A Escuridão se Faz Presente
O café da manhã foi o melhor dos dois últimos dias entre Malévola e sua família. Diaval parecia ter voltado ao seu melhor normal, estava sorrindo e brincando com Aurora. Aparentemente ele só mudou com ela, e mais ninguém. Não demorou para ele e a princesa iniciarem uma guerra de lama, Malévola não se envolveu, afinal não era de seu perfil fazer isso, mas admitia que sentiu um leve comichão de vontade de participar. Mas bem, tinha uma imagem a manter. Em poucos minutos a filha e o seu amigo de outrora estavam cobertos de lama.
- Malévola. - a fada se virou atenta ao se levantar, Nazca jazia parada ali perto. A anciã parecia inquieta.
- O que deseja? - Malévola deixou Aurora e Diaval para trás e se aproximou da velha fada.
- Preciso te mostrar uma coisa, mas está em meu templo. Se importaria de me acompanhar? - Nazca falou tentando não soar tão preocupada quanto estava, Gilic era forte, um ser mágico que possuía a magia de quatro pessoas da família, herdeiros únicos da magia da Fênix. Se ele fosse realmente quem Nazca achava que era, seria perigoso demais ele ouvir o que ela tinha a dizer.
- Claro. - Malévola não diria que não sentiu nada diferente na anciã. Mas sentiu. Olhou uma última vez pra cena cômica de sua pequena família e saiu voando, logo sendo acompanhada pela outra fada.
(...)
Diaval esperou ainda por cinco minutos depois de ver Malévola desaparecer no céu. Ela e Nazca pareciam normais do ponto de vista dele. E bom, de qualquer forma era a sua chance, estavam apenas ele e a princesa ali.
- Devíamos ir nos livrar de toda essa lama. Depois posso levar você pra conhecer a árvore dos mortos. - ele sugeriu de maneira leve. Era quase como se fosse Diaval.
- Pode ser, acho que mamãe vai demorar pra voltar. - Aurora foi a primeira a se levantar do chão limpando as mãos sujas no vestido.
Dentro daquele corpo qual Diaval não queria mais habitar, pensamentos perversos se multiplicaram. E o pobre corvo cantava uma melodia triste e mórbida. Diaval estava esgotado, tão, mas tão cansado que seu pequeno corpo cheio de penas negras jazia repousado no chão. Ele estava morrendo, sentia a escuridão tomando quase todo seu coração. Não aceitava o fato de que suas mãos, seus olhos e seu corpo iriam ferir sua criança. Ele não tinha forças, mas só pedia na música indecifrável para os homens, que alguém o matasse logo.
(...)
Ambas as fadas pousaram no templo em menos de quatro minutos. Nazca então mostrou sua verdadeira face, a fada estava apavorada, agitada e entrou sem nenhuma cerimônia pela cortina de folhas verdinhas.
- Isso vai parecer muito importuno, mas preciso que me diga tudo que observou de diferente em Diaval. - a fada falava sem sequer parar para olhar Malévola.
- Mas que pergun...
- Por favor, só me diga. - Malévola revirou os olhos para a súplica da fada, mas começou a falar.
- Bom, ele está bem diferente para dizer a verdade. Está mais atrevido, distante e frio. Está tão diferente que eu mesma sonhei... - Malévola repensou se deveria contar aquilo ou não. Era uma coisa bem pessoal, mas era Nazca ali. - Sonhei que ele era Gilic. - a fada sentiu um peso saindo de suas costas ao contar sobre o pesadelo.
- Você viu, não é sonho, você é um ser mágico, não sonhamos. - Nazca se aproximou da fada novamente, um pergaminho velho na mão. - Foi um aviso, uma previsão. Gilic está em Diaval. - Nazca parou por um segundo para dar tempo a Malévola, pra que ela pudesse digerir a nova notícia.
- Está dizendo que Diaval é Gilic? - Malévola sorriu levemente. Era óbvio que era uma brincadeira, Nazca não estava realmente dizendo que Diaval é na verdade um fada que adoeceu da cabeça e cometeu atrocidades.
- Eu sei que parece impossível, afinal Diaval ainda se parece com Diaval, mas eu senti. - A fada não parecia estar brincando. - E você sentiu também. Você sabe que não é o seu Diaval ali. - Nazca acusou, Malévola sentiu um arrepio, ela sabia.
Seu sonho não foi só um pesadelo, era uma visão. Era um alerta, sua magia havia sentido Gilic antes mesmo de ela admitir para si mesma. Então... Diaval estava frio, distante, mas não porque não gostava dela, mas porque não controlava mais seu próprio corpo, não era mais Diaval alí. Ela dormiu por duas noites ao lado de um ser que não teve a chance de conhecer, por isso sentia se constantemente em perigo. Será que seu amigo pássaro ainda vivia?
- Então se isso é verdade, você deveria ter me deixado lá. Se ele é Gilic, Aurora está em perigo. Toda a ilha está em perigo. - a fada negra alçou vôo antes mesmo do raciocínio da anciã se completar.
(...)
Aurora se sentia levemente cansada. Era como se alguma coisa ao seu redor a estivesse deixando muito cansada. Ela e o padrinho já estavam caminhando por algum tempo, não que Aurora não fosse acostumada a andar, mas ultimamente não andava mais tão disposta. Mesmo que a menina falasse com Diaval, e fizesse alguns comentários sobre a beleza daquele lugar, Diaval não a respondia. Estava distante e calado desde que saíram de onde Malévola os havia deixado. Sem poder conter o próprio corpo, Aurora derepente sucumbiu ao cansaço, a luz do dia deu lugar a escuridão, e a consciência a abandonou.
Gilic sentiu se ainda mais forte quando percebeu que conseguia se alimentar da energia iluminada que a princesinha exalava. E desde que a convenceu a caminhar com ele, vinha drenando a energia da moça, era mais proveitoso do que a ideia inicial que tinha pra ela. Dentro de si, quase não havia mais Diaval, finalmente o corvo havia se calado, a dor e o medo que exalava dele servia ainda como alimento para si.
- É o fim. Eu sei que a essa altura a sua preciosa Malévola já sabe que na verdade eu sou eu, e não você. Mas não morra ainda, preciso de você pra quando ela chegar. - Gilic deixou-se ser visto em toda sua glória pelo corvo.
Gilic estava forte, possuía um corpo e até mesmo a aparência apodrecida de sua carne estava mais discreta. Será que ele mudaria a aparência do corvo quando ele morresse? Diaval sabia que morreria, mas queria morrer logo. Estava vendo Aurora morrer, e não conseguia fazer nada, e em breve teria de ver Malévola morrer. Ele não queria. Já não tinha mais lamentos em seu peito que já não tivesse lamentado. Não havia mais maldição que ele não tivesse lançado em Gilic. Ele tentou, tentou tudo que podia, o máximo que pode e era isso. Era seu fim. Morreria como um inútil e com a sensação de ter matado tudo que havia de mais especial em seu coração.
- Viu. Eu disse que você não conseguiria, e como eu previ, você não conseguiu vencer a escuridão. Você está dominado, inundado por mim, em breve não existirá mais você. - Gilic balançou a gaiola com força fazendo o corpo cansado do pássaro bater contra as grades várias vezes. - Bom, agora eu tenho que ir, fazer umas coisas mais importantes do que gastar tempo com mais um ser inútil.
Gilic voltou ao exterior, Aurora estava fraca no chão ao seu lado. Ninguém a encontraria alí, tão longe. E se ela permanecesse até a noite cair, certamente morreria congelada. Então. Que seja. O fada, cansou-se de toda aparência frágil do corvo e começou a fazer as mudanças que achou necessário, recitando seu mais vasto conhecimento sobre magia negra.
Os olhos antes negros de Diaval deram lugar a olhos amarelos como o sol. As cicatrizes que já vinham se reacendendo antes, tornaram-se vermelhas como sangue. Das costas, acima de cada omoplata uma asa enorme e negra surgiu, mesmo sendo alto, as asas ainda assim arrastavam no chão. As roupas simples e pretas, deram lugar a uma quase armadura de batalha. Os chifres eram longos e nas pontas brilhavam. Não era mais Diaval quem estava ali. Ele já não existia mais.
Gilic sentiu a dor de sua irmã ao não encontrar a filha. Como seu último feito antes de partir para a destruição, ele invocou a escuridão. O céu que antes aparentava o dia foi engolido por uma manta grossa e escura. Um buraco se abriu ali.
- Eu os convido, espíritos malignos escondidos nas trevas. Renasçam e tomem os corações. A terra será nossa. Akem Manah, Entitas Agreas, Inimicus Rakshasa.* - ao fim da fala, três enormes seres surgiram daquela fenda. Corpos físicos deformados, a pele pálida de um, e outros dois possuíam uma pele rochosa. Braços que se assemelhavam a tentáculos. - Destruam tudo, e todos. - cada ser foi enviado a um lugar do qual Gilic sabia que era importante para a irmã, um para Moors e um para Ulstead. Apenas um foi deixado na ilha. - Que se inicie a guerra!
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Não tem mais volta, a guerra começou!
A treta segue piorando por aqui.
Sobre os "demônios" invocados por Gilic.
*Aka Manah: Esse demônio, também conhecido como Akem Manah ou Akoman, é originário da mitologia zoroastriana. Ele é capaz de gerar pensamentos ruins na mente dos humanos e impedi-los de cometer bons atos. Seu nome, inclusive, indica isso. Manah refere-se a mente e Aka "fez mal", ou seja, ele é o demônio das más intenções, da mente do mal. Influenciados por ele, pessoas se tornam más.
Agreas: Originário da mitologia demonológica cristã. Ele é capaz de paralisar vítimas no momento da fuga, seja contra desastres naturais ou durante ataques. Agares, também conhecido como Agreas, é um demônio masculino que governa a zona oriental do Inferno e tem sobre seu comando, 31 legiões de demônios. Ele é retratado como um pálido ancião que carrega um falcão e monta em um crocodilo, capaz de dizer todo tipo de palavrão e insulto, devido ao seu domínio de todas as línguas.
Rakshasa: O nome vem do sânscrito "raksha", pedir proteção, já que eram seres tão horripilantes que induziam, a quem quer que se deparassem com eles, a pedir proteção.
Eram seres abomináveis, canibais e de mente perversa
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Já já sai o próximo, muitas emoções por vir!
Até a próxima!
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