Parte 3
— Desculpa, não sei seu nome — declarei enquanto colocava o cinto de segurança.
— André.
Ele ligou o carro e começou a dar ré sem realmente parecer estar prestando muita atenção em mim.
— Você realmente não precisa me levar. Ela mora a sete quarteirões, dá pra ir andando.
Ele não respondeu. Ficamos em completo silêncio enquanto esperávamos o portão da garagem terminar de subir.
— Você não vai me sequestrar e esquartejar, né? — eu finalmente perguntei, tentando descontrair o ambiente.
— Achei que alguém como você não tivesse medo de morrer.
— Alguém como eu? — indaguei, quase ofendida.
— Alguém que sobe em um prédio e considera pular — ele suspirou.
Ele fez uma pequena curva para sair da nossa rua e entrou na rua principal. Eu percebi o quanto aquela viagem seria curta e me vi, por alguma razão, querendo prolongá-la.
— Mas não pula — eu corrigi, porque era nessa parte que ele deveria estar focando. Não era justo que ele diminuísse justamente a minha mais excelente conquista do dia. — Alguém que sobe em um prédio, considera pular, mas não pula.
— Ainda assim... Achei que para sequer considerar acabar com a própria vida não se podia ter medo de morrer.
— É aí que você se engana. Muitos suicidas têm medo da morte.
— Sério? — ele virou a cabeça para me olhar. Eu ri.
— Não sei. Provavelmente.
— Você tem?
— Depende do jeito que ela vier — eu disse, encolhendo os ombros. Indiquei uma saída que o faria tomar um caminho duas vezes maior, e um segundo depois não sabia dizer por que tinha feito aquilo. André não pareceu se importar, ou sequer perceber. — A morte em si não me assusta, mas a dor me preocupa um pouco.
— Por que quis pular? — ele perguntou de novo, mas dessa vez com mais intenção de descobrir a resposta.
O semáforo o fez parar o carro, então ele estava olhando diretamente para mim, me pressionando com aqueles olhos castanhos e intensos.
— Porque a dor de cair de um prédio não se compara à dor que eu sinto todos os dias sem precisar fazer nada — eu falei finalmente.
Os olhos dele marejaram e ele esfregou o próprio rosto com certa agressividade como que tentando espantar as lágrimas. O sinal ficou verde, o carro de trás buzinou. André respirou fundo, forçou uma risada e voltou a acelerar.
— Desculpa — ele sussurrou.
E então, após algum tempo de silêncio, ele disse:
— Minha irmã se matou.
Senti de repente como se todo o ar tivesse sido sugado para fora do carro. Uma grande bolota de lágrimas estava entalada dentro da minha garganta, e eu não sabia o que dizer. Mordi meus lábios e fiquei calada enquanto ele dirigia o resto do caminho. Ele parou na frente do prédio da Gabriela.
— É aqui? — perguntou baixinho.
— É — eu disse.
Mas não saí do carro. Não me pareceu certo ir embora daquele jeito. De repente, toda a preocupação que ele tinha tido comigo fez completo sentido. Toda a raiva, a voz embargada, todas as piadas mórbidas.
— Como foi? — consegui perguntar.
— Uns três anos atrás. Ela... hum... cortou os... hum... — Ele fez um gesto vago na direção dos pulsos. — Eu cheguei tarde demais.
Olhei para ele e coloquei minha mão sobre a sua em cima do câmbio. A sua pele era macia e quente, e o toque era íntimo mas respeitoso.
— Eu sinto muito — falei, sincera.
— Desculpa — ele disse, apertando os lábios. Então, se voltou para mim e olhou bem dentro dos meus olhos. — Eu não quis te deixar constrangida. Eu só queria que você entendesse por que eu preciso tanto entender.
— Não foi sua culpa, André — eu disse, porque achei que acima de tudo aquilo deveria ser dito. E eu sabia que ele saberia que eu não queria dizer apenas o constrangimento momentâneo dentro daquele carro. Ele saberia que eu estava falando de sua irmã. Algumas vezes, certas coisas estão completamente fora do nosso alcance, mas mesmo assim nos sentimos responsáveis.
— Eu sei — ele murmurou fracamente. — Mas talvez... talvez eu pudesse ter impedido.
Meu coração sentiu um novo golpe. Apertei os dedos de André de forma que eu esperava ser reconfortante.
— Provavelmente não.
— Mas se você desistiu, por que não ela?
Por alguma razão, me senti culpada. Eu queria dizer que, se eu pudesse, trocaria de lugar com a irmã dele em um instante. Eu escolheria a morte sem hesitar se isso garantisse que ela poderia voltar para ele. E eu não faria isso apenas por ele, nem mesmo por ela. Eu faria isso por mim.
Mas é o tipo de coisa que, dita em voz alta, não se compreende. É mais complicado do que o cérebro humano é capaz de processar. Então eu abaixei meus olhos e murmurei:
— Eu te disse... Não é tão simples assim.
Uma batida na janela do carro nos trouxe de volta à realidade. Eu puxei bruscamente minha mão para longe da de André e olhei na direção do som. Gabriela me encarava sorridente através do vidro.
Abaixei a janela.
— Amiga! Eu já estava indo te ligar! — Ela me mostrou o celular como evidência do fato. — Quem é esse?
— Oi! É... Esse é o André, meu vizinho.
— Oi — André sorriu.
Para qualquer outra pessoa ele pareceria feliz e simpático, mas, agora que eu sabia o que sabia sobre ele, eu não conseguia não vê-lo completamente quebrado por dentro.
— Ele é uma gracinha! — Gabi sussurrou, como se André não pudesse escutar. Arregalei os olhos, e ela riu. — Mas, vem. Sério, preciso de você!!! — Ela fez uma pequena pausa e olhou para André. — Você pode vir também, se quiser.
André e eu nos entreolhamos.
Com certeza, fazer companhia a duas adolescentes estava em último lugar em sua lista de coisas divertidas para fazer em uma sexta-feira, mas, assim como eu, ele parecia perceber que havia ali algo a mais.
Uma conexão inevitável.
Ele era o garoto que tinha perdido a irmã de uma forma pavorosa e trágica. Eu era a garota que quase tinha se jogado de um prédio alguns minutos antes.
Ele se sentia responsável por mim, e eu por ele.
Quando André assentiu, aceitando o convite de Gabi, eu me peguei sorrindo, aliviada. Aquele era o sinal de que ele entendia que, naquele momento, só eu poderia ajudá-lo, e vice-versa.
Pela primeira vez em muito tempo, eu não estava sozinha.
♥ ♥ ♥
Oiiiii, galera! Fico tão feliz em ver tanta gente assim acompanhando esse conto! Espero não decepcionar muito! Desculpa a demora nas postagens, ando tão avoada...
Enfim, aqui está uma capa muito linda que a Queen_dog fez pro conto:
Fiquei muito apaixonada aqui! Obrigada, coração! <3
Espero que continuem gostando!
beijos, até a próxima! <3
ps: amanhã tem qb!
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