Capítulo 5 - Teatro Sombrio das Memórias

Enquanto Briana e o médico estavam no quarto de Marina terminando o atendimento a ela por decorrência do desmaio repentino, Maicon e Max conversavam no sofá da sala.

O ambiente, banhado por uma luz suave, era decorado em tons neutros, com um tapete macio que contrastava com o sofá de tonalidade mais escura. A mesa de centro exibia duas xícaras vazias, testemunhas do café compartilhado anteriormente.

Ao fundo, móveis bem arranjados e quadros na parede contavam a história daquele lar acolhedor.
Maicon e Max, recém-conhecidos, ocupavam cada extremidade do sofá.

A familiaridade entre eles permitia que a conversa fluísse naturalmente, abordando tópicos variados, desde mulheres a futebol. Contudo, Marina novamente tornava-se o foco da discussão:

- Você não deveria ter deixado a garota sozinha. - Maicon fez uma repreensão, expressando sua preocupação paternal.

- Eu não deveria mesmo. Eu fui um idiota. Se eu tivesse com ela, nada disso teria acontecido. - Max confessou sua culpa, reconhecendo o erro.

- Por sorte teve aquela confusão, e você conseguiu achá-la. - Maicon ponderou, tentando encontrar algum alívio na situação.

- Pode crer, tinha um cara lá, foda pra caralho! Estava botando todo mundo no chão! Parecia o John Wick, de volta ao jogo! - Max contava com empolgação, tentando trazer um tom mais leve à conversa.

Maicon ouvia com um riso preso, apreciando a maneira exagerada de Max narrar os eventos. Decidiu testar o rapaz:

- Conseguiu identificar quem era esse John Wick? - Maicon perguntou, curioso.

- Não. Não deu. Estava muito escuro, como em toda balada. Só sei que era alto, assim como você e... - Max deu uma pausa, analisando o homem à sua frente. - Hei, esses ferimentos em seu rosto... não vai dizer que... - Antes que pudesse concluir suas suspeitas, o médico abriu a porta, saindo do quarto da menina com sua maleta em mãos, na companhia de Briana. Os homens se levantaram, interrompendo a conversa para receber as notícias sobre ela.

A atmosfera na sala estava carregada de ansiedade enquanto esperavam por notícias sobre Marina. A luz amena destacava a tensão nos rostos de Maicon e Max.
O médico, com um semblante sério, quebrava o silêncio:

- Foi apenas um pequeno desmaio, decorrente dos efeitos da substância em seu corpo, mas logo os sintomas desaparecerão. Dei a ela um medicamento, e ela está dormindo agora. - Sorriu para eles.

- Show! - Max expresou aliviado, e o doutor continuou:

- A informação que o rapaz nos deu foi muito valiosa para diagnosticá-la. - Acrescentou o médico, destacando a importância da colaboração de Max.

- Obrigado, Max! A cada dia você se mostra um verdadeiro amigo para Marina. - A gratidão na voz de Briana era evidente.

- Não precisa agradecer. Você sabe o quanto eu gosto da sua filha. - Max comentou, genuíno.

- Tudo indica que foi vítima do: "boa noite cinderela," um golpe perigoso e muito comum aqui no Rio... - Ele observou a reação de todos antes de prosseguir.

- Aí, meu Deus! - Briana exclama sua preocupação ante o risco iminente.

- Queriam abusar de minha filha, desgraçados! - Cerrou os punhos indignada.

- Se acalme-me... pelo o que contam, eles já tiveram o que merece. - Maicom conforta-a, trocando olhares de satisfação com Max.

- Eu colhi uma amostra do sangue dela. Logo saberemos que substância ela ingeriu. Eu aposto no: GHB. - O médico informou, pronto para continuar sua investigação. - Bem, eu já vou indo. A recuperação dela agora é natural, mas estou a disposição. Qualquer coisa, podem me ligar. - Colocou sua maleta à frente do corpo.

- Muito obrigado, doutor, pelo cuidado e agilidade em nos atender. - Maicon agradeceu, apertando a mão do médico, que respondeu com um sorriso tranquilo.

- Vamos... eu lhe acompanho até a saída. - Briana disse, dando-lhe passagem.

- Com a certeza que a Mari está bem, Vou aproveitar a deixa e me mandar também. - Max disse, retirando seus óculos de sol de sua camiseta azul e os depositando nos olhos.

- Vai na fé, meu brother. Parece que nossos santos bateram! - Maicon sorriu para ele.

- Brota logo mais no Bar, pra gente tomar um shop e continuar a conversa.
- Maicon firma uma das mãos em seu ombro.

- Pode crer! Voltarei para ver como a Mari está.

Com a saída de Max, Maicon permanece no silêncio da sala. Um sorriso suave desenha-se em seus lábios enquanto reflete sobre o jovem que acabou de deixar a casa. O moreno demonstrou ser um bom rapaz, algo que não passou despercebido ao seu olhar perspicaz.

Normalmente reservado e cauteloso em relação às pessoas, Maicon sente uma pontada de surpresa consigo mesmo por ter gostado genuinamente de Max. A confiança é um terreno delicado para ele, mas, ao avaliar as interações, ele decide dar um voto de confiança ao rapaz.

Na penumbra do corredor, Maico fita Marina com carinho através da pequena fresta que ele gentilmente criou ao abrir a porta. A luz suave do abajur pinta um quadro sereno, revelando os contornos suaves do rosto adormecido de sua filha.

O quarto está imerso em tranquilidade, e Maicon sente-se momentaneamente transportado para um refúgio de paz. Observa cada respiração tranquila de Marina, seu corpo pequeno repousando na segurança do sono. O bichinho de pelúcia rosa ao lado dela parece guardar os sonhos da menina com sua presença silenciosa.

Cada detalhe, desde o nariz fino até os traços herdados de Helena, evoca memórias que ecoam sem som.

Ao final, Maico fecha a porta com o mesmo cuidado com que a abriu, deixando Marina entregue aos sonhos e a promessa silênciosa que de alguma forma a fará feliz.


No início da tarde, sob o sol radiante de Copacabana, Maicon, trajando uma camiseta regata, bermuda e tênis, respira o ar salgado enquanto percorre o calçadão movimentado. Seus passos rítmicos se misturam aos de outros corredores que compartilham o mesmo espaço à beira-mar. A paisagem carioca é uma tela em constante movimento, com o vai e vem de pessoas e a brisa fresca vinda do oceano.

No compasso de sua corrida, Maicon se encontra imerso em reflexões profundas. A frieza da filha tece um fio tênue em seu coração, e ele pondera sobre os caminhos para reconstruir a ponte que se formou entre eles. Cada passada no calçadão parece ecoar uma oportunidade de reaproximação.

Enquanto o Rio de Janeiro se desdobra à sua frente, Maicon também é assombrado por flashes desconexos da fábrica de tecidos, onde as linhas do passado se misturam em um mosaico confuso. Helena, sua esposa, é uma sombra na memória, e a incerteza sobre sua existência permeia seus pensamentos.

A sinfonia dos passantes, o som das ondas e o calor do sol compõem a trilha sonora dessa corrida introspectiva, onde Maicon busca não apenas a linha de chegada na praia, mas também a clareza em sua mente emaranhada de lembranças e mistérios.

Maicon, agora descalço imerso na praia, sente o prazer de seus pés pisando na areia. Ao longe, depara-se com um espetáculo de Kobudo que instantaneamente captura sua atenção.

O grupo heterogêneo praticava na areia, sob os raios dourados do sol. Adultos, jovens e crianças formavam um mosaico de aprendizes, cada um manejando bastões, chacos e espadas, com destreza.

Seus passos desaceleram, e seus olhos, agora focados, absorvem cada movimento coreografado. Ele reconhece o mestre. Era a sua antiga escola de karate. Ao se aproximar do círculo de espectadores, a curiosidade dança em seus olhos, guiando-o a observar mais de perto.

Maicon se integra ao público, absorvendo a maestria dos mestres e a disciplina dos aprendizes. O grupo exala uma harmonia única, como se cada movimento fosse uma nota em uma sinfonia de habilidade e respeito.

Então, um reconhecimento inesperado rompe seu anonimato. Um mestre, com um sorriso caloroso, chama sua atenção. A surpresa se instala quando seu nome ecoa na praia, e todos os olhares convergem para ele.

- Maicon Randy! Quanto tempo!

Instigado pelo mestre, Maicon, é convidado a se juntar a eles. Inicialmente hesitante, ele junta-se ao grupo. Cumprimenta o mestre com uma saudação militar, mergulhando em uma onda de nostalgia. O mestre idoso, afetuoso, questiona sobre sua ausência.

- Por onde andou?! - O abraça calorosamente.

- Por aí nas quebradas... - Responde mantendo mistério sobre seu passado.

O mestre, orgulhoso, apresenta-o aos alunos como um exemplo de dedicação. A admiração é enorme e um borbulho começa entre eles.

Ao ser desafiado a se apresentar, Maicon escolhe a espada, sua companheira de muitas jornadas. O som metálico preenche o ar quando ele e o mestre iniciam uma dança sincronizada. Os movimentos fluidos revelam a maestria adquirida ao longo dos anos.

Em um momento de pausa, enquanto a espada girava habilmente nas mãos do mestre, Maicon é arrebatado por uma lembrança da missão na fábrica de tecidos. O choque temporal entre a beleza do presente e os espectros do passado pinta sua expressão com uma sombra de introspecção, questionamentos ecoando como o som do mar ao fundo...

No teatro sombrio das memórias de Maicon, ele se encontra em um pequeno depósito, onde o eco de tiros preenche o espaço confinado. Os seguranças, ameaças em movimento, são eliminados com precisão, e ele se encaminha para o alto de uma escada circular de ferro enferrujada.

Ao atingir o topo, Maicon depara-se com um longo corredor, cuja porta nos fundos sugere mistérios ocultos. As paredes são adornadas com uma coleção eclética, de quadros a cabeças de javali e espadas, proporcionando um ambiente de singular extravagância. Homens fortemente armados emergem dos corredores laterais, alinhando-se com precisão militar.

O olhar de Maicon desce para sua arma, mas a revelação desoladora de ter apenas uma bala no tambor não abala sua expressão. Risadas zombeteiras ecoam enquanto ele examina os objetos decorativos que adornam o corredor. A confiança brilha em seus olhos quando, com um movimento decidido, ele direciona a arma para um ponto específico.

O estampido da bala acerta em cheio o painel de distribuição de energia no final do corredor, mergulhando o ambiente na escuridão. Sons caóticos de passos rápidos, tiros e golpes cortantes preenchem o vácuo negro. A agonia é breve, pois a luz de emergência ilumina o corredor, revelando Maicon, agora empunhando uma espada, em posição de ataque.

Os adversários caem, suas formas vencidas espalhadas pelo chão, testemunhando o domínio ágil e letal de Maicon naquele palco improvisado. O resultado da batalha é uma tapeçaria de cortes e ferimentos, enquanto ele permanece ereto, uma figura sombria com a espada, uma extensão de sua vontade, em mãos.

Maicon adentra o quarto através da porta misteriosa, deparando-se com um cenário de luxo e sofisticação. O ambiente espaçoso está mergulhado em meia luz, destacando a beleza refinada do local. Seus passos, carregando a espada com cuidado, reverberam suavemente no silêncio, enquanto uma melodia clássica preenche o ar, emanando de um sistema acústico impecável.

A visão surreal revela o chefe do tráfico, relaxado em uma poltrona, roncando suavemente com uma taça de champanhe prestes a escapar de suas mãos sobre o piso de madeira. Vestido em um pijama extravagante de seda negra, o homem parece estar em um mundo próprio.

Moço de cabelos loiros escuros era muito jovem, o que chamou a atenção de Maicon por já ser respeitado e comandar um tráfico como aquele.

Maicon, como um espectro, se aproxima silenciosamente com a espada pronta em suas mãos. O choque da aparição faz a taça cair, estilhaçando-se no chão. O som dos cacos ecoam em consonância com a música clássica ao fundo.

- O mundo desabando lá fora, e você aqui, babando na fronha - ironiza Maicon, com a voz carregada de sarcasmo.

- Q- Quem é você?! Como entrou aqui?! - indaga o homem. Seus olhos arregalados refletiam o medo.

- Isso não importa. Vim buscar minha esposa, e vou levá-la comigo. Onde ela está? - Ele quer saber, decidido.

- Vai levá-la a força? Ela não quer mais a vida medíocre e desgraçada que vivia ao seu lado. Ela escolheu livremente sua nova vida. - responde o homem, aparentemente sincero ou é um habilidoso ator.

Desdenhando da conversa, Maicon intensifica a pressão da espada na garganta do traficante, buscando respostas.

- Está tentando ganhar tempo?!

- É sério, cara. Ela vive uma vida de princesa agora. Infelizmente você perdeu seu maldito tempo vindo até aqui. - Retruca o homem.

Enquanto a tensão se desenrola, Helena, que voltava do banheiro, se esconde atrás de uma cortina, observando a dramática cena. Seu corpo magro é levemente revelado pela camisola branca transparente, e seus olhos castanhos e grandes refletem surpresa e emoção.

- Ela vai voltar comigo porque prometi pra minha filha que levaria sua mãe de volta... - Maicon dispara.

O homem acompanha atento.

- ... Ela vai voltar comigo por que minha filha chora todas as noites sua falta e chama por ela...

Com aquelas palavras, Helena é profundamente tocada. Uma lágrima escapa de seus olhos, testemunhando o drama que se desenrola.

O homem, cada vez mais ameaçado pela espada, decide ligar a tela inteligente com o comando de sua voz:

- Ligar! Imagens plano D!

Maicon se assusta olhando de soslaio, quando uma enorme tela de plasma se acende atrás de si, revelando câmeras que monitoram Marina em todos os momentos.

- Como está vendo... Helena não tem com o que se preocupar. - O homem esclarece com satisfação.

A revelação deixa Maicon chocado, engolindo em seco diante do alcance invasivo do traficante. A tensão cresce, e Maicon, enfurecido, declara a sentença ao criminoso.

- Desgraçado! Esse será o seu fim! - afirma, no momento em que sente um toque em seu ombro e ouve a voz de Helena chamando seu nome.

- Maicon!

Girando a espada, ele é transportado de volta ao presente, vendo as espadas cruzadas e o mestre assustado ao defender-se do golpe que seria certeiro em sua garganta.

- Você está bem?! Paralisou por um momento! - indaga o mestre tentando entender.

Maicon, completamente abalado, solta a espada ao chão e se afasta rapidamente.

- Eu- eu sinto muito. Eu preciso ir agora!

Com passos firmes e determinados, deixando suas pegadas na areia ele sussurra em aflição:

- Marina... pode estar correndo perigo!

Ele se vai levando consigo algumas memórias recuperadas, e o enigma de um passado que ainda o assombra.







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