Capítulo VI

William

William não pretendia se levantar, mas algo falou mais alto quando Agnes entrou com os olhos baixos, sem olhar em sua direção nem mesmo uma vez. Seu coração se contraiu em seu peito quando ela se apresentou, usando o sobrenome escolhido por ele e olhou para a multidão de Magicae, procurando por um rosto que ele sabia que ela não encontraria.

Ainda assim, ele hesitou em se levantar. Ele tinha diversos bons motivos para se levantar no entanto. Agnes era dona de um grande poder, e poucos Magicae naquela sala, conseguiriam treinar alguém com um poder tão grande. Ele conseguia ver um potencial na garota, algo grande, seu destino indubitavelmente era realizar grandes feitos. Havia também o fato dela ter vivido em Sollis durante tanto tempo,  ele sabia que era mais que simples curiosidade, algo estranho rondava aquele lugar, e ele precisava descobrir o que era, tudo seria muito mais fácil com a ajuda de alguém qye morou no orfanato durante toda sua vida. Nenhum dos seus motivos tinham haver com os sentimentos confusos que a garota fazia brotar dentro dele. 

Ainda assim, ele hesitou e hesitou até ver que a garota tomou uma decisão no lugar dele e já se preparava para dar o primeiro passo em direção de Cateline. William gostava de Cateline e sabia que as chances da garota se dar bem com magia de cura eram realmente altas, mesmo assim ele não conseguiu se conter quando quase involuntariamente suas pernas se poram em pé pela primeira vez,  em tantos anos.

Ele não conseguiu evitar o sorriso quando ela se virou e o choque tomou sua face. E mesmo com o burburinho causado por sua decisão e que aumentava a cada passo dado por ela, William não se arrependeu, muito pelo contrário, um alívio tomou conta do peito dele.

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O falatório prosseguiu por um tempo, até que William se levantou e foi até a frente, no lugar em que poucos minutos antes sua nova tutelanda se encontrava, para fazer o tradicional discurso de boas vindas, que encerrava aquele evento. 

— Queridos novos Magicae, lhes dou boas vindas, ao seu novo lar e a sua nova família. A partir de agora se inicia um novo rumo na jornada de cada um de vocês.  Espero que possam atingir e superar as expectativas criadas por vocês e pelos seus novos tutores, espero que a partir desse momento, cada um aqui possa enxergar em seus tutores a garra e determinação necessárias para lhes ajudar a encontrar todo o seu potencial. Deixo abertas as portas de comunicação entre cada um de vocês para comigo, e espero que se sintam livres para me procurar no caso de surgir qualquer dúvida ou necessidade que não possa ser atendida por seu responsável.  Divirtam-se e tenham todos uma ótima noite.

Após seu breve discuro, que todo ano é praticamente o mesmo, diga-se de passagem. William se vira em direção a saída, ele consegue dar incríveis dois passos antes que alguém o interrompa.

— Quem diria que um dia teríamos interesse na mesma aprendiz, meu lorde. — Diz Cateline com um sorriso. Atrás dela Lucius, sonda Agnes com os olhos.

— Você deve ser alguém muito peculiar se o lorde se interessou em tutelar você. — Ele diz para Agnes.

— Sorte, acredito eu que tudo foi uma questão de sorte, e de estar no lugar certo na hora certa. — Agnes responde.

— Não acredito em sorte. — Lucius diz olhando para ela, depois se vira novamente para William. — De toda forma meu lorde, viemos oferecer um treinamento conjunto, nessas primeiras semanas. Acredito que será de grande valia, visto que nunca treinou um aprendiz antes. Sem dúvidas será uma troca válida na minha opinião, seu conhecimento e nossa experiência. Eu e Cateline, ja temos o costume de dedicar esforço conjunto no começo dos treinamentos, vida e morte sempre andaram muito bem juntas, não concorda, meu lorde?

— Acredito que esteja certo Lucius, tanto sobre vida e morte andarem muito bem juntas, quanto ao fato de que será uma troca  no mínimo interessante. Como e quando esses treinamentos podem ocorrer?

— Preferimos sempre começar o quanto antes. A ansiedade não é uma boa parceira para a magia, e nesse primeiro momento de magia desperta, é sempre preferível que eles aprendam a se controlar o quanto antes meu lorde.

— Quanto ao lugar, não temos um ambiente específico para esses primeiros treinos meu lorde. Geralmente usamos o local que mais se adeque as nossas necessidades. — fala Cateline

— Certo, podemos usar minha casa então,  acredito que pode ser o ambiente mais adequado, a princípio.  Ao raiar do dia de amanhã, estarei aguardando.

— Certo meu lorde. — Respondem Lucius e Cateline em sincronia.

Depois de mais algumas tentativas, e diversos cumprimentos e apresentações mais tarde, William finalmente consegue sair do salão abarrotado. Ele se sentia afoito por sair logo daquele lugar, mas, agora que finalmente se viu sozinho com Agnes, William se sente perdido, sem saber ao certo o que dizer ou fazer.

— Para onde estamos indo meu lorde? — Pergunta Agnes, quebrando o silêncio incômodo que se instaurou em tão pouco tempo.

— Estamos indo para minha casa, e pelo que eu me lembre, eu disse que podia me chamar de William.

— Não creio que isso seja adequado meu lorde, fui orientada a lhe tratar com o respeito devido a sua posição.

— Quando nos conhecemos, você chamou a diretora de Sollis de Strois, temo, já ter ido aquele lugar vezes o suficiente, para saber que a mulher em questão, deve ser chamada de senhorita pelas crianças, ou no máximo senhorita Strois. Sendo assim, não me parece uma grande seguidora de regras para que veja tanta dificuldade em me chamar como eu orientei Agnes.

William observa enquanto Agnes torçe suas mãos com nervosismo notável, e percebe qual seria a melhor escolha a se tomar naquele momento.

— Me chame de William, ou de Letholdus se preferir, quando estivermos a sós. E quando estivermos em companhia de outros, me chame pelos termos devidos, assim está melhor?

— Sim, assim está melhor. Posso fazer uma pergunta?

— Quantas quiser.

— Porque me escolheu? Disseram que nunca escolheu ninguém antes, você mesmo disse ser o único na sua função há 12 ciclos. Então por que me escolheu?

— Eu tenho meus motivos, por hora, digamos apenas que eu a escolhi pelo mesmo motivo que me escolheu ao invés da Cateline. — William diz e observa enquanto Agnes enrubesce e engole em seco.

— É verdade o que dizem?

— Depende, o que dizem?

— Que pode ler pensamentos.

— Não, não é verdade. Mas entendo de onde surgiu o boato. Eu sou bom em ler as pessoas, e minha magia, ela me ajuda muitas vezes a ver coisas que as outras pessoas não conseguem.

— O que é magia de reconhecimento?

— Andou perguntando a Cateline sobre mim?

— Não,  sim... Não exatamente. Perguntei sobre a especialidade do supremo Magicae. Não sabia que você era ele.

— Entendo,  minha especialidade funciona de duas formas. A primeira delas, é a mais comum. Apesar de hoje eu ser o único com essa especialidade, não é nada que não dê para ser aprendido. Lembra-se quando eu fiz um corte no seu pulso e testei o seu sangue para saber se tinha poderes?

— Sim, eu me lembro.

— Aquela é a forma mais comum da magia de reconhecimento. A segunda forma, requer muito mais poder, muito mais conexão com seu poder e principalmente muito mais concentração. Ela funciona de forma em que eu consigo reconhecer sensações, sentimentos, detalhes, coisas que as pessoas não notam geralmente. Seja em pessoas ou em lugares. É devido a essa extensão do meu poder que dizem que posso ler pensamentos. Mas não é o seu pensamento que eu leio, é o que você externa daquele pensamento.

— Como assim?

— O rei, o novo rei. Lawlieth Dalibor. Ele tomou o trono do irmão, certo?

— Sim, certo.

— Eu sabia que era muito provável que isso acontecesse. Pois consigo ver a rivalidade entre os irmãos, o desejo de poder de ambos, e a inteligência de Lawlieth. A questão é, com uma especialidade dessa, não é tudo o que você vê que você deve falar. Se eu tivesse falado sobre isso antes, eu provavelmente seria morto por traição.

— Essa vai ser minha especialidade? A primeira forma,  quero dizer.

— Se assim desejar, mas se não, sei o suficiente das outras especialidades para te ensinar a que você preferir. Sei que gosta de magia de cura, posso ensiná-la pra você ao invés do reconhecimento.

— Você sabe todas? É possível se tornar especialista em mais de um tipo de magia?

— Não especialista. Minha magia de cura, e minha magia pós mortem por exemplo, estão um degrau abaixo das de Cateline e Lucius. Ainda assim, sei o suficiente para ensinar caso queira essa especialidade. Chegamos.

William para em frente a sua casa. Ele teme que o grande espaço de pedra escura, pareça ameaçador demais para Agnes. Mas, ela não parece assustada.

— Não é como eu esperava.

— Como esperava que fosse?

— Maior, pra começar.

E ela está certa, diferente do que podem pensar William não mora em um castelo ou num grande casarão. Sua casa apesar de robusta, é algo que um rei humano daria risadas por sua pequenez.

William, é claro,  gosta da casa como ela é. Ele não tem a necessidade que os humanos tem, de se exibir com grandes construções ou grandes espaços de terra. Para ele o que conta  é a serventia do lugar, e sua casa é extremamente útil para tudo o que ele precisa. O grande salão no primeiro andar, é útil para reuniões e também para treinamento Magicae. No segundo andar fica sua casa propriamente dita que conta com 4 quartos, além dos banheiros, da cozinha, copa, sala de descanso e seu espaço onde treina a própria magia.

Agnes se mostra muito curiosa com cada canto da casa, e William tenta ao máximo deixar a moça a vontade. Ainda que em alguns momentos seja difícil mostrar que a realidade terrivel que a garota viveu não é a mesma dali.

Foi difícil por exemplo fazê-la entender que alguém era pago para manter a casa limpa e arrumada. O conceito de alguém recebendo por algo, ele pode ver, era algo totalmente novo para ela.

— E por fim, esse vai ser o seu quarto. Se algo não for do seu agrado, pode falar comigo tudo bem. Imagino que esteja com fome, não vi você no banquete.

— Estou morrendo de fome na verdade William.— Agnes diz, e é corroborada pelo rugido que seu estômago faz, junto as suas palavras.

— Vamos então, acredito que tenha algo para te alimentar na cozinha.

William segue para a cozinha na companhia de Agnes. Onde prepara para a jovem uma sopa que possuia nos armários, e serve com um pedaço generoso de pão. Agnes come, como se não visse comida a muito tempo. O que possivelmente seja verdade, visto o estado em que ela se encontrava.

Após o agradável jantar, se é que podemos chamar assim, William despede-se de Agnes na porta do seu quarto e reforça a ela que o chame caso encontre qualquer problema.

William prepara-se para dormir, tira suas vestes, e deita na cama macia, uma nova etapa começou naquele dia em sua vida, e ele está ansioso para o que está por vir.

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