Capítulo 4 - Erros e Acertos
Na tranquila manhã, Maicon estava sentado à mesa de café, desfrutando de um momento de paz. A mesa era grande, com espaço para quatro pessoas, e estava decorada com uma toalha de mesa xadrez azul e branca, trazendo um toque de aconchego à cozinha. Sobre a mesa, havia uma cesta de pães frescos, uma jarra de suco de laranja, alguns copos grandes, e uma pequena garrafa de café. Ainda havia três xícaras debruçadas em três lugares das quatro cadeiras ao redor da mesa.
Briana se aproximou do homem á mesa, por suas costas e começou a acariciar suavemente o seu peito com as mãos, demonstrando seu carinho. Ele colocou suas mãos sobre as dela, retribuindo o afago. Sorrindo ela comentou:
__ Vou ver se está tudo bem com Marina, já são quase meio dia e ela ainda não acordou.
Maicon, que saboreava um pedaço de pão francês, interveio a favor da filha:
__ Deixe-a em paz, parece que chegou bem tarde ontem, e nós também não acordamos cedo.
__ Sim, mas normalmente a essa hora ela costuma já estar de pé. Temos muito o que fazer, e eu estou um tano preocupada.
Ela se dirigiu ao quarto da filha e bateu levemente na porta, chamando-a. Marina respondeu com voz sonolenta, pedindo mais alguns minutos de sono. Briana concordou e lhe deu mais algum tempo.
Marina, ainda sonolenta, cobriu o rosto com o edredom. Por mais que quisesse obedecer a voz da mãe, não encontrava forças.
Ela ainda sentia os efeitos do que quer que seja que colocaram em sua bebida na boate. Ela estava deitada em sua cama, uma luz fraca entrando pela janela, revelando sua expressão pálida e desgastada. Seus cabelos bagunçados caíam sobre o travesseiro, e suas mãos tremiam levemente, evidenciando seu estado de fraqueza.
O quarto até então, estava em silêncio, exceto pelo ocasional suspiro abafado dela. Ela podia sentir o gosto amargo e desconhecido ainda em sua boca, o que a fazia revirar o estômago. Seus olhos estavam semicerrados, pois a luz do dia era dolorosa demais para suportar. Ela tentava reunir forças para se sentar, mas cada movimento parecia uma tarefa hercúlea.
As lembranças da noite anterior eram fragmentadas e confusas, e ela lutava para juntar os pedaços e entender o que realmente aconteceu. A sensação de vulnerabilidade a assustava, e ela se perguntava se alguém a havia atacado enquanto estava vulnerável devido aos efeitos da substância em sua bebida.
Com um esforço tremendo, a garota finalmente conseguiu sentar-se na cama, apoiando-se contra a cabeceira. Ela passou a mão pelo rosto, tentando clarear sua mente turva. As perguntas e a ansiedade a assombravam, mas ela sabia que precisava reunir coragem para enfrentar o que aconteceu naquela noite e buscar respostas. Seu corpo estava fraco, mas sua determinação estava mais forte do que nunca. Tentando passar a impressão de normalidade, foi até a porta bocejando e a abriu, voltou para cama e se jogou novamente sobre ela.
Briana retornou e entrou já abrindo as cortinas, inundando o quarto com luz solar. A moça relutante, cobriu a cabeça com o adredom.
__ Filha, por favor, levanta! Temos muita coisa para fazer em casa e no bar. Você sabe como são agitados os finais de semana por aqui! - Briana a alertou indiferente ao estado dela.
Marina, resmungou debaixo do cobertor:
__ Eu só preciso de mais quinze minutinhos de sono, se não for pedir muito.
Briana insistiu:
__ Nem um minuto a mais, afinal de contas, precisamos conversar. - O olhar de Briana foi de surpresa quando ela puxou o adredom: __ Filha... dormiu com a roupa que saiu ontem? Pelo jeito a noite foi intensa, né!
Marina bufou vendo que não teria escolha e exclamou:
__ Tudo bem, eu já estou levantando. Já que nem dormir em paz eu posso mais, depois da chegada dele. - Se sentou na cama com dificuldade para abrir os olhos.
__ Filha... deixa de drama. Realmente temos muito o que fazer hoje, e você sabe disso. - A mãe buscava compreensão.
Enquanto Maicon a mesa ainda desfrutava de seu café, ele começou a perceber as vozes exaltadas que vinham do quarto de Marina. No início, as palavras eram ininteligíveis, mas o tom agudo e exasperado das discussões o incomodou. Ele olhou em direção à porta do quarto com preocupação, com seu pedaço de pão suspenso no ar.
As vozes continuaram a ecoar através das paredes, e Maicon começou a sentir uma crescente inquietação. Ele sabia que se ela se expressava com tanta raiva e intensidade, é porque algo estava realmente incomodando-a profundamente. Maicon largou o pão e colocou sua xícara de café de volta na mesa, e seu apetite foi dissipado pela tensão que pairava no ar.
Foi então que ele conseguiu ouvir claramente as palavras de Marina, sua voz tingida de ódio e dor.
"Onde ele estava quando minha mãe foi raptada e tirada de mim por homens maus me deixando desamparada e sozinha?! Com certeza estava trepando com suas raparigas!"
As palavras dela ecoaram pelos corredores e alcançaram os ouvidos de Maicon, que sentiu seu coração apertar diante da intensidade das emoções de sua filha. Sentiu-se impotente diante do conflito que estava ocorrendo no quarto.
Briana ficou emocionalmente abalada com as palavras duras de sua filha:
__ Filha... por favor, você me machuca assim...
Marina estava visivelmente desconfortável e sua voz ficava ainda mais tensa, elevou o tom e continuou a expressar sua dor e seu ressentimento:
__ Ele não estava aqui quando mais precisei, Briana! Eu cresci com inveja das minhas amiguinhas que sempre tiveram um pai presente. Eu vivia imaginando como seria receber amor e carinho paterno... As brincadeiras que faziam com elas, sendo jogadas para o alto e sendo aparadas novamente em seus braços fortes e seguros... às rodando no ar ou andando por sobre o pescoço...
Lágrimas escorreram pelo rosto de Marina enquanto ela compartilhava suas emoções. Briana tentou encontrar palavras para confortar sua filha, mas a dor era profunda.
__ Não seja injusta, filha, seu pai esteve preso. Ele se entregou para cumprir sua pena, sua decisão em mudar começou há 11 anos atrás.
Marina não estava disposta a ceder:
__ Ele esteve preso porque sempre escolheu a vida fácil! Ao invés de trabalhar honestamente e ser um homem honrado, preferiu se envolver com a vida do crime, destruindo a si, e a sua família!
Briana intervém a favor de Maicon:
__ Ele não merece uma chance?
Marina já estava no seu limite e gritou para ela:
__ NÃO SEI BRIANA, EU NÃO SEI, EU NÃO SEI! EU ESTOU MUITO CONFUSA E AGORA, COM UMA PUTA DOR DE CABEÇA! - Pressiona as pontas dos dedos em sua fronte.
Briana vendo o estado da filha decidiu parar a discussão por enquanto:
__ Tudo bem, vamos parar por aqui. Vá tomar um banho. Vou lhe trazer um remédio para dor.
Ela abraçou a moça e acariciou seus cabelos, preocupada com o estado emocional dela:
__ Pelo menos, trate-o bem. Sem grosserias. Apesar de tudo, seu pai é um sofredor. Não aumente ainda mais a sua dor. Pode prometer isso para mim?
O silêncio se instalou, pesado como uma cortina de fumaça. O olhar de Marina vagou pelo chão de madeira, seus pensamentos giravam como folhas ao vento.
Após alguns minutos, Briana volta sorridente e se senta à mesa ao lado de Maicon. Os olhares deles revelam uma tensão palpável, sabendo que a conversa com a filha não foi nada fácil.
__ Tudo tranquilo? - O homem pergunta, mastigando suavemente enquanto fita o pedaço de pão em sua mão, sobre a mesa.
__ Sim. Marina já se levantou e logo vem tomar café com a gente! - Briana tenta transmitir normalidade com seu sorriso.
Maicon aconselha cautela:
__ Não pressione demais a garota. Eu quero criar laços com ela novamente, mas é melhor deixar acontecer naturalmente. Logo ela se acostuma com minha presença, e tudo ficará mais fácil.
Briana explica sua atitude:
__ Esse confronto mais cedo ou mais tarde iria acontecer. Foi bom ter acontecido agora. Só lhe pedi para lhe tratar bem, pois apesar de tudo, seu sangue também corre nas veias dela. E todos merecem uma segunda chance.
Ele concorda:
__ Quero muito me redimir e farei bem minha parte. Agora vai depender apenas dela me aceitar ou não.
Enquanto continuam a conversa, Marina surge no corredor, fazendo com que todos parem de falar e se voltem para ela. Ela se aproxima a passos lentos, exibindo um par de jeans desfiados e um moletom rosa claro de capuz. Maicon, como um cavalheiro, se levanta e puxa a cadeira para a filha, que fica visivelmente surpresa e nervosa.
__ Valeu! - Ela agradece, quase que automaticamente, e se senta em silêncio para se juntar a eles à mesa.
Ele, também visivelmente nervoso, volta ao seu lugar e se mexe na cadeira, enquanto a tensão aumenta a cada movimento. Ele sabe que esse primeiro contato com a filha é crucial. Suas palavras precisam ser escolhidas com cuidado para não estragar tudo em sua tentativa de reconquistá-la. Briana, por outro lado, parece confiante e cheia de expectativas.
Marina se acomoda melhor na cadeira e finalmente levanta o rosto, tendo o primeiro contato visual com o pai. Ambos se encaram por um momento tenso. Maicon se sente cada vez mais nervoso, engolindo em seco, enquanto Marina mantém uma expressão fria e imprevisível. O silêncio na mesa se torna ainda mais denso.
Sem querer, pai e filha esticam as mãos para pegar a jarra de suco ao mesmo tempo, fazendo com que seus dedos se toquem acidentalmente. Marina se assusta e puxa energicamente o braço para trás, derrubando um dos copos vazio sobre a mesa.
__ Me desculpa, eu... - Maicon pronuncia desajeitadamente, visivelmente nervoso.
Marina, também nervosa com as bochechas vermelhas responde:
__ Está tudo bem, pode se servir primeiro. - Aponta para a jarra e coloca uma mecha de seu cabelo atrás da orelha, muito constrangida.
Briana com um riso preso, observa satisfeita com o pequeno empurrãozinho do acaso que trouxe alguma interação entre eles.
__ As damas primeiro! Eu iria justamente lhe servir. - O pai levanta e enche o copo dela com a jarra e depois o de Briana.
Briana está sorridente e feliz por tudo estar fluindo bem e naturalmente, saindo melhor que o esperado. Fita Marina ao dar um pequeno gole em seu suco, e faz um comentário:
__ Marina adora suco de laranja, Maicon! Faço todas as manhãs para ela! - A fita sorrindo.
__ A questão é que eu não gosto de cafeína, então, Briana me dá essa opção. - A moça se esforça para manter a harmonia na mesa.
__ Briana é realmente um amor de pessoa! O homem comenta sorridente e mais confiante, enquanto pensa em qual assunto poderia abordar naquela ocasião.
__ E... como passou a noite, filha? - O pai pergunta a fitando.
__ Ah, não dormi quase nada, me entreti com os amigos na balada e perdi a noção do tempo. Cheguei super tarde ontem, e acordei com uma tremenda dor de cabeça - Marina leva as mãos à testa e franze o cenho.
__ Eu sei. Eu estava acordado quando você chegou. Havia perdido o sono. - Responde, lembrando-se do estado em que ela havia chegado, sendo amparada por Max.
__ Eu dormi tão pesadamente que não vi e nem ouvi nada! - Briana comenta e muda repentinamente o semblante estreitando os olhos no homem.
__ Maicon... quando você se feriu? - Apontou preocupada para o rosto dele. O lado esquerdo estava avermelhado e um tanto inchado. __ Ondem você não estava assim! - Completou.
Ele pensa logo numa desculpa convincente para dar:
__ Foi um pequeno acidente. Me feri no batente da porta, procurando o banheiro na escuridão da casa.- Sorriu ao relatar.
Marina se lembra do que Max lhe disse sobre o que aconteceu depois que ela desmsiou e dicidi provocar:
__ Um acidente, ou você resolveu dar um pulinho na balada e participou da quebradeira que houve por lá?
Maicon engole em seco e se mexe nervosamente em seu lugar.
__ Filha... do que você está falando? Quebradeira? Na balada? - Briana, perdida tenta entender.
__ Deixa pra lá... - Sorri. __ A cada noite, há uma loucura diferente naquele lugar.
__ As noites no Rio estão ficando cada vez mais perigosas... mas acho que sempre foi assim, ou já houve um tempo que era diferente? - Ela deixa uma questão no ar.
__ Época do militarismo. Meu pai sempre dizia que não houve tempo melhor. Pelo menos na questão da segurança. - Maicon compartilha um dado histórico.
__ Vou repensar seriamente se deixo você continuar saindo sozinha por aí. - Falou fitando a moça ao seu lado.
__ Não saio sozinha, tenho minhas amigas, e o Max... - Marina se defende.
__ Tem horas que as companhias não são o suficiente para nos proteger, também temos que contar com a sorte às vezes. - Maicon fita a filha, lhe jogando uma indireta, se lembrando que se ele não interviesse na noite passada, o pior poderia ter acontecido. Marina engole em seco, entedendo o recado.
O silêncio volta a pairar sobre a mesa, a tensão retorna à cena, e após alguns minutos, Maicon decide quebrar o gelo:
__ Filha, desculpa pela minha chegada repentina. - Diz com sinceridade.
__ A culpa foi minha. - Briana intervém. __ ... Pensei que surpriender você, filha, com a chegada de seu pai, seria uma boa ideia, mas me enganei.
__ A intenção foi boa, eu é que estava realmente muito cansada e não soube levar. Desculpem pela minha reação. - Marina intercala o olhar entre eles e Maicon aproveita o ensejo:
__ Eu é que lhe devo desculpas, filha, por tudo que lhe causei ao longo dos anos, pela minha ausência e decepções causadas por minhas ações. Se você me der outra chance, eu... eu prometo que tudo será diferente... eu seria capaz de... - Maicon é interrompido pela filha que parece um tanto encomodada:
__ Hei, por favor, não vamos falar sobre isso agora, está bem? No tempo oportuno, falaremos, mas agora não é o momento. - Nervosa, encara seriamente o pai.
Maicon concorda, respeitando o desejo dela:
__ Está bem... como você quiser. Você está certa, teremos muito tempo para isso.
Maicon sorri sem graça, mas no fundo se senti-se satisfeito. Esse foi um avanço significativo para o seu propósito. O peso da culpa começa a ser aliviado.
Para quebrar o clima tenso na mesa, Briana se levanta e busca o bolo que tinha preparado com a ajuda de Marina.
__ Marina fez esse bolo especialmente para você, Maicon. Não foi mesmo, filha? - A fita esperando que concorde.
Marina pêga de surpresa, não diz nada, então Briana lhe dá discretamente um toque no pé por baixo da mesa, fazendo-a confirmar com um susto:
__ Sim! É verdade! Imaginei que você poderia estar com fome quando saísse da prisão - Diz meio gaguejante.
Maicon agradece e não pôde deixar de rir juntamente com as mulheres ao ver o formato engraçado que o bolo tinha assumido. Era uma verdadeira obra-prima de imperfeição culinária, mas isso só fez com que o clima pesado na mesa se dissipasse.
As risadas começaram a ecoar na pequena cozinha, enchendo o espaço com uma sensação de calor e aceitação. Briana, Maicon e Marina compartilhavam uma risada genuína, como se todos os anos de afastamento e dor pudessem finalmente ser superados.
Maicon, ainda rindo, conseguiu recuperar a compostura o suficiente para dizer:
__ O que importa é o sabor e o significado desse gesto.
A resposta simples dele fez com que todos na mesa concordassem.
Briana pegou a faca e, com um sorriso caloroso, começou a cortar uma fatia generosa do bolo. Ela a colocou com cuidado em um prato e entregou a Maicon, que agradeceu com um olhar repleto de gratidão.
Então, Briana serviu uma fatia para Marina, que aceitou com um pequeno sorriso nos lábios. Era um começo, um pequeno passo em direção a uma nova dinâmica familiar.
Após aquele momento de confraternização, Marina pede licença para se retirar, alegando ainda sentir um pouco de dor de cabeça. Maicon e Briana assentem positivamente, compreendendo a necessidade de um tempo para ela.
Com passos hesitantes, Marina se levanta da mesa. A tensão que estava escondida sob sua expressão tranquila começou a ressurgir à medida que ela se afastava. Ela se sentia frágil e vulnerável, como se a emoção do momento a estivesse esgotando.
Enquanto se afastava da mesa, começou a sentir uma vertigem súbita. O mundo ao seu redor começou a girar, e suas pernas vacilam. Antes que pudesse compreender o que estava acontecendo, se sente desfalecer, seu corpo ameaçava ceder ao chão.
No entanto, antes que pudesse atingir o chão duro, seu pai age instintivamente. Ele se levanta em um instante e se move com agilidade surpreendente para aparar Marina, segurando-a em seus braços fortes. Seu coração dispara de preocupação e alívio, enquanto segura sua filha, evitando que ela caia.
Briana, que estava observando a cena com expectativa, solta um grito desesperado ao ver Marina desmaiar. Seus olhos se enchem de pânico, e ela imediatamente se levanta da mesa, sua cadeira cai para trás com um estrondo. Ela corre em direção a eles com suas mãos trêmulas estendidas em direção à filha.
A sala se enche com o som estridente da cadeira derrubada e o grito angustiado de Briana, criando um contraste abrupto com a serenidade que havia reinado momentos antes. Possivelmente ainda eram os efeitos da substância ingerida pela moça em seu drink.
Marina permanece desacordada nos braços de Maicon, parecendo frágil e vulnerável. A preocupação e o medo se refletem nos rostos de todos naquela cozinha, enquanto o momento anterior de alegria se transforma em uma situação de emergência.
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