Parte 5
Parecia que fazia séculos desde a última vez em que eu tinha ido a alguma festa. Não acho que as confraternizações do balé contassem, embora eu também tivesse faltado a maioria delas no último ano. Mas quero dizer uma festa real, com pessoas jovens rindo, jogando jogos de festa estúpidos, bebendo escondido e comendo guloseimas.
Guloseimas que eu havia ajudado a escolher, porque aparentemente eu era ótima naquilo.
Ser ótima em escolher guloseimas havia salvado a minha vida.
Claro.
— Como estamos? — André perguntou, sentando-se ao meu lado no balanço. Ele estava na sua segunda mini-garrafa de Coca-Cola. Gabriela havia permitido que ele ficasse para a festa mesmo ele sendo "um chato imprestável que não quer comprar bebida pra gente".
Eu estava eternamente grata pela presença dele. Apesar do bendito "Como estamos". Fala sério. Não existe jeito mais clichê de parecer um babaca condescendente.
— Não sei. Eu estou bem. Não faço ideia de como você está.
— Bem amarga, só se for — ele brincou. Revirei os olhos. Ele puxou um bolinho de guardanapo do bolso e entregou para mim. — Toma. Trouxe isso pra você. Pra adoçar sua vida.
Me sentindo ainda rabugenta, aceitei o embrulho. Era uma porção de minhocas de goma. Minhas preferidas.
— Obrigada — murmurei a contragosto, enfiando duas de uma vez na boca.
Ficamos um tempo em silêncio. Ele, tomando a Coca-cola. Eu, comendo minhas minhocas.
A alguns metros de nós, meus colegas de classe conversavam, riam, dançavam e pareciam estar se divertindo tremendamente. Tudo parecia estar acontecendo em outro universo completamente diferente. Uma realidade quase alternativa.
— Você não deveria estar lá com eles? — André perguntou de repente.
— Estou bem aqui — falei de modo quase automático.
— Talvez ficasse melhor com eles. Talvez se divertisse, já parou pra pensar nisso?
— Não, você não entende — eu disse de forma quase ríspida. — Eu não sou como eles. Não sei ser como eles.
— Como assim "como eles"?
— Normal, André. Eu não sou normal. Lá estão eles, discutindo namoros, profissões, o futuro. Estão planejando a vida, e eu... Eu sou do tipo que planeja a morte.
— Você é do tipo que sobe num prédio e considera pular, mas não pula — ele me relembrou. — Não pula, não é, Alice?
Um gosto amargo subiu à minha boca, neutralizando a doçura das minhocas. Fechei os olhos, chegando a uma realização terrível. Não importava se eu tinha pulado ou não. Sequer ter considerado, sequer ter subido no topo do prédio... aquilo me separava dos outros para sempre. Eu nunca poderia descer daquele muro metafórico. Eu nunca poderia me camuflar, me misturar aos outros. Eu nunca poderia ter uma vida normal. Nunca poderia ser feliz.
Apertei os olhos e sacudi a cabeça.
— Isso não significa nada. Eu não sou do mundo deles. Não pular não significa nada.
André tocou meu rosto de leve, me fazendo abrir os olhos.
— Significa que você ainda está viva — ele disse. — Isso significa tudo.
Meus olhos se encheram de lágrimas outra vez, e eu percebi que os de André estavam do mesmo jeito. Ele me deu um sorriso triste, mas sincero, e pegou uma das minhocas no guardanapo na minha mão, colocando-a perto o suficiente da minha boca para que eu a mordesse. Eu mordi, não lhe negando um sorriso em resposta.
— Quando minha irmã morreu, eu senti muita raiva — ele confessou de repente, voltando a olhar para frente. Mas alguma coisa me dizia que o foco de seu olhar não estava nos meus colegas de classe tentando enfiar o maior número de cheetos dentro da boca sem vomitar. André estava enxergando além disso, além do mundo material e concreto, quase como se visse sua irmã, ainda viva, logo diante de seus olhos. — Tanta, tanta raiva. Raiva de tudo. De mim mesmo, dela, do mundo. Eu tinha tanta raiva que não conseguia dormir. Eu quis morrer. Não como ela, não me matando, nem nada assim. Eu só queria sumir, entende?
Eu entendia mais do que ele gostaria de saber. Assenti calmamente, mas ele não estava olhando para mim, e continuou a falar independentemente da minha concordância.
— A raiva não passou, eu só me acostumei a conviver com ela. Acho que a pior parte foi não entender. Não entender por que ela tinha feito isso, por que tinha achado que me abandonar desse jeito era mais simples do que tentar enfrentar os problemas. Não fazia sentido, Alice. Não fazia sentido de jeito nenhum.
Eu fiquei quieta, sem saber o que dizer, o que acrescentar. Não tinha sentido, não era para ter sentido. Se tivesse sentido, pessoas não subiriam no topo de um prédio, olhando para baixo, querendo voar para a morte. Se tivesse sentido, seria fácil. Mas a vida não é fácil. Nunca foi.
— Quando tudo aconteceu, meu namorado me fez uma pergunta que me fez odiá-lo — André prosseguiu. — Ele estava lá para me confortar, claro, e a pergunta dele foi completamente natural, mas por muito tempo eu o odiei, porque a pergunta tocou na ferida mais profunda.
— O que ele perguntou?
— Ele... — André riu com tristeza e sacudiu a cabeça. Virou o rosto e me encarou, sorrindo com pesar. — Se eu não vi os sinais. Ele perguntou se eu não vi os sinais.
Os sinais.
Depressão é uma doença silenciosa, mas não invisível. Os sinais estão ali o tempo todo, expostos como feridas. Não é só tristeza, choro descontrolado, é também a apatia, a falta de vontade, ficar na cama o dia inteiro, o sono e a alimentação desregulados. É se afastar de todos os seus amigos e dos seus prazeres. É a solidão, o medo. É se sentir pequeno, minúsculo. É tratar todos com irritação. É estar sempre à beira de um ataque de nervos.
É impossível ignorar.
Mas até que aconteça alguma coisa realmente trágica, fingir não ver os sinais é uma reação completamente natural.
Afinal, o que você faria se os notasse, se desse a eles a proporção devida? Se afundaria junto com a pessoa?
Meu coração se apertou, porque vi em André meu pai e minha irmãzinha. Vi em André Gabriela, Lorena, Bruno, todos aqueles que um dia tinha sido os meus amigos. Vi todos eles em André, perdidos, sem saberem como me tratar mas claramente reparando que eu estava diferente.
Os sinais estavam ali.
Toquei a mão do meu vizinho.
— Eu vi que ela estava diferente claro. Mas eu não sabia que... que chegaria a esse ponto — ele sussurrou por fim.
— Eu sinto muito — falei com a voz espremida. Eu queria tanto que ele entendesse o nível da minha sinceridade. Eu estava completamente compadecida.
Ele me abraçou. Me surpreendi apenas de início antes de abraçá-lo de volta. Minhas minhocas caíram no chão, mas não liguei. Apenas apertei o corpo dele contra o meu, agarrando-o tão forte, como se eu pudesse tirar a dor dele, como se eu pudesse puxá-la para mim. Era difícil ver alguém naquele estado sem poder fazer nada.
Pela primeira vez em muito tempo, eu entendi o que as pessoas deviam sentir quando olhavam para mim, quando me viam entrar em decomposição ainda viva.
— Eu não fazia ideia, Alice — André murmurou. — Se eu soubesse, eu... Eu não sei, eu só... — Ele suspirou e ficou calado por um longo tempo, apenas me abraçando. Quando eu percebi que ele estava chorando baixinho, eu precisei me controlar para não chorar junto. De repente, ele se afastou e segurou meu rosto. — Me promete, Alice. Me promete que você nunca vai fazer isso. Por favor.
Sua voz era urgente. Eu sabia que ele mal me conhecia, que a preocupação dele não exatamente comigo, mas com o que minha morte representaria. E eu entendia isso, eu entendia isso em todos os níveis. Foi por isso que eu prometi.
— Eu prometo — sussurrei.
Ele me deu um beijo na testa e voltou a me abraçar.
Ele não tinha noção do quanto eu tinha me comprometido com aquela promessa.
Eu podia até estar relativamente bem no momento em que prometi, mas a vontade de morrer voltaria, e não só uma vez. A certeza de que a melhor solução era não existir me assombraria de novo. Mas a promessa me prenderia ao mundo. Por todo o resto da minha vida, sempre que eu quisesse morrer, eu voltaria a ela. E, por mais que eu suplicasse, eu não me permitiria morrer. Porque eu tinha prometido.
Seria quase como uma prisão.
Talvez nem todas as prisões sejam ruins.
♥ ♥ ♥
Oi, gente!!!!
Controlem as periquitas, eles não são um ship!!!! Repito, não são um ship!!!!!
Outra coisa: muita gente me perguntou quantas partes vão ser. Originalmente, eram só essas cinco, mas não estou satisfeita com o desfecho, então vai ter mais. Provavelmente menos de 10, mas sei lá, quem sabe... Talvez se prolongue infinitamente HAHAHA aquelas :P
Pelo menos a sexta parte vai ter, pq ela já está escrita, hehe
bjs, amo vcs
até a próxima! <3
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