha deixado de ser uma maluquice total, mas parecia certo.

- Eu não quero te pressionar, Joana. Só quero que saiba que gosto de você. E está tudo bem se não souber a resposta hoje, ou amanhã ou até semana que vem – declarou ele, se aproximando para um abraço.

E foi naquele momento de corações batendo forte, de abraço concretizado, que tive certeza absoluta da reciprocidade do sentimento. Com os olhos fechados e com um leve menear de cabeça, acetei seu beijo. Senti sua respiração se juntando a minha e a ponta de seu nariz tocar o meu. Nossos lábios roçaram e se encontraram diversas vezes. Quando pedi passagem com a língua e a típica coreografia apaixonada se concretizou eu estive nas nuvens. A interjeição "uau" era a única capaz de chegar perto de descrever como me senti.

15:40, Dia da Dupla Oficial (aka 12 de Junho)

- O que acha de chamarmos hoje de Dia da Dupla Oficial? – propus em meio a uma colherada de sorvete de leite ninho. O dia estava cinza, mas bonito. Do jeito que me sentia, no entanto, suponho dizer que Crocs poderia virar a maior tendência do mundo e eu ainda acharia tudo lindo.

Dan sorriu, plantando um beijo na minha bochecha.

- Acho perfeito – sussurrou em minha orelha, provocando cócegas. Eu aproveitei a sensação de tê-lo perto de mim e da nossa sinergia.

- Eu tenho um presente para você – Dan proclamou, rindo da minha carranca – Não é material e não custou um centavo.

- Conte-me mais – brinquei, enquanto o encarava com expectativa.

Ele pegou o celular, abrindo um grupo no Facebook intitulado "Manifesto da Autossuficiência", tendo eu como administradora. Havia 50 membros e na descrição do grupo, o meu texto original (omitindo o endereço da Vaca Foi Pro Brechó, claro). Algumas pessoas tinham feito comentários elogiando a iniciativa, outras desabafavam e pediam apoio nos comentários. Se eu disser que meus olhos não transbordaram quando vi o tal presente, estaria mentindo.

- Era uma ideia boa demais para não alcançar outras pessoas – Dan justificou, limpando a lágrima que escorria pelo meu rosto. Lancei meus braços em volta de seu pescoço e enterrei meu rosto em seu ombro, sorvendo o aroma amadeirado. Ele era lógico e era seguro, mas com nuances da imprevisibilidade. Era meu melhor amigo, meu namorado e dupla oficial.

Não poderia estar mais feliz!

***

FIM

Contagem total de palavras do conto: 3.833 palavras

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