Roda gigante

Nós ríamos que tropicávamos. Definitivamente passar pela Casa dos Gritos não foi uma boa ideia!

— Meu Deus, eu quase me mijei com a Samara segurando meu braço!— gargalhei e Vincent quase tombou para o lado, provavelmente se lembrando do grito que soltei. Puxei-o de volta para mim e nós cambaleamos de volta ao meio do parque de mãos dadas. O vento frio bate contra meu corpo quente, mas a sensação é bem gostosa.

— Tinha que ter visto sua cara!

— Olha quem fala! Tinha que ter visto a sua!— acuso e ele faz careta estremecendo.

— Nunca mais na vida vamos voltar ali— ele aponta.

— Sem nenhum problema por mim— balanço a cabeça e a gente volta a rir.

Entrelacei meus dedos aos de Vincent e olhei ao redor. Já comemos pipoca doce, já fomos nos carrinhos de bate bate e no carrossel.

— Roda gigante!— apontei, extasiada, e o puxei para a fila. Está muito tarde, mas nós podemos ficar porque amanhã não tem aula.

Estava enérgica na fila, Vincent abraçava o grande pato que ganhamos na barraca de tiro — que para o choque de todo mundo, Vince batizou de Pato — e olhou para o céu, escondido por nuvens. Todo o parque brilha com luzes amareladas e coloridas piscantes que nos atraem como se estivessem nos hipnotizando. O cheiro de pipoca e algodão doce me trouxe um conforto que eu não saberia explicar. Puxei o braço dele e me  colei contra meu melhor amigo, atraindo sua atenção para meu rosto. Nós sorrimos.

— Está com frio?— ele perguntou iria sacudir a cabeça para negar, mas Vince me estendeu o Pato.— Abraça nosso filho.

Eu ri e peguei a pelúcia gorda que deve ter pelo menos um metro de altura, soltei a mão de Vince para abraçá-la e o moreno jogou o braço por cima do meu ombro, está se acostumando com isso, reparo e não o censuro porque ele está cheiroso.

— Então ele é nosso? Pensei que fosse seu já que você que acertou todos os tiros.

— Você também acertou, mocinha, não tente jogar a guarda só para cima de mim.— ele brinca e eu jogo a cabeça para trás, deitando-a em seu ombro com um sorriso nos lábios. Mais uma vez, estamos muito próximos, sinto sua respiração batendo contra meu rosto e me concentro em seus olhos castanho-claros sob a pouca luz.

— Pra quem nunca sai em um encontro, você até que está mandando bem— elogio. Ele sorri e olha para minha boca por um momento.

— Cê acha, é?— pergunta, provocativo.

— Poderia se sair melhor.— dou de ombros e seu sorriso se torna convencido.

— Como?

— Sendo mais romântico.

— Eu te dei um filho— ele aperta a cabeça amarela do Pato e a sacode— Tem coisa mais romântica que isso?

Nós rimos e tivemos que correr logo em seguida porque a fila estava se movendo e nós estávamos atrapalhando o fluxo.

— Quer saber? Me dá meu filho aqui!— Vince e eu começamos a disputar pela pelúcia, porém eu não resisto quando o trapaceiro me faz cócegas para me desarmar.

— Que inferno, Vince!— bato o pé como uma criança emburrada e cruzo os braços mal conseguindo segurar a risada quando Vincent carrega o Pato como se ele fosse uma criança de cinco anos no colo. Esse garoto é terrivelmente idiota. Voltei a pescar sua mão livre e finalmente chegou nossa vez de entrar na cabine aberta para dar uma volta na medíocre roda gigante que deveria ter seu nome substituído por roda nanica. Entrei primeiro e Vincent me seguiu dando um sorriso torto como se estivesse empolgado por uma grande aventura.

— Isso aqui é tão alto, mas tão alto, que se eu me jogar vou acabar quebrando o dedinho do pé.— ele zomba e eu reviro os olhos balançando a cabeça.

— Não faça isso porque se você se jogar, eu teria que ir junto— fiz bico— E eu gosto do meu dedinho.

— Awn, que fofa, se eu pular de uma ponte ela também pula, está vendo, filho?— ele ajeita o Pato no colo e segura a nuca da pelúcia, mexendo-a para que vire a cabeça na minha direção e então na de Vincent novamente como uma criança atenta. Eu não consigo parar de rir. Vince me faz rir como ninguém nunca fez— É esse o amor que você precisa achar para sua vida.

— Em breve ele chega na puberdade— entro na onda e meu falso namorado me olha— quero saber qual de nós dois vai ter aquela conversa com ele.

Vincent cobriu os ouvidos invisíveis do Pato arregalando os olhos para mim.

— Você está falando de s-e-x-o?— ele soletra fazendo-se de abismado— Que mente perversa, Ali, nós combinamos em falar para ele que a cegonha que o trouxe!

Nós rimos e eu tentei mais uma vez tirar a pelúcia dele, mas Vince escondeu o Pato atrás de si.

— Não! Ele é meu!

— Pensei que fosse nosso.— fiz careta como se estivesse chateada.

— Eu mudei de ideia.— Vince faz uma careta engraçada e eu dou um tapa em seu braço. Branco do jeito que é, consigo até ver a marca dos meus dedos. Eu nem bati forte.

Vince esfrega o ponto que o atingi e se faz de emburrado.

— Poxa, Ali, cortou o clima.

— Cala a boca, garoto.

— Me obriga.— ele retruca, sempre sua resposta automática. Eu não o obrigo e a roda para de girar quando estamos no topo. Estico o pescoço para olhar os outros de cima, as luzes são ainda mais bonitas daqui. Colo meu corpo ao de Vincent agora sim sentindo frio e ele fecha o braço em minha cintura como se lesse meus pensamentos. Por muitas vezes, eu tenho certeza de que ele lê.

Nós ficamos em um silêncio confortável admirando a paisagem, mas por algum motivo, não consigo parar de pensar em sua mão no meu quadril. Cruzei as pernas e franzi a testa para os sinais que meu corpo estava me mandando, sem conseguir reconhecê-los.

— Obrigada pela sua ideia, Vince.— eu digo erguendo a cabeça para encará-lo. Um dedo apenas de distância entre nossos narizes. Minha respiração foi se tornando mais lenta, até que eu a prendi— Estou me divertindo hoje.

— Eu também, Ali.— ele respondeu em voz baixa, saindo um pouco rouca. A luz mal nos alcança aqui, por isso vejo apenas um lado do seu rosto. Mas é o suficiente.

Meu coração bate confuso, o que é isso?

Assusto-me com o tranco da roda nanica quando ela volta a se mexer e viro o rosto segurando a barra de segurança com força. Ouço Vince respirar fundo e não consigo olhá-lo até estarmos fora do brinquedo.

— Está tarde, não é?— comecei, olhando-o. Vince passou a língua nos lábios e balançou a cabeça em concordância.

— Sim, acho que sim. Nossos tickets acabaram, de qualquer maneira.

— É.— mordo o lábio inferior e a gente fica parado, se encarando. Pisco rapidamente e franzo a testa pegando meu celular da bolsa— Eu...— o que eu ia fazer?— eu vou chamar um uber.

— Tá.— Vince assente e eu lhe dou as costas para mexer no celular.

Nós não falamos nada até o carro chegar, menos ainda durante a viagem, cada um olhando uma janela. Não gostei do clima que ficou.

Quando o carro parou na minha casa, foi quando Vince abriu a boca.

— Ali— ele chamou quando eu deixei meu dinheiro com o motorista, já fora do carro— Tome.— ele me estendeu o Pato e eu sorri, pegando-o.— Nos finais de semana, ele pode ficar com você.

Eu ri e abracei a pelúcia. Senti que estava faltando algo, porém, mesmo assim, fechei a porta do carro e subi no meio fio.

— Tchau, Vince.— murmuro acenando, ele só leva mais um segundo para abrir a janela, no entanto, o motorista está com pressa, já passa da meia noite.

— Tchau, castorzinho!— Vince grita rompendo o silêncio pacífico da noite e atiçando os latidos de minha cachorra que certamente reconheceu sua voz, ele se inclina para fora da janela e acena com os cabelos escuros batendo no rosto. Ok, o momento de estranheza foi só na minha cabeça. Sorrio e sacudo a mão para ele até que o carro se afaste mais e Vince finalmente se ajeite corretamente dentro do mesmo. Fiquei uns minutos ainda na rua até os latidos de Kisha me tirarem de vez dos meus pensamentos.

— Quieta!— ordenei ao entrar no cercado, a pastor obedeceu, mas ficou sambando perto dos meus pés como sempre muito excitada por me ver mesmo após pouco tempo de separação— Eu também te amo, garota.— afaguei sua cabeça e ela ficou pulando em mim até eu abrir a porta e entramos juntas em casa.

Ouvi a TV e fui para sala curiosa com o som já que meu pai nunca passa da meia noite e quando vi, ele estava tombado no sofá de um jeito torto e cômico, roncando periodicamente. Desliguei o máquina mortífera e subi correndo para lhe trazer um cobertor e um travesseiro, deixando o Pato na poltrona apenas por um momento. Com pouco esforço, ajeitei meu pai no sofá. Papai tem o sono leve, e foi se arrumando conforme eu instruía com meus toques e puxões. Logo ele estava com os pés pendendo para fora do sofá, de barriga para cima e confortável. Sorri o vendo dormir e dei-lhe um beijo na testa, voltando a subir as escadas com a ajuda da lanterna do meu celular e com o Pato debaixo do braço.

Quando entrei no meu quarto, fechei a porta e me encostei atrás da mesma soltando um longo suspiro — nem sei bem porquê — e sorri ao me recordar da noite. Sinto em meu coração que foi um bom dia, destes que eu não vou me esquecer. Pensando em como queria ter guardado o momento, lembrei-me do que tinha que ter feito e corri para a galeria, porém, tinha me esquecido totalmente das fotos, só tínhamos aquelas borradas e zoadas que com certeza eu não postaria. Desliguei a tela e me afundei no breu. Conhecendo o cômodo, fui me jogar em minha cama abraçando o Pato e rolei para ficar de barriga para cima. Encarei o teto no escuro, e por algum motivo me lembrei do silêncio em que o mundo estava quando eu e Vince nos olhamos no topo da roda nanica. Por que eu não consigo tirar isso do pensamento?

Apertei o pato e senti um vestígio do perfume dele. Fui dormir com o nariz apertado contra a pelúcia amarela.

Nota da autora:

E aí, vagabunda, o que está achando?

Tá sentindo? São os ventos da mudança.

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