Bolinhas de papel
— Eu não acredito que você também gosta desse jogo!— eu comento, animada, e o garoto se assusta ao me olhar por cima do ombro. Planejava chegar de surpresa, o susto dele veio de qualquer jeito.
Hoje temos uma aula livre porque a maioria foi bem no teste surpresa, e como eu estava entediada para me misturar com qualquer outra pessoa se não ele, fui interromper sua paz. Dean Seok estava sentado no lugar de sempre — terceira fileira, sétima carteira — sem conversar com ninguém, apenas mexendo no celular. Quando me aproximei, vi que ele estava jogando Dead Target, que caso o próprio nome não tenha denunciado, é um jogo para matar zumbis, e eu simplesmente amo esse jogo. Dean sorri para mim e pausa o jogo antes que a terceira onda venha.
— Também?— repete ele, interessado.
— Houve uma época em que eu era viciada.— admito, me sentando atrás dele. Dean ficou de lado em sua cadeira e eu me inclinei na sua direção, querendo que ele me ouça acima do burburinho de conversas que preenche a sala— Eu te juro, muito viciada! Não parava de jogar por nada nesse mundo, mas também— reviro os olhos e jogo o cabelo por cima do ombro, metida— eu era boa demais, era só tiro na cabeça.
— Ah, é?— ele levanta a sobrancelha, descrente.
— Pode crer que sim.— afirmo, unindo as sobrancelhas. Dean umedece os lábios e coloca seu celular na minha mão.
— Prove.— ele me atiça e eu ergo o rosto, assumindo minha alma competitiva e dando play no jogo. Ele está equipado com a M4A1 e a Magnum banhada a ouro. Sem tirar os olhos da tela porque os zumbis estavam chegando, eu o perguntei:
— Por favor, me diga que você não gastou dinheiro só para ter uma pistola banhada a ouro no seu joguinho de celular.— ao primeiro som de "tiro na cabeça" lancei um sorrisinho para Seok e ele revirou os olhos castanhos.
— Não é uma pistola qualquer. É uma Magnum.— ele diz como se especificar o tipo fosse relevante. Mais dois tiros na cabeça.— E eu teria comprado se não estivesse usando APK.
— Mentira...
— A pirataria compensa muito.— ele ri e eu me agonio quando os cachorros chegam correndo. Nesse jogo é o unico lugar onde eu odeio os cachorros.— Bem, eu tenho que ser milionário e feliz em algum lugar, não é?
— Usar APK é tão coisa de nerd.— brinco. Fuzilo o chão antes de acertá-los e Dean, para a minha furia, mete o dedo no celular virando a câmera no exato momento em que um cachorro começa a me morder— Não!— afasto o celular do garoto e bato em seu braço sem olhá-lo, tentando salvar a vida do meu personagem jogando umas granadas nos zumbis já que ele alega ser milionário neste jogo. Fazendo assim, facilmente eu ganho com múltiplas mortes. Coloco o celular na mesa e jogo os braços para cima, vitoriosa— Sequer suei.— levanto as sobrancelhas e Dean ri.
— Ótimo jogo.
— Seu mentiroso. Eu sei que você nem estava vendo— pego o celular de volta e Dean segura minhas mãos, puxando o aparelho para si.
— Sim, quer dizer, não, eu não vi, mas eu ouvi os tiros na cabeça.— ele saiu do jogo indo para a página principal, suas mãos são grandes e firmes contras as minhas, quentes. Eu o olho enquanto ele mexe no jogo, mostrando-me sua riqueza. Sua pele é tão perfeita que chega a me dar inveja. Ele deixa seus cabelos lisos e negros caírem sobre seus olhos— Se você quiser, eu te mando o link que você pode baixar o jogo de novo. Eu posso te esperar até chegar na fase nova e a gente vê quem consegue ir mais longe no campo sem fim. Eu já cheguei na onda quarenta, mas mesmo com armas de ponta é impossível não ser ferido, eles vem de todos os lados.— ele continua e olha em minha direção, e por estarmos muito próximos, acabo recuando, abruptamente arrancando o celular de sua mão.
Ou melhor, eu afasto nossas mãos — já que ele estava mais pegando em mim do que no aparelho. Ele me olha de um jeito inocente, como se não tivesse se dado conta do que estava fazendo e eu me senti embaraçada, minhas bochechas se esquentaram e eu notei que meu coração disparou.
— Hã...— limpo a garganta e abro um sorriso— Acho que seria uma ótima ideia.— estendo o celular para ele e o coreano o pega de volta, olhando-me intrigado. Nossos dedos se roçam outra vez e eu tenho vontade de socar o chão, tamanho o nervosismo que ele me causa com poucos toques e muita inocência. Não há nada mais provocativo para mim do que um garoto que não faz ideia do poder que tem sobre os outros. Respiro fundo e cerro os punhos, tomando uma postura que me ajuda a fingir naturalidade, cruzando as pernas— Há algum outro jogo que eu precise conhecer?— pergunto e o rosto dele se ilumina. Esse deve ser um de seus assuntos prediletos.
— Claro, deixa eu ver.— ele ajeita a postura e eu penso em como mesmo sentado ele é alto. Esse garoto parece de outro mundo.
Eu estava pronta para me aprofundar no mundinho dos gamers quando uma bolinha de papel acerta minha cabeça e eu olho direito para Lorenzo do outro lado da sala sem nem pensar a respeito, é como se meu cérebro estivesse perfeitamente acostumado com o fato de que ele seria o único a fazer tal coisa para chamar minha atenção.
Lorenzo Smith está como sempre. Trajado como um garoto malvado, a careta jaqueta de couro e o cigarro atrás da orelha. Ele está sentado na carteira e me encara como se já estivesse nessa posição há um tempo, apenas esperando eu notar. Ao passo que eu espero alguns segundos para ver se ele tem algo a dizer, Lorenzo fica inexpressivo enquanto me olha, indecifrável. Reviro os olhos para ele e volto minha atenção para Dean, que também tinha parado o que estava fazendo para olhar o Smith.
— Continue.— incentivo o Seok.
— Quais jogos você prefere?— ele pergunta.
— Eu gosto muito de The Sims.— sorrio, sem jeito. Sei que não é nada incomum gostar de jogos de qualquer tipo, mas por algum motivo eu tenho vergonha de assumir o quanto eu gosto. Nem eu mesma entendo esse bloqueio, ele só está ali.
— Hum, ótimo gosto— Dean aprova, balançando a cabeça— É bom moldarmos a realidade de acordo com nossos desejos, não é?
— Maravilhoso. No The Sims, eu sou casada com o Robert Pattinson.
Seok fica vermelho de tanto que ri e eu aperto seu braço, envergonhada por ter admitido meu segredinho tão facilmente.
— Não ria de mim!— reclamo, birrenta. Outra bolinha de papel acerta minha coxa, mas eu ignoro como se nada tivesse acontecido— É meu direito me casar com meu ídolo!
— Ok, ok, se você diz!— ele mal consegue se segurar, mas sua risada é engraçada, ou, melhor dizendo, a falta dela. A risada de Dean é muda, e eu acho isso ainda mais adorável. Sem conseguir me conter, começo a rir com ele.
— Ah, por favor, não me diga que você nunca se casou com quem você gosta no The Sims!
— Na verdade, não.— ele defende com um sorriso adorável no rosto. Mais uma vez, ignoro a bolinha de papel que bate em meu ombro, mas como meu pavio é curto, minhas risadas se interrompem e meu sorriso se torna mais duro. Cerro os punhos e respiro fundo— Eu conheço pessoas novas lá, mas de algum jeito, ou elas morrem, ou nós nos separamos. Parece que eu sou muito entediante para ficar casado! Ou eles tem problema contra os filhos nascerem com os olhos puxados.— ele aponta e eu sorrio porque estar perto de Dean é pacificador mesmo com o capeta do meu ex-namorado testando minha paciência.
— Eu me casaria...— mordo a língua no último instante. Não posso falar que me casaria com ele exatamente por causa de seus lindos e meigos olhos puxados. Não, isso definitivamente não soaria muito bem. Dean espera pacientemente, mas eu demoro bastante até completar a fala— com... alguém...— como você? Não, né?— enfim.— eu sacudo a cabeça e limpo a garganta mexendo em minha mesa como se precisasse arrumá-la na fileira. Outra bolinha de papel acertando minha cabeça é o bastante para me fazer estourar.
Levanto-me bruscamente e ao bater na mesa, algumas pessoas param de conversar para me olhar.
— Lorenzo!— vocifero. Minha voz se sobressai a dos outros alunos e o Smith se levanta da carteira em um pulo, sorrindo satisfeito por ter me tirado do sério.
— Senhorita Saltzman.— a professora chama minha atenção, ela também havia se afastado de sua rodinha de alunas puxa-saco para me olhar— Sabe que não permito que gritem em minha sala. Devo pedir que se retire.
— Mas professora...— fico indignada— Lorenzo Smith estava me irritando, tacando bolinhas de papel em mim!
— Vocês me irritam todo dia, mas não me veem gritando todo dia, veem?— ela retruca com sua postura impecável e terno engomadinho. Mordo a bochecha e não ligo que os outros riam da minha situação, o pior é a vergonha de ter que sair da sala quando sou inocente, mas os professores sempre estão cagando para quem começou. Foi erro meu extrapolar. Sei que perdi pontos com ela agora, isso que me chateia.
Olho para Dean, pesarosa e ele sorri em solidariedade, suas mãos atadas porque ele não tem nada a ver com isso. Pego minha mochila e me preparo para a caminhada humilhante até a saída.
— O senhor também, senhor Smith.— a professora pede. Ela não justifica, tampouco ele tenta se defender, indo logo atrás de mim para fora da sala. No corredor, tento caminhar o mais rápido possível para longe dele, mas é impossível com essas malditas pernas compridas dele.
— E eu me pergunto— ele começa e eu já reviro os olhos, emburrada— será que ela já enjoou do pobre e magricela Cameron? Jesus Cristo, Alice, você é rápida.— elogia sarcasticamente— Mas eu admito, você forma um belo casal com o japonês. Muito melhor do que essa junção fajuta com Vincent.
— Ele é coreano!— corrijo rispidamente, sem saco para lidar com Lorenzo.
— Que se foda ele.— Lorenzo agarra meu braço, me obrigando a parar de andar para me virar para ele. Deus do céu, ele e Vincent são tão parecidos as vezes!— Você gosta dele?
— Por que isso seria da sua conta?— retruco, ainda com um tom ácido.
— Tem razão, não é. Estou apenas curioso. Você gosta do Seok?— ele insiste, eu sacudo o braço para me soltar e ele não resiste.
Eu o encaro seriamente, seus olhos cinzentos que um dia já mexeram tanto comigo e que ultimamente não passam de algo que me incomoda.
Eu comecei com isso tudo por causa dele. Eu flertei com alguns de seus amigos por sua causa, eu chorei por sua causa, eu me arrumei por sua causa, eu comecei um namoro de mentira com meu melhor amigo por sua causa. Até o fato de eu estar tentando seguir em frente com outras pessoas é por causa dele!
Mas olhando no seu rosto agora eu me dou conta de que não estou fazendo mais nada dessas coisas por causa dele. Eu o amo, mas ele partiu meu coração então eu não gosto mais dele. Não sentir mágoa quando o vejo ainda é inevitável, mas se eu já passei da fase de fazer coisas com o objetivo de lhe atacar e ferir como ele me feriu ao me trair, também passei da fase em que tenho que lhe justificar qualquer merda.
— Lorenzo...— umedeço os lábios, seus olhos brilham, eu vejo que ele ainda se importa comigo— me esquece, tá?— peço calmamente e em voz baixa. Ele recua um pouco, vejo que não está usando nenhuma máscara agora que estamos sozinhos e a mágoa surge— Eu segui em frente. Você devia fazer o mesmo.— toquei seu ombro e Lorenzo cerrou os dentes, fazendo com que a linha de sua mandíbula ganhasse destaque.
Sentindo-me um pouco estranha por ter dado um ponto final a isso, me afasto e dessa vez ele não me segue.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top