Felizes para Sempre?
— Depressa! — Flora exclama, enquanto termina de adormecer a última parte da festa.
Primavera voa de um lado para o outro, perdida. Fauna cruza todo o salão e volta atrás quando vê um músico bêbado sair debaixo da mesa. O encanta para que adormeça e o pobre rapaz boceja, caindo no próprio instrumento.
— Onde está o príncipe, Primavera?! — Flora grita, ficando de pé no chão.
— Eu não sei! — Ela coça a cabeça com a varinha e aponta para onde leva aos estábulos. — E-Ele deve ter acabado de chegar.
— Cristo, então vamos nos apressar! — Fauna vai na frente, voando o mais rápido que pode.
Do lado de fora do palácio, Phillip termina de alimentar o seu cavalo.
— Parece que a vida na farra está com os dias contados, amigão. — Finge que corta a garganta com o dedo e sorri. — Parece que estou noivo.
O cavalo bufa e se afasta dele, como se estivesse cansado dos seus papos chatos.
— Mal agradecido.
— Príncipe! — Flora corre até ele e respira ofegante, cansada.
O sedentarismo atinge até mesmo as fadas.
— Aconteceu alguma coisa? — Questiona, sentindo-se alerta.
— Você faz parte da quebra da maldição! — Primavera informa, ansiosa.
— Você precisa beijar a princesa Aurora. — Com pressa, Fauna apenas segura na manga da roupa dele e o arrasta em direção a torre.
— Opa, opa... Nem conheci e já saio beijando assim? Nossa... Sai no lucro. — Ri com humor e fica meio paralisado ao perceber que todos dentro do castelo estão dormindo.
Assim que termina de subir todos os lances de escada, o quarto da princesa chega. Lip lambe a mão e passa no cabelo, ajeitando-o para que fique no lugar. Lentamente, adentra o aposento e a vê ali... Adormecida num sono profundo e com uma rosa vermelha em mãos.
— Acho que eu já a vi antes... No bosque. — Sorri torto e caminha devagar até ela. — Por algum motivo, meu cavalo sempre ia na direção oposta da sua.
Abaixando-se, ele a beija. Um selinho breve.
Nada.
— Acho que tem que ser com mais emoção. — Ri sacana e a beija mais uma vez, só que agora move os lábios.
Nada.
As fadas começam a se desesperar. O efeito deveria ser instantâneo! Isso só significa que-
— Mal... — Primavera sussurra.
— O Malévolo! — Flora arregala os olhos. — E-Ela o-
— Ama. — Fauna termina a fala. Suspira. — Essa pobre garota caiu de amores pelo homem que amaldiçoou sua vida.
— Precisamos encontrá-lo. — Primavera bate o pé e dá meia volta.
— Ficou maluca? — Fauna berra, claramente contra isso.
— Essa é a única maneira de salvar a Aurora! — Argumenta e sai andando na frente, deixando Flora e Fauna para trás.
Rápido, as duas começam a acompanhá-la.
E elas não precisarão de muito para encontrá-lo. No piso principal, Mal olha para o nada, sentindo-se miserável. Está numa cadeira e todos estão adormecidos ao seu lado. Um deles, inclusive, deita a cabeça em seu joelho.
Enquanto ele lamenta pelos próprios erros e escolhas, se lembra de coisas boas que passou ao lado dela. Malévolo nunca mereceu nada, mas conseguiu tudo mesmo assim. Seu sorriso aparece devagar enquanto se recorda do dia em que recebeu o sabonete de rosas. Quando era uma fada real, ele costumava ganhar jóias e ter luxo... Mas nada daquilo se comparou ao sabonete que ela fez.
— Fecha os olhos. — Aurora pede, sorrindo com as mãos para trás.
Mal revira os olhos, cruzando os braços e se recusando a obedecê-la.
— O que você quer?
— Só quero que feche os olhos. — Diz, simplesmente, e sorri como uma criança.
Resmungando, ele faz o que ela pede. Com delicadeza, a loira puxa um braço dele. Malévolo dá um pulo e ela precisa morder o lábio para não rir. Então, coloca a peça ali.
— Prontinho!
Entediado, ele abre os olhos e fita o que tem em mãos. E é... Lindo. Um sabonete rosa, ok, mas tão... Delicado. Há até mesmo uma flor no meio.
Ela o olha, ansiosa e curiosa.
— E então... O que achou?
— A sua... Resposta para a pergunta daquele dia é um sim, então. — A fita e sorri.
Aurora sorri ainda mais de volta e ri, balançando a cabeça. Por impulso, beija rápido a bochecha dele.
E, por mais incrível que pareça, ele cora!
— Parece que sim.
As três fadas chegam ao mesmo tempo. Ainda da mesma maneira que antes, Mal diz:
— A maldição se realizou, então?
— Seu filho de uma-
Primavera precisa segurar e conter Fauna antes que ela tente fazer alguma besteira. Respirando fundo, Flora fala:
— Você precisa salvá-la. A Aurora ama você. Você é o amor verdadeiro dela.
— E depois o que aconteceria? — Malévolo indaga, mesmo sem querer a resposta. — Ela acordaria e iria querer ficar com o maldito que quase arruinou a sua vida?
— Não temos tempo para isso, Malévolo. — Fauna cerra os dentes e fala ao tentar jogar alguma magia nele.
O moreno se levanta devagar e respira fundo. Limpa a garganta.
— Não posso ficar com ela. Por isso, apenas abdiquei dos meus poderes para que ela fique com quem merece. — Olha o cajado e acaricia a pedra verde brilhante. — Eu fui contra a minha própria força... E me livrei dos meus poderes.
— O quê? — Primavera franze o cenho e olha para as outras duas fadas.
Nesse momento, no quarto da princesa, ela desperta. Precisa puxar o ar com força, como se estivesse sem ele nos pulmões.
— Eu não serei mais um ser mágico. Vocês venceram. — As olha. — Mesmo naquela época, vocês já haviam vencido.
Elas engolem em seco ao mesmo tempo.
— Se você não é mais poderoso, então pode morrer. Ninguém precisa de você aqui. — Phillip aparece, tirando sua espada da cintura, tentando ser um herói.
Malévolo ri nasalado e balança a cabeça.
— É verdade... Mas não posso morrer sem lutar.
E o seu último feitiço é transformar o cajado em uma espada.
— O que aconteceu? — Na cama, Aurora se pergunta e olha estranho para a rosa. Olha apavorada em volta do quarto e sente um mau pressentimento. — Mal...
No piso principal, Lip ataca Malévolo. Ele esquiva e o outro golpe ele defende com a lâmina afiada da sua espada.
— Você não vai vencer, criatura nojenta.
— Isso já não me importa mais. — Declara e provoca o príncipe com um pequeno corte na roupa.
O garoto se enfurece e ataca Mal com mais força.
— Mal!
Aquela voz... Aquela doce voz.
Erguendo o olhar, Malévolo se distrai com a linda garota. Ela o olha em pânico e depois volta a descer a escada com pressa.
Por causa do seu momento de distração, o mais velho é golpeado no estômago. A espada o atravessa e Phillip exibe um sorriso de triunfo. O moreno cospe o sangue na lâmina brilhante da espada do príncipe, que o empurra com o pé. Mal cai na poça do próprio sangue.
— Não!
Aurora grita e corre até ele. Empurra Lip e se abaixa ao lado do seu amor. Chora com desespero e segura as mãos dele.
— Não... Não. Não, não, não, não! Você não pode me deixar aqui! Você não pode me deixar sozinha! — Soluça e então olha as tias, horrorizadas demais para dizerem qualquer coisa. — Façam alguma coisa! Ele está morrendo!
Nenhuma delas se move. Fungando, ela o fita nos olhos e acaricia sua bochecha.
— Por favor, não me deixe.
Mal sorri fraco e leva com dificuldade a mão até a bochecha dela. A loira suspira.
— Eu te amo. Você jamais deve me deixar.
O sorriso dele permanece. Céus, após tantos anos ele nem sabia que ainda era capaz de se sentir assim. Mesmo que fosse o fim, era feliz porque estava com ela.
Isso é o que importa.
— Você... — Sussurra. — Foi a melhor coisa... Que aconteceu comigo.
Aurora chora ainda mais e sente o desespero a dominar completamente quando ele fecha os olhos.
— Não! Por favor, não!
Olha as fadas mais uma vez e implora novamente:
— Por favor, salvem ele!
Elas ficam em silêncio, até Primavera dizer:
— Sinto muito, Aurora.
A jovem nunca sentiu isso antes. Mas, agora parece o momento ideal para sentir raiva e desprezo pelas mulheres que cuidaram dela. Num momento de afobamento como esse, a única escolha dela é essa:
Aurora o beija. Uma, duas, três vezes. O beijo é salgado e metálico, mas não importa.
Por que não faz efeito?
— Mal? — Ela o chama pela última vez e então deita a cabeça em seu peito.
A mais nova nem tenta conter os soluços, porque sabe que não conseguirá. Todo o salão faz silêncio para ouvir a dor dela.
Mas... O feitiço não pode funcionar no próprio feiticeiro?
Aos poucos, o coração de Malévolo volta a bater. Fraco, no início. Depois disso, torna-se forte. Seus pulmões demoram para voltar a trabalhar, mas logo entram no ritmo. Os olhos dele se abrem com uma lentidão torturante.
Gemendo de dor, Malévolo balança Aurora e brinca:
— Você está... Pressionando a minha ferida.
Com os olhos arregalados e desacreditada, a princesa o olha como se fosse a primeira vez que o vê. Igual naquele dia no campo, quando sua magia falhou e ele apareceu diante dos seus olhos. O sorriso dela aparece após o choque inicial e ela ri. Então, querendo voltar para os braços dele, ela o abraça fortemente mais uma vez. Seu choro é de felicidade e ela não se contém antes beijá-lo mais uma vez.
O desejo dele é aprofundá-lo, mas antes precisa dizer uma coisa. Por isso, afasta brevemente as bocas.
— Havia uma coisa que eu queria te dizer antes de quase morrer.
Aurora franze o cenho.
— O que é?
E ele responde:
— Que eu... Também amo você.
Ela sorri com ternura. Acaricia seus cabelos e finalmente se aproxima para beijá-lo como gostaria.
— Mas que palhaçada é essa aqui?! — Stefan se exalta e se ergue do trono.
Quando foi que todos despertaram do sono, mesmo?
— P-Pai... Eu posso explicar. — A mais nova começa e pensa em dizer toda a verdade.
— Não. — Mal segura no ombro dela e não permite que diga mais nada. — Eu tenho coisas a dizer.
Com dificuldade, se levanta do chão ensanguentado. O povo parece horrorizado. Vejam só: A princesa está com o homem que a amaldiçoou.
— Quem você pensa que é? — O rei quase perde o fôlego. Passa a mão no rosto e indica para que continue. — O que você quer?
— 28 anos atrás, não fui eu quem quis trair o reino.
Stefan arqueia uma sobrancelha e as três fadas se entreolham.
— Foram elas. — Malévolo indica o trio, que tentava escapar na surdina.
O rei não parece convencido. Ele cruza os braços e ri com desgosto.
— Espera que eu acredite em meias palavras?
— Lancei a maldição em Aurora porque queria me vingar de um homem que preferiu acabar com o que eu era, para acreditar em três desconhecidas. — A mágoa é presente em seu tom e ele nem faz questão de afastar isso.
— Três desconhecidas que abriram os meus olhos para-
— Para a mentira. — Afirma e dá um passo para frente. — Eu jamais trairia o reino. Eu não me vendi para ninguém. Aquelas três... — Continua apontando para as mulheres baixinhas. — São as verdadeiras traidoras. Elas que iam entregar o reino e eu... — Aponta para si mesmo. — Fui o idiota que serviu para elas ficarem bem.
Quase é possível ver o bigode de Stefan tremer e o rei precisa se segurar antes de perguntar:
— Isso é verdade?
Nenhuma delas quer abrir a boca. Que ladrão se entrega de boa vontade? Só que Primavera é a menos ruim de todas elas.
— É. Isso é verdade.
Aurora fica atrás de Mal e acaricia suas costas. O ex-vilão a encara, querendo saber se está tudo bem. Com um sorriso dela, ele tem a sua resposta.
— E também, Majestade... — Ainda a olhando, Malévolo continua a falar. — Meu nome não é Malévolo. É Dimitri.
A princesa sorri ainda mais por finalmente ouvir o verdadeiro nome do homem da sua vida.
— Vamos sair daqui. — Ele murmura e a pega no colo.
Enquanto os guardas prendem as três fadas e o povo se preocupa pelo rei estar tomando água com açúcar, a futura rainha do país mostra que não está nem aí para a porcaria da coroa. Jogando a sua tiara no chão, Aurora sorri para Dimitri e o beija. Por fim, declara:
— Vamos embora.
FIM!
(2044 palavras)
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