1. MISSÃO
Volterra, ano 2052
— Bella! — A voz irritada de Jane me tirou de meu devaneio. — Sabe que eu detesto quando falo com alguém que está fazendo cosplay de estátua.
Eu ri levemente de sua expressão.
— Bom, é você que insiste em falar comigo quando estou mergulhada em pensamentos.
Ela suspirou, ficando na minha frente e me olhando com aquela expressão angelical que escondia uma mente diabólica.
— Quantas vezes eu já falei que não faz bem ficar pensando em sua vida humana? Lembranças são inúteis.
— Nem todas elas. Eu deixei pessoas que me amavam, Jane. Meu pai sofreu muito com o meu desaparecimento.
— Já se passaram pelo menos quatro décadas, teu pai já está idoso, quase no fim da vida. Pra nós isso é nada, mas pra ele é tempo suficiente para superar uma perda.
— Não quando não há um corpo para enterrar nem a confirmação do que aconteceu. Ele é meu pai, sempre vai sentir minha falta.
Ela suspirou, aborrecida. Já tivemos essa conversa antes, e os argumentos nunca mudavam.
A maioria dos vampiros não se lembra de sua vida humana, pois o fogo da transformação consome tudo. É preciso se ancorar em uma lembrança forte o bastante durante a mudança para conseguir se lembrar, e ainda assim fica nebuloso.
Eu me foquei no ataque que sofri antes de ser transformada, por isso me lembrei de cada um dos meus algozes e de como cheguei até aqui, e depois que minha vingança foi concluída, passei a forçar minhas memórias sobre as pessoas que eu amava, minha família humana, para poder compensar minha mente pelas lembranças da dor que me foi infligida. No entanto, anos de esforço para me lembrar só me trouxeram um rosto borrado.
Eu sabia que meu pai se chamava Charlie Swan e era chefe de polícia em uma cidadezinha pacata do estado de Washington, nos Estados Unidos, mas não conseguia me lembrar de seu rosto.
Foi necessário muita pesquisa para encontrar informações em diversas matérias de jornais de todo o país. As matérias se repetiam. Charlie sempre aparecia abatido, dizendo que precisava saber o que havia, de fato, acontecido à sua amada filha Isabella, que desapareceu em uma excursão da faculdade na Itália.
Vez ou outra apareciam trechos de falas de uma mulher chamada René, minha mãe, de quem eu não conseguia me lembrar o suficiente, já que eu fui, segundo entrevistas dela, morar com meu pai quando adolescente e mal conseguia ver ou falar com ela quando fui para a faculdade.
Fora essas duas pessoas, eu não pensava em humanos nem convivia com eles, a não ser que se pudesse considerar convivência os segundos que eu levava para sugar todo o sangue dos seus corpos. A verdade é que eu os desprezava e preferia considerá-los estritamente alimento em vez de seres pensantes dotados de emoção.
Jane estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente com a minha recente distração no meio da conversa.
— A polícia encontrou teu sangue, tuas roupas rasgadas e esperma daqueles cretinos por todo o local do crime, e eles nunca foram encontrados, pois nós os rastreamos e apagamos quaisquer vestígios que trouxessem a polícia até nós. Para todos os efeitos, os cinco fizeram as maiores atrocidades com você, te mataram, deram fim no corpo e depois sumiram no mundo, foragidos. São procurados até hoje.
— Isso não muda nada para mim. Desiste, Jane, eu vou continuar tentando me lembrar do meu pai. Mas você estava falando alguma coisa sobre Caius.
Ela revirou os olhos e colocou as mãos na cintura.
— Sabe que essa tua mania de não chamar o mestre Caius como todos os guardas fazem... É isso que deixa a Athenodora irritada.
— Ela fica irritada porque tem uma existência entediante, trancada na torre e protegida o tempo todo. Caius é louco por ela, tão dedicado que chega a causar enjoo. E eu nunca vou chamá-lo de mestre porque o vejo como um irmão mais velho e muito chato.
— E qual tua desculpa para também não chamar os mestres Aro e Marcus como deveria?
Eu dei um sorriso irônico.
— Jane, querida, eu sou uma garota do século XXI. Nós crescemos chamando os mais velhos de “tios”. Aro e Marcus parecem mais velhos, por isso eu os chamo de tios. Caius é um velho ranzinza, mas em um corpo jovem, então é como um irmão.
— Ai, Bella... Eu me preocupo com o dia em que as esposas vão se revoltar com a “guarda insolente” que não se põe em seu devido lugar.
— Elas podem até não gostar de mim, Jane, mas é a guarda insolente aqui que protege suas bundas brancas de serem atacadas por vampiros poderosos que gostariam muito de destruí-las para desestabilizar os seus maridos. Veja o que aconteceu com a Dydime.
— Como você sabe a história da irmã do mestre Aro e esposa do mestre Marcus?
— Tem uma biblioteca imensa no castelo, com registros e diários sobre como o clã Volturi surgiu e todas as guerras que se desenrolaram no mundo sobrenatural a partir deles.
— Mas o mestre Aro não permite acesso completo à biblioteca. Esses arquivos são guardados na sessão que apenas os mestres acessam.
— Uma sessão que você conhece bem, por ser uma das queridinhas do tio Aro. Alec, Demetri e Renata não acessam porque não se interessam por leitura, mas eu sim. Tio Marcus disse que eu sou ainda mais viciada em livros do que você. Eu já li quase todos os exemplares daquela biblioteca nos últimos trinta anos.
Ela bufou, cruzando os braços e fazendo beicinho.
— Isso não é justo! Eu só fui permitida de frequentar a biblioteca depois de cinquenta anos servindo aos mestres, e esperei mais vinte pra poder ler os registros.
Eu dei de ombros com um sorriso e a beijei na bochecha. Ela deu um passo atrás, me encarando com um rosnado.
— Ei, não rosna pra mim! Eu não tenho culpa de ser a favorita do Marcus. Você ainda tem a coroa de favorita do Aro.
— Mas precisa da autorização dos três ou de dois deles...
— Isso é uma prova de que o Caius me vê como uma irmã também. Ele disse que eu sou uma pentelha abusada.
Ocultei a informação de que Aro foi o primeiro a aceitar meu acesso à biblioteca. Ele passava horas debatendo comigo sobre filosofia e história mundial. Era bizarro, para dizer o mínimo, o quanto os vampiros estavam envolvidos nos conflitos humanos em todas as épocas. Eles gostavam de causar o caos, até que os Volturi decidiram instaurar uma ordem e leis para que não fôssemos expostos. Porém, é óbvio que eles também carregavam guerras e massacres em seu histórico antes de alcançar a quase “realeza” sobrenatural. Não eram reis de verdade porque a maioria dos sobrenaturais não os reconhecia como tal, mas atuavam como se fossem.
— E ele tem razão — Jane replicou, amuada.
— Você fica fofa quando está brava — eu provoquei, rindo do olhar mortal que se via quando ela usava seu dom. Nunca funcionou em mim. — Dá pra dizer logo o que o Caius quer comigo?
Ela revirou os olhos.
— Ele convocou a guarda de elite para uma reunião daqui a... bem, era em meia hora, mas já quase passamos esse tempo falando, então vamos.
Eu dei de ombros, acompanhando a loirinha brava até o escritório dos irmãos. As poucas visitas que tínhamos achavam que eles passavam seus dias sentados nos tronos do salão principal olhando para o nada, porém, cada um tinha hobbies e atividades importantes que envolviam cultura, como artes, música, teatro e literatura.
Os mestres tinham mais interação com o mundo humano do que se podia imaginar. Obviamente, eles agiam disfarçados como empresários humanos, apesar da guarda estar sempre por perto, oculta, para o caso de eles serem reconhecidos por inimigos ou ameaças potenciais.
De qualquer forma, as únicas que ficavam o tempo todo na torre do castelo eram Sulpícia e Athenodora, as esposas de Aro e Caius.
Por ser o único sem um dom no trio, Caius tinha que ter algo especial. Ele é um excelente estrategista, prático, cruel e ótimo lutador. É claro que ele deixou as lutas físicas de lado depois que o clã se estabeleceu em Volterra, porém o lado estrategista sempre está presente, por isso é ele quem planeja e comanda quaisquer missões da guarda, mesmo quando a ordem parte do Aro.
Fazia algum tempo que eu não saía da Itália para uma missão. Provavelmente uma década. A última vez que precisei matar um criminoso foi há dois anos, nos calabouços do castelo. Às vezes fica chato não poder se afastar mais do que a distância de uma hora de corrida vampírica.
Foi por isso que o meu humor ficou ótimo quando cheguei ao escritório e vi Alec, Demetri e Félix sentados à frente do Caius. Para ele chamar todos nós, tinha que ser uma missão.
— Que bom poder contar com sua nobre presença — Caius falou com um tom de ironia.
Eu dobrei os joelhos, segurando nas laterais do meu vestido inexistente e curvando a cabeça em uma reverência exagerada.
— Meu prazer servi-lo, Milorde.
Demetri tentou segurar um sorriso enquanto Alec cobria a boca com a mão, sem poder disfarçar, e Félix soltou uma espécie de urro que lhe rendeu uma feia encarada da parte de Caius.
— Agora que estão todos aqui, vamos ao que interessa. Recebemos uma denúncia sobre um exército sendo criado em Seattle, e até onde nos consta, o único clã que se fixou na península olímpica foi o de um antigo amigo, que esteve em nossa guarda durante algumas décadas. Carlisle Cullen.
— Me desculpe, mestre, mas que eu saiba, criar exércitos de vampiros não é um crime — observou Félix.
— Se torna crime quando o criador não exerce controle sobre os seus recém-criados e os deixa causar destruição a ponto de chamarem a atenção dos humanos e ameaçarem o segredo de nossa existência.
— Nesse caso, o senhor desconfia do Cullen? — indagou Alec.
Caius sacudiu a mão displicentemente.
— Eu duvido que o Carlisle faria algo assim. Ele é muito civilizado, detesta violência e se recusa a beber sangue humano. Sua área de caça não está ameaçada e ele não tem prazer em transformar humanos, então não faz sentido criar um exército. Mesmo assim, como o seu clã vive naquele território, preciso saber se eles têm conhecimento sobre quem está fazendo isso e por que ele e os seus ainda não deram um jeito nessa bagunça.
Nesse momento, Aro entrou no escritório pela porta que dava acesso aos seus aposentos.
— Esta é uma missão em busca de informações, e como meu querido Carlisle já conhece os nossos quatro soldados de elite mais antigos, preciso que você, Bella, se aproxime do clã dele para saber se algum membro ali está envolvido com esse exército. Consiga o máximo de informações possível e relate tudo para o Caius.
— Pode contar comigo, tio Aro!
— Mas cuidado, querida. Eles não são como nós. Costumam viver entre humanos, interagir com eles e fingir serem como eles. Você precisará colocar em prática suas habilidades de atuação. Será uma espiã e eles precisam confiar em você para deixarem que se aproxime o bastante.
Eu sorri, apesar de não estar animada com a ideia de viver entre humanos. Eu os odiava e, embora não tivesse problemas para controlar minha sede perto deles, era insuportável pensar em ser gentil, cortês e solícita com meras bolsas de sangue ambulantes, e era ainda pior não poder me alimentar como gostaria perto de um clã que só bebia animais. Isso era nojento.
— Tudo bem — respondi.
— Demetri irá acompanhar Bella, pois é mais fácil encontrar o clã de Carlisle com seu dom — Caius informou. — Mas fique escondido e cubra seus rastros. Quanto aos outros, sua missão é rastrear e observar o tal exército para saber quem é o criador e qual o seu objetivo. Não interfiram em nada. Vou esperar notícias da Bella para dizer como devem proceder. Alguma dúvida?
— E se os Cullen forem culpados? — perguntou Jane.
— Vocês irão agir como sempre, aplicando a lei e exterminando os culpados, bem como o exército.
— E se eles forem inocentes e o alvo do exército? — eu questionei. — Eu terei que me revelar e ajudá-los?
Aro e Caius trocaram um olhar.
— Sobre se revelar, é decisão sua — respondeu Aro. — Mas sobre ajudar, espere que o Caius autorize a participação ou a retirada de todos vocês.
— Certo — eu murmurei.
— Preparem-se para partir essa noite — ordenou Caius. — Vocês viajarão de avião direto para Seattle. De lá, Jane, Alec e Félix partirão a pé para a sua missão, enquanto Bella e Demetri vão de carro encontrar os Cullen, afinal, não queremos que sejam rastreáveis. Podem se retirar.
Todos fizemos reverências aos mestres e saímos da sala. Quando eu já estava fechando a porta, Aro me chamou, dizendo:
— Não se afeiçoe demais aos Cullen, minha querida. Não quero perder minha criação mais primorosa.
Eu assenti com um gesto de cabeça, então parti.
Naquela noite, após arrumar uma pequena mala com calças e blusas de manga comprida, afinal eu tinha que fingir ser humana e vestir roupas mais quentes em lugares frios, coloquei meu manto em uma bolsa de mão e fui encontrar os outros guardas de elite na garagem.
Santiago e Heidi conduziram dois carros para nos levar ao aeroporto de Pisa, que ficava a uma hora de distância. Eu fui com Alec e Jane no carro de Santiago, o tempo todo perturbando a Jane com a ajuda do Alec.
Em uma parte reservada do aeroporto estava o jato que nos levaria até um hangar em Seattle. O piloto era Demetri, com seu incrível senso de direção e por sempre saber para onde ir. Seu dom facilitava tudo para nós.
Depois de quase dezoito horas de voo, nós chegamos ao hangar, onde um carro esperava por mim e Demetri. Nos despedimos dos outros e partimos para onde o dom dele nos levava.
Em uma velocidade bem acima do permitido pelas leis humanas, duas horas e meia se passaram até chegarmos a uma cidade cuja placa de boas-vindas anunciava “Port Angeles”. Ali resolvemos andar um pouco para caçar.
Estávamos em uma região deserta quando ouvimos gritos e sons de passos correndo. Gargalhadas ecoavam nos armazéns vazios e eu podia sentir o pânico da garota que fugia.
Dei um sorrisinho para Demetri. Esse era o meu tipo favorito de caça: predadores sexuais. Eram três homens encurralando uma jovem que não devia ter mais que dezoito anos, obviamente bêbada, com a maquiagem borrada por causa do choro.
Eu me aproximei, fazendo barulho com meus saltos e chamando a atenção deles para mim.
— Ora, ora, mas que indelicadeza, rapazes. Não veem que ela não está a fim de brincar?
O primeiro se afastou dela e sorriu para mim.
— Vejam só que sorte a nossa. Tem mais uma vadia pra gente se divertir hoje.
Demetri apareceu pelo beco do outro lado deles, arrastando a unha na parede para fazer um barulho de pedra raspando pedra.
— Espero que não se importem que eu também entre na diversão.
Um segundo homem puxou uma faca da cintura e elevou a voz:
— Vocês vieram para o lugar errado, crianças. A mocinha vai virar diversão e o moleque vai bater as botas hoje.
Demetri correu em velocidade sobrenatural e segurou o homem pelo pescoço.
— O moleque aqui tem mil anos de idade. — E atacou o pescoço dele.
Quando os outros dois correram, eu os ataquei, jogando-os para longe. Me virei para a garota trêmula e disse:
— Corra o mais rápido que conseguir. Eles não irão te alcançar.
Ela correu, trôpega, e eu me alimentei enquanto Demetri observava. Ele gentilmente me deixou acabar com os dois homens sozinha, rindo da minha gula.
Tocamos fogo nos corpos e apagamos nossos rastros, depois entramos no carro e eu dirigi por mais de uma hora até chegarmos a uma cidade minúscula, com impressionantes 3.182 habitantes, segundo a placa. Era a menor cidade que eu já tinha visto em toda a minha vida.
Mas não foi isso que me fez ofegar e frear o carro bruscamente perto da entrada da cidade, onde estava o cemitério.
O que me deixou chocada foi a grande estátua de mármore a poucos metros do portão, dando um toque de beleza àquele local naturalmente sombrio. Ao pé da estátua tinha flores frescas, velas e mensagens escritas em cartões.
— Bella... — Ouvi a voz de Demetri ao meu lado, tão surpreso quanto eu. — Por que tem uma estátua com o teu rosto no cemitério da cidade?
Olá! O que você achou do início da história? Espero que esteja gostando.
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Eu não tenho datas para postar, dependo do tempo disponível que às vezes me falta. No entanto, fique tranquila (o), pois nunca abandono uma história.
Beijos no coração e... Tchau!
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