Um amor pelas artes

VINCENT CAMERON

Eu odeio desenhar, eu odeio pintar, eu odeio interpretar, eu odeio fingir que a vida é uma arte, porque ela não é. Ah, definitivamente não.

Mal coloquei o pé na sala, já me subiu a enxaqueca. Eu poderia me estressar menos, talvez, com essa aula desnecessária, se a professora por si só não fosse tão entediante. Ela é uma hippie que fumou tanta maconha durante a faculdade que acabou saindo das aulas de filosofia para se meter nas salas de artes.

Passo o pincel pela tela conforme ela fala dramaticamente que devemos pintar o que sentimos do fundo de nossos corações. Salpiquei o quadro branco com tintas coloridas dando uma de Picasso ou qualquer outro artista famoso que eu não sei o nome e nem me importo.

Sinto muito, professora, mas minha mente continuará bem fechadinha com sua matéria.

Conforme a julgo em meus pensamentos sinto sua aproximação nas minhas costas e faço cara de sério, como se qualquer merda aqui pudesse me fazer refletir. Alice está do outro lado da sala e me olha ao mesmo tempo que eu a olho, fica difícil segurar o meu sorriso quando ela nem tenta esconder o seu.

— E o que você quer dizer com isto, senhor Cameron?— a professora me pergunta, apontando meu quadro que parece que um cachorro com o rabo melado de tinta se sentou e foi se esfregando.

— Não tenho certeza, senhora Cullen.— eu a olho com a testa franzida. Se tem uma coisa que eu amo em artes é atuar. Olho para meu quadro e respiro fundo— Pode ser que eu esteja inspirado hoje, mas não sei dizer se estou com raiva ou profundamente triste.

— E por que se sentiria desta forma, senhor Cameron?— a loira de cabelos lisos e cumpridos me pergunta, encarando-me com os olhos castanhos por trás dos óculos de armação quadrada.

— Vê essa mistura de cores? Há amor— aponto para a tinta vermelha— paz— as partes em branco— alegria...— o amarelo— e ainda assim tudo não parece mais do que um borrão sem sentido. A cada pincelada que eu dou só me sinto mais confuso, mas é disso que a arte se trata, não é? Ela se impregna em nossas almas e nos deixa mais perdidos do que éramos antes de compreendê-la.... não concorda, senhora Cullen?— eu a encaro com expectativa de uma resposta franca sabendo que ela não viria.

— Oh, querido...— ela sorri, sem jeito— se precisar conversar estarei aqui.— ela aperta meu ombro discretamente e assim que ela me dá as costas, eu reviro os olhos. Encaro Alice do outro lado do círculo e a Saltzman se encolhe atrás do seu quadro, rindo da minha ceninha.

— Eu gostei do seu quadro.— a voz à minha direita atrai minha atenção e eu seguro o riso bem melhor ao encarar Yasmine Collins.

— Você gostou?— fiquei sutilmente curioso, Alice vive me dizendo que as pessoas não entendem meu cinismo. Fala sério, eu não atuei tão bem assim, atuei?

— Não.— ela ri e balança a cabeça— Está terrível, Vincent! Você é péssimo, mirou no Jackson Pollock, acertou em uma criança qualquer.— eu não faço ideia de quem ela está falando.

— Não, olha isso!— aponto o meu lixo de trabalho— É uma obra de arte, você não deveria desmerecer o trabalho de seus colegas assim, mocinha, pois quando eu montar minha galeria, você não poderá nem estacionar sua bicicleta perto do meu porshe.

— É, ou talvez você que não vá poder encostar seu skate no pneu do meu porshe— ela se gaba, exibindo-me seu quadro sem a menor humildade. Uou. Era uma mulher sentada exibindo as costas nuas e lançando um olhar sensual por cima do ombro. Pelo pouco tempo que tínhamos, ela optou pelo lápis. Olhei-a e sorri, admitindo que ela acabou de calar minha boca.

— Então você está se sentindo sexy hoje?— provoco e ela se inclina em minha direção para empurrar meu ombro, as bochechas tomando um tom rosado.

— Não é isso, garoto!— ela censura e umedece os lábios colocando uma mecha cacheads atrás da orelha depois de ajeitar o quadro no suporte. Sorrio ao admirar seu semblante tímido, ela não mantém o contato visual e tudo o que eu penso é em como ela é bonita quando fica corada.

Ajeito a postura e aperto meu pincel com as duas mãos. Quando olho para Alice por cima do meu quadro, vejo-a virando o rosto no mesmo instante e ela fica escondida até o fim da aula.

[...]

Quando o sinal toca, minha falsa namorada parece com pressa para sair e eu logo me apresso para conseguir acompanhá-la. Ela me ignora ao passar pela porta e eu tento segurar sua mão para fazer nosso teatro normalmente, mas me surpreendo quando ela recolhe a mão para fora de meu alcance bruscamente, cruzando os braços.

Franzo a testa, confuso.

— Ali?— seguro seu braço e a puxo para perto dos armários para que a gente não atrapalhe a circulação dos outros. Vi então como Alice parece incomodada e não entendo o porquê— Ei, o que foi?

— Pode não fazer aquela ceninha na minha frente?— ela pede, finalmente cravando seus olhos azuis no meu rosto.

— Mas... pensei que tivesse gostado.— eu a vi rir, não estou chapado.

— Não o negócio do seu trabalho, depois. Com a Yasmine.— ela diz e eu recuo, soltando seu braço.

— Pensei que não tinha problema eu flertar com outras pessoas.— baixo o tom para que só ela me escute.

— E não tem, claro que não.— Alice sacode a cabeça— Mas... nós estamos fazendo um papel aqui, seria legal se você se empenhasse pelo menos quando estamos na mesma sala.

Faço careta, sem jeito.

— Desculpa, eu nem pensei direito.— resmungo.

— Não é culpa sua. É só algumas coisas que eu lembrei vendo vocês dois e....— ela desiste de explicar e bufa, irritando-se— pode foder com ela se quiser, mas não faça nada na minha frente. Eu estou te pedindo por favor, Vincent.— ela diz de forma ríspida e se afasta sem me olhar. Alice não é de pedir por favor.

Passo a língua nos lábios e olho ao redor coçando a testa sem que ninguém tenha parado para prestar atenção em nós dois. Eu não queria chatear Alice, realmente não fiz nada de propósito, mas parece que minha brincadeirinha com sua amiga a lembrou de Lorenzo. Admito que odiei ser comparado com ele, mesmo que de forma tão implícita. Porque mesmo que eu seja o namorado de mentira dela, eu meio que aceitei um tipo de compromisso.

Ah, que inferno, agora me sinto culpado.

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