Parte 9


No dia seguinte, fui acordada por uma batida animada à porta do meu quarto. Eu quase decidi ignorar o barulho e voltar a dormir, mas assim que fechei os olhos a batida se repetiu.

Suspirei e, prendendo os cabelos em um coque desleixado, abri a porta.

André estava sorrindo para mim do outro lado do batente. Ele estava vestindo roupas de ginastica, um sorriso e óculos escuros presos à cabeça. Dei um passo para trás, confusa, e ele me estendeu uma barra de chocolate, como se aquilo explicasse tudo.

— Como você entrou aqui? — perguntei, aceitando o chocolate. Minha voz estava rouca do sono, minha garganta arranhava.

André encolheu os ombros.

— Seu pai abriu a porta para mim — disse como se não fosse nada de mais. — Ele é muito simpático.

Fiz uma careta, estranhando, mas suspirei e deixei que André entrasse no meu quarto enquanto eu me acostumava à loucura que era ter meu vizinho-recém-amigo vindo me visitar sem aviso nenhum. Ele se sentou na cadeira da minha escrivaninha e eu me sentei sobre a cama, colocando o chocolate ao meu lado para poder esfregar os olhos.

— Que horas são, aliás?

— Quase oito e meia — André sorriu.

— Da manhã?! — exclamei.

André ergueu as sobrancelhas e lançou um olhar óbvio para a faixa de sol que entrava pela fresta da minha cortina. Ele não debochou de mim pela minha lerdeza matinal, mas dava para perceber que ele estava se segurando.

Só que nada daquilo realmente importava para mim. O que importava era que a matemática ainda não tinha batido: qual era o sentido naquilo tudo? Respirei fundo e, quando percebi que André não iria me providenciar informação alguma por espontânea vontade, deixei as perguntas despejarem dos meus lábios apressadamente.

— Por que você está aqui às oito e meia da manhã de um sábado? Meu pai não te disse que eu estava dormindo? É provavelmente um pecado capital acordar outra pessoa praticamente de madrugada no final de semana. — Fiz uma pausa para respirar. — E qual é a do chocolate?

— Endorfina — André respondeu simplesmente. — E eu estou aqui porque nós dois vamos sair para caminhar.

Eu ri alto, jogando a cabeça para trás com impulso, mas quando me recompus, André ainda tinha a expressão sério-brincalhona de sempre.

— Por que eu iria sair para caminhar num sábado às oito e meia da manhã?

— Endorfina — ele repetiu, sorrindo de lado. — Olha, não pense que eu estou morrendo de empolgação com isso. Sábado e domingo são meus dias sagrados de folga, e eu concordo que deveria ser ilegal acordar antes de meio-dia nesses dias... Mas eu fiz uma promessa pra você, não fiz? Você me deu a mão, e eu me recuso a te deixar afundar.

— Porque sair pra caminhar num sábado vai resolver todos os meus problemas — ironizei.

— Eu estava pensando em tornar isso um evento diário, sabe? Claro que em dias de semana a gente teria que sair de casa mais cedo ainda, pra você não se atrasar pra escola, mas a gente dá um jeito. — André se levantou e colocou as duas mãos na cintura, como se ele fosse o super-homem salvando o dia. — E eu sei que não vai resolver todos os seus problemas. Mas vai resolver alguns. Endorfina, lembra? Confie no biomédico.

Ele começou a andar na direção da porta, de costas, para poder me encarar.

— Achei que você não fosse formado ainda! — provoquei.

André nem mesmo piscou.

— Troque de roupa e me encontre na cozinha. Seu pai disse que você gosta de torradas e cappuccino no café-da-manhã, certo? Eu tenho incríveis dotes culinários. Me encontra na cozinha daqui a pouco para conferir. — Ele ia saindo do quarto quando segurou no batente e voltou o rosto na minha direção. — Ah, e eu trouxe algumas minhocas de goma também, para se você for uma boa menina.

— O quê? Vai me treinar como um cachorro? — Eu ri. — Uma minhoca para cada cinquenta metros?

— Bem, se isso é o que funciona pra você, podemos tentar — ele alfinetou de volta, sorrindo. — Você tem cinco minutos, dona Alice. Precisamos sair antes que o sol comece a ficar muito quente.

Quando ele saiu, fiquei um tempo parada, olhando para porta. Não percebi de imediato, mas eu estava sorrindo. Pequei a barra de chocolate nas mãos, deslizando os dedos pelo plástico roxo da embalagem, mordendo as bochechas para conter a sensação esquisita de felicidade. Endorfina.



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Oi, gente! Post hoje de novo, pq quero terminar de postar ainda essa semana! hehe

A linda da dudsmaxxmo fez essas duas capas pra história! Estou apaixonadíssima!

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