Capítulo 8
Quando Luzia veio me buscar no dia seguinte, para a reunião, Lewis ainda não havia aparecido para buscar seu medalhão e pensei que isso fazia sentido, afinal, como sairia depois? No entanto, fiquei preocupada com o fato de irem buscá-lo para a reunião também. O que faria? Apareceria como fantasma e inventaria uma desculpa sobre o medalhão ou nem apareceria? E caso não aparecesse, o que iriam pensar? Iriam se preocupar com o seu paradeiro?
— Bom dia, Alessia! — Era Lewis quem havia nos encontrado no corredor e estava em sua forma fantasma, embora estivesse bem visível.
— Bom dia! — Sorri de leve.
Foi pura sorte ter trazido o medalhão comigo. Enfiei a mão no bolso e enquanto me aproximava para abraçá-lo, peguei-o e entreguei sem que ninguém percebesse. Havia alguns guardas e outras criaturas andando pelos corredores no mesmo momento que nós, mas provavelmente, por razões diferentes.
— Obrigado. Como você está?
— Ansiosa. Acho que... — nesse momento Luzia parou de andar e me olhou de forma repreensiva. Como quem está com pressa. — Acho que falo com você mais tarde. Ou você vai à reunião?
— Eu vou. Fui convocado por ter te ajudado em Magic e por já ter habitado seu corpo.
— Certo. Então vamos logo, acho que ela está com pressa. — Ri de leve.
— Jura? Como foi que você percebeu?
Fomos os primeiros a chegar e não entendia a pressa que Luzia estava sentindo ao nos arrastar até ali. Ela nos fez sentar em torno da mesa, um ao lado do outro, e sentou-se à nossa frente, encarando-nos seriamente. Só estávamos nós ali. Não havia guardas. Não havia ninguém mais.
— Sei que vocês dois estavam juntos ontem à noite. — Senti meu sangue gelar ao pensar no que faria conosco ao saber que descumprimos uma das leis.
— Luzia, posso explicar. Ele não... — parei de falar quando Lewis tocou minha perna, sem que ela visse, por debaixo da mesa. Seu olhar ainda estava sendo dirigido a ela e quando voltei a olhá-la, sorria ternamente, de maneira compreensiva.
— Querida, sei que na sua idade é difícil mesmo se conter e encontrar alguém que você ame de verdade, mas você já tomou sua decisão sobre seu príncipe e protetor. — Fez uma curta pausa e eu a encarei sem entender nada. — A não ser que queria acrescentar mais um protetor à sua guarda pessoal e, nesse caso, não teria problema você sair com o fantasma também.
— O que... — havia baixado as mãos e dessa vez Lewis as segurou e apertou com força, passou a sorrir timidamente e ainda encarava a sacerdotisa.
— Alessia, não adianta esconder. É melhor admitir logo de uma vez que está confusa e não sabe quem escolher. — Disse finalmente, voltando o olhar para mim. "Alessia, aceite as minhas respostas, depois explico direito".
— Sim, eu... estou tão confusa, Luzia! Não sei mesmo quem escolher. — Tentei atuar da melhor forma pude.
— Sim, eu sei, querida. É normal, você é muita nova e tem muitas responsabilidades, mas precisa entender que não pode sair para vê-lo e só voltar após o toque de recolher. É perigoso andar por aí de noite. Fora que trazê-lo para o seu quarto também não é algo exatamente aceitável para uma moça....
— Desculpa por ter voltado tão tarde, mas ele não estava...
— Não minta para mim. Sei que você o deixou entrar na sua mente e usar seu corpo para poder entrar no quarto com você. — Senti meu rosto corar. — Sim, senti a presença dele.
— Sinto muito... — baixei a cabeça, completamente envergonhada.
— Não precisa, mas, por favor, não minta mais para mim. Só quero ajudá-la. E também tente não descumprir mais as leis. — E riu de leve no final.
— Prometo. — Meu sorriso era tímido e nada forçado.
— Ah! Que ótimo! Já estão aqui! — Ária entrou no salão com os outros fundadores seguindo-a.
— Bom dia, Ária! — Sorri para ela, mas notei algo diferente. Parecia estar mais pálida e cansada. Será que estava doente?
— Olá, Alessia. — E acenou de leve com a cabeça.
Depois seguiu até a ponta da mesa onde estávamos sentados e sentou-se com Ivan em pé ao seu lado. Esperamos os outros fundadores se sentarem e embora alguns estivessem ausentes, a reunião seguiu em frente. Sarina, Arak, Tatius, Lisarin e Alexia não estavam presentes, pois estavam em atividade. Ethan e Zein também não.
— Muito bem. Todos aqui estão cientes do motivo da reunião? — Ivan esperou que todos se calassem para falar.
— Creio que sim, Ivan. Fiz o possível para informar os fundadores. — Disse Luzia.
— Certo. Obrigado, Luzia. — E depois voltou a se dirigir a todos. — Apesar de alguns de nós não estarem presentes, creio que os que aqui estão serão capazes de lidar com a situação. Teremos três temas em pauta hoje, mas um deles tem mais importância e por isso será tratado primeiro.
— De acordo. — Todos disseram em coro.
— Do que estão falando? Do que viemos tratar? Por que não fui informada? — Ária estava visivelmente irritada.
— Ária, viemos conversar sobre os novos poderes de Alessia, sobre as reinvindicações para a retomada das aulas aos mais jovens assim que toda essa loucura acabar, e sobre a investigação dos ataques. — Ivan falava com ela como se conversasse uma criança.
— Ah, sim. Tudo bem. — Ela voltou a olhar para nós.
— Alessia, há quanto tempo descobriu esse seu novo poder? — Ivan agora me encarava, assim como todos os outros.
— Primeiro, me responda porque meus protetores não estão aqui conosco. Eles fazem parte do conselho.
— Já foi informado que estavam pagando um castigo, apesar de que agora já foram soltos e estão ajudando lá na vila conforme manda suas classes.
— Como assim? — Senti-me confusa e perdida. Por que eles não haviam me visitado ainda?
— Seus amigos estão ajudando a investigar os ataques, já que são vampiros e as criaturas parecem não atacar essa espécie. — Leon falou, em tom curto e grosso.
— Eles não podem fazer isso! Uma dessas criaturas já atacou Zein! — Estava tão desesperada com a possibilidade de estarem correndo perigo, que nem percebi o que estava dizendo.
— Zein? O garoto das sombras? — Linus, o Mestre dos Alquimistas, disse num tom que pareceu um tanto surpreso e preocupado.
— O que ele está fazendo aqui? — Leon deixou transparecer o ódio através de seu olhar.
— Desde quando ele está aqui? — Dahlie tentou apaziguar as coisas, falando calmamente.
— Com certeza Alessia se confundiu... — Lewis tentou consertar minha fala.
— Certamente quis dizer outro nome. — Luzia se intrometeu rapidamente.
— Aquele garoto está aqui? Mandem caçá-lo e prendê-lo imediatamente! — Ária berrou como uma louca. Ária? O que ela estava fazendo? Estaria encenando?
— Ária! Ária, acalme-se! — Ivan a segurou pelos ombros e a encarou com uma expressão séria.
— Ela não está mentindo! — Declarou Leon. — Ela fala a verdade, perguntem ao Senhor Ectoplasma.
— Já pedi para me respeitar, Leon! — Cristian, o Líder dos Fantasmas, entrou na conversa já raivoso com o comentário, que por sua vez deu de ombros e cruzou os braços, indiferente. — A menina está dizendo a verdade.
— O quê? Então aquele assassino está conosco? — Ária continuava descontrolada. Ivan ainda tentava contê-la e agora tentava tirá-la da sala numa luta constante.
— Continuem sem mim. — Disse, saindo com Ária se debatendo em seus braços.
— Acalmem-se todos! — Luzia ocupou o lugar de Ária.
— O que você tem a dizer Luzia? Que o garoto pode encontrar a luz? — Leon usou seu sarcasmo natural.
— Deixe-a falar Leon. — Pediu Dahlie, a Líder Espiritual dos Druidas.
— Obrigada, Dahlie. — Luzia sorriu. — Esse garoto está tentando, com a ajuda de Alessia, retornar das trevas para fazer o bem novamente. Andou conosco esse tempo todo e não fez mal algum.
— Tenho certeza que os ataques são coisa dele. Ele controla as Sombras? Típico. As criaturas só aparecem na total escuridão! — Leon agora havia endireitado sua postura para parecer ainda mais imponente.
— Isso não é verdade! Não está fazendo nada disso! Também controlo as Sombras, Leon. Seria suspeita por isso? Por que não poderia ser eu? — Minha voz soou alguns decibéis acima do normal e saí um pouco da cadeira.
— Alessia tem razão. — Lewis tentou me ajudar e nossos olhares se cruzaram. — Muitos que vieram conosco poderiam ser a causa, ou até mesmo algo que já estava na ilha antes.
— Já vi o rapaz. Sabia que era ele desde o dia do feitiço que nos trouxe para cá e sabia que poderia nos ajudar. Se não fosse por ele, jamais estaríamos aqui. — Acrescentou Cristian e me senti grata por seu apoio.
— Você sabia e não nos avisou? Perdeu o juízo, Alma Penada? Está desrespeitando as regras de segurança estabelecidas! — Leon agora, assim como Ária, perdeu completamente o controle.
— Você não pode dizer nada, Leon, está cego pelo ódio! Dessa maneira você está desobedecendo a lei mais importante de Magic: "o passado de todos será apagado em prol do presente e do futuro". — Revidou Cristian. Leon engoliu em seco, levantou da cadeira, saiu em direção a porta, parou e virou para nós.
— Vão todos concordar comigo quando o rapaz matar as pessoas que vocês amam. — Disse e saiu batendo a porta com raiva.
— Temos que encontrar Zein! — Lancei a Luzia um olhar suplicante. — Por favor! Não confio em Leon e acho que vai atrás dele de qualquer maneira.
— Também não confio em Leon. Em suas habilidades, sim, mas não em seu temperamento. — Cristian estava com uma expressão séria e preocupada no rosto.
— Luzia, por favor, faça com que aquele guarda me deixe sair para ir atrás dele! — Tentei não soar tão desesperada quanto realmente estava, mas acho que foi inútil.
— Você não pode se embrenhar na floresta tão cedo, Alessia. — Dahlie me encarava com um olhar compreensivo. — Mas não se preocupe, tenho certeza que Cristian me acompanharia nessa jornada.
Cristian concordou imediatamente.
— Ainda acho que Leon tem sua parcela de razão. — Linus falou inesperadamente. — Mas se Cristian confia no rapaz, é bem difícil que sua leitura tenha falhado.
— Ótimo. Os outros assuntos trataremos amanhã. Por hoje já chega, a reunião acabou. — Luzia declarou.
Todos nos retiramos e já que não me permitiram sair, segui para o meu quarto, mas apenas porque Lewis me prometeu que também tentaria encontrar Zein e deixou seu medalhão comigo como prova de que voltaria diretamente a mim, para me contar se havia conseguido.
Algumas das coisas que aconteceram na reunião ainda giravam na minha cabeça, mesmo depois do almoço, quando um bom tempo já havia passado. Passei a tarde toda lendo e fazendo anotações sobre feitiços que talvez me fossem úteis, tentei conversar com as Sombras, mas não estavam por perto no momento. Pedi ao guarda que me levasse até a biblioteca para que pegasse alguns livros, já que fui informada por Luzia de que a biblioteca de Magic ainda continha muitos livros com ótimos títulos, que haviam sido deixados para trás.
A biblioteca era enorme, repleta de estantes e mais estantes com os mais diversos livros. As janelas eram de vitral, como as das igrejas, e haviam mesinhas e poltronas para quem quisesse ler ali. Parecia que todos os livros do mundo estavam ali e não apenas alguns que foram esquecidos, mas de acordo com a história de Undine, talvez tivessem deixado todos os livros mesmo. Peguei o que precisava e voltei ao quarto. Lewis ainda não havia voltado.
Depois de algumas horas lendo, já não conseguia mais me concentrar em nada. Fechei o livro que estava lendo e deitei na cama, encarando o teto e voltando a pensar na reunião. Por que Ária estava tão estranha? Parecia uma doida. E por que estavam tentando esconder isso? Será que havia sido vítima de alguma coisa? Tipo, um feitiço estranho ou uma maldição? Por que Leon odiava tanto Cristian? O que Linus quis dizer com "confiar na leitura" de Cristian?
Tinham tantas coisas que precisava esclarecer.... E os ataques continuavam cada vez mais frequentes, de acordo com o que dissera Ivan, mas será que Leon tinha razão? Apenas alguém com o poder das Sombras (ou das Trevas) seria capaz de invocar aquelas criaturas? Quem teria esse poder aqui? Apenas eu e Zein tínhamos. Será que...? Não! Prometi confiar nele e é isso que vou fazer!
Uma parte da minha mente lembrou do que falou da última vez em que fui visitá-lo e pedi para se controlar: "Não é uma opção no momento. Estou machucado." Mesmo me prometendo se controlar, ainda não conseguia fazer isso direito quando estava ferido. As trevas ainda tinham poder sobre ele. Isso era preocupante.
Enquanto pensava, também me lembrei de que tinha que contar sobre o encontro com a Undine quando visse Luzia novamente e assim também poderia perguntar sobre as inúmeras dúvidas que estavam vagando pela minha mente desde a reunião. Ou talvez devesse falar com Cristian... Ele me pareceu bem mais confiável que Luzia. No entanto, acabei concluindo que se quisesse saber qualquer coisa sobre Ária, teria que falar com Ivan.
Teria que esperar de qualquer forma e Lewis não retornava da busca, não poderia ficar ali parada o tempo todo. Abri a porta do quarto e pedi ao guarda que me levasse até Ivan. Fiquei surpresa quando aceitou o pedido e me levou imediatamente até o escritório onde estava trabalhando. Entrei na sala e sentei-me na poltrona, em frente à sua mesa. Esperei alguns minutos enquanto terminava de fazer algumas anotações e quando se dirigiu a mim, fui direta.
— Ivan, o que está acontecendo com Ária? — Por mais que estivesse tentando esconder a mudança, sabia que havia algo de errado. Ivan suspirou cansado.
— Não sabemos ao certo. Está agindo assim e cada vez pior desde o dia que chegamos aqui.
— E não tentaram descobrir o porquê?
— É claro que nós tentamos! Mas com tantas coisas acontecendo é difícil focar em um problema específico.
— Deixe-me ajudá-la. Não faço absolutamente nada além de ficar trancada naquele quarto! Deixe-me pelos menos tentar descobrir o que há de errado com ela.
— Só não a deixe descobrir o que está fazendo. Dahlie e Cristian estão passando seus dias na biblioteca e chegaram perto de descobrir o que tinha, mas não a cura para isso.
— E o que é?
— Parece que não consegue desapegar do passado. Odeia tanto a irmã, Leslie, que está querendo declarar guerra e pegar Fantasy de volta. O problema é que não é só isso, também não consegue mais perdoar seu amigo pelos crimes que cometeu e a aversão que tem por vampiros cresceu tanto que não suporta vê-los.
— Por isso mandou castigar Ethan e Zein? — Senti um bolo se formar na garganta ao lembrar que Zein estava em algum lugar por aí e Ethan praticamente me expulsou quando perguntei quem o havia ferido.
— Sim. Creio que sim. Quer extinguir os vampiros do mundo. — A voz dele soava entristecida.
— Não se preocupe! Prometo que vou encontrar a cura para seja lá o que isso for! — Levantei-me e o encarei com seriedade. Ária fez muito por mim, o mínimo que podia fazer era tentar ajudá-la. Não adiantaria ficar no quarto o tempo todo, esperando Lewis voltar com notícias sobre Zein. Ária precisava da minha ajuda também.
— Obrigado, Alessia. Os fundadores tinham plena razão em escolhê-la como futura Rainha de Magic. Você está sempre disposta a ajudar quem precisa. — E me lançou um sorriso agradecido. — Infelizmente, não posso desfazer a ordem de Ária sobre o guarda particular. No estado em que está seria... perigoso para sua saúde mental.
— Entendo. Só permita que ande pelo castelo acompanhada por ele. Já ajuda bastante.
No mesmo instante, Ivan pegou uma folha e anotou a ordem. Levantou-se, me acompanhou até a porta e entregou a folha ao guarda, que assentiu. Ivan se despediu e segui com o guarda até a biblioteca. Ainda estava cedo e se Lewis voltasse, com certeza viria me procurar em sua forma fantasma, sem ser notado por ninguém.
Quando cheguei na biblioteca, encontrei Dahlie adormecida sobre uma pilha de livros e anotações, sentada em uma poltrona de aspecto antiquado, mas bem cuidada. Cristian estava ao lado dela, lendo um livro com um título que não consegui traduzir. Que língua era aquela? Árabe? Chinês? Cumprimentou-me e o segurança ficou me esperando na porta. Segui por instinto para as estantes no fundo da enorme sala e comecei a ler os títulos das lombadas.
A biblioteca conseguiu me surpreender novamente por causa de seu tamanho. Se a Rainha levou livros dessa biblioteca, com certeza não foi dessa sessão. Como estava sendo guiada pelos meus instintos, decidi que não seria este o lugar para procurar. Se fosse mesmo Leslie quem encantou Ária com algum feitiço, devia ter usado os livros que a Rainha Antonieta levou e não os que deixou para trás.
Segui adiante, até as estantes que pareciam estar mais vazias, e pude ver que a maioria dos livros ali estava em alguma língua parecida com o latim, ou até fosse mesmo latim. Como iria entender alguma coisa em latim?
"Nós podemos ajudá-la." Era a voz das Sombras novamente.
"Vocês sabem latim?"
"Somos até mais antigas que o próprio idioma".
"Uau! Isso é incrível! Podem me ajudar, então. Vocês já sabem o que a Ária está passando? Preciso encontrar a cura para esse feitiço ou maldição".
"Sim, nós ficamos sabendo. De fato, está sendo vítima de um feitiço, mas não sabemos qual."
"Vocês não veem o futuro ou alguma coisa assim? Como não sabem?"
"Não podemos contar, Alessia. Sentimos muito."
"Então vocês sabem! Por que não podem contar? Não veem que ela precisa de ajuda?"
"Podemos dar uma pista para um de seus problemas e talvez te ajude a descobrir o resto com o tempo."
"Não! Esperem! Por favor..."
Tentei implorar para que me dissessem, mas já haviam ido embora e pude sentir quando nossa conexão telepática foi cortada. Suspirei. Estava de fato com problemas que pareciam sem solução. As Sombras, que poderiam me ajudar, se recusaram.
Nesse instante, vi alguma coisa brilhando na estante mais afastada das outras, no fundo da biblioteca. Meu lado curioso me fez seguir a luz arroxeada, que me guiou até um livro que brilhava e vibrava como um celular, mas parou de fazer isso quando o peguei. A pista. Provavelmente, era essa a pista que as Sombras disseram que dariam. O livro estava em latim, mas quando passei os dedos pela capa para tirar a poeira, sua linguagem se tornou compreensível e pude entender o que ele dizia: Imperium aut refrenat ou "Controlar ou ser Controlado".
Abri o livro e li sua introdução sem entender porque as Sombras me guiaram até isso. O livro dizia como controlar os Poderes e como notar que estava sendo controlado por eles. Então, tudo fez sentido. Não me guiaram para a solução de Ária, mas para a de Zein. Não podiam me dizer se as Trevas o estavam controlando ou o contrário, mas poderiam me mostrar como descobrir isso em um livro.
Não tinha tempo para ficar lendo isso agora! Como isso me ajudaria a encontrá-lo? Comecei a folhear as páginas, mas a partir da página trezentos o livro ficava em branco. Não havia nada mais escrito, embora as páginas estivessem amareladas e tivessem sido numeradas. Como fizeram um livro de quinhentas páginas e não perceberam que uma boa parte dele estava em branco? Só se... talvez estivesse enfeitiçado!
Precisava da ajuda de Cameron e Camilla, os dois são gênios quando o assunto é feitiços. Escondi o livro no manto que usei para vir até a biblioteca, mas pelo horário não poderia sair do castelo. Camilla e Cameron deveriam estar na vila e não poderia ir até lá hoje. Como não havia outra alternativa, continuei na biblioteca procurando livros que pudessem ajudar Ária ou explicar o que tinha realmente. O tempo correu rápido e meu guarda me chamou para jantar, depois segui para o quarto e guardei o livro na gaveta da penteadeira. Deitei na cama e fiquei aguardando Lewis.
Enquanto aguardava impaciente e deixava minha mente vagar pelos últimos acontecimentos, comecei a me preocupar com o paradeiro de Lewis também. Já estava anoitecendo e não havia voltado. E se algum dos guardas de Leon o tivesse encontrado fora do castelo e o tivesse aprisionado? Iriam maltratá-lo como fizeram com Ethan e Zein? Talvez não, já que Lewis não era um vampiro, mas em meio à sua loucura, Ária poderia mandar exorcizá-lo. Não entendo... parecia tão normal até o baile de coroação, quando contei sobre Zein a ela e foi compreensiva. Quando, exatamente, começou a agir assim?
— Alessia? — A voz de Lewis me tirou de meus devaneios com um sobressalto.
— Lewis! — Levantei da cama imediatamente e retirei o medalhão, lhe entregando.
— Obrigado. — E se materializou. — Alessia, sinto muito, mas não o encontrei em lugar algum.
— Está tudo bem. Pelo menos você tentou. — Tentei disfarçar o desapontamento e a preocupação.
— Alessia, se nem eu consegui encontrá-lo, duvido muito que os guardas de Leon vão conseguir. — E segurou meus ombros delicadamente. — Ele é forte. Vai conseguir se defender.
— Espera... — de repente, lembrei-me de uma coisa. — Lewis... você olhou mesmo em todos os lugares?
— Claro. Por que acha que demorei o dia todo? — E apontou para a janela, onde dava vista para um magnífico pôr do sol.
— Tem um lugar... Ethan já voltou ao castelo? — Não consegui disfarçar a ansiedade.
— Sim... na verdade, nunca saiu daqui. Por quê?
— Nunca saiu? Não está ajudando?
— E como vai ajudar se ainda está machucado?
— Machucado? Não se curou ainda?
— Não que eu saiba.
— Preciso da sua ajuda. Tenho que falar com ele. Sei onde Zein pode estar. É um lugar que ninguém mais sabe além de mim, Julie, Ethan e Zein.
— E onde é isso?
— Um poço. Não chegamos a dizer para ninguém onde estava localizado. Talvez tenha ido para lá porque foi lá aonde vimos as feras pela primeira vez. — Um fio de esperança começava a despontar. Esperança e também preocupação.
— E você está querendo ir atrás dele? — Seu tom era mais afirmativo do que interrogativo.
— Sim. Por favor, você precisa me ajudar! — Olhei fixamente em seus olhos azuis com uma expressão que esperava ser comovente.
— Está bem. O que devo fazer?
— Apague o guarda que está na minha porta e venha comigo em sua forma fantasma até o quarto de Ethan, mas não agora, mais tarde, quando todos estiverem dormindo. Depois veremos se podemos curá-lo com meu sangue e ele irá conosco até o poço.
— Bom plano, mas como vamos passar pelos outros guardas?
— Deixe essa parte comigo e com as Sombras.
— Não é perigoso você usar tanto assim o poder delas? Viu como Zein acabou ficando....
— Confio nelas e não sou ele. Posso controlá-las.
— Está certo. Te vejo mais tarde. — E devolveu o medalhão, saindo pela janela novamente.
...
A hora havia chegado e estava tudo pronto. Iria atrás dele e o encontraria com certeza, mas estava preocupada com o fato de Ethan e Lewis irem comigo. Pelo jeito, Ária não queria me castigar, mas não media esforços para castigar os outros. Por que estava agindo assim? Estava me deixando muito preocupada! Ária era como se fosse da minha família agora, uma tia ou irmã mais velha, ou até mesmo uma mãe para mim, já que minha antiga família nunca mais me veria.
— Alessia? — Era Lewis, que nocauteou o guarda e entrou no meu quarto.
— Estou aqui. Vamos logo.
Esgueiramo-nos pelo castelo, ele como fantasma e eu escondida pelas Sombras, e seguimos até o quarto do Ethan. O quarto estava sendo vigiado também, mas Lewis cuidou disso. Em seguida, entrou como fantasma e abriu a porta para mim, usando um feitiço simples, já que não podia tocar em nada sem estar materializado.
Assim que entrei Ethan pareceu ainda mais desperto e disposto a me passar um sermão, mas o cortei antes que começasse a falar e expliquei o que iríamos fazer. Encarou-me por um bom tempo, mas ao perceber que estava falando sério e estava realmente decidida, pareceu ceder e suspirou, cansado.
— Você já deveria estar curado, logo concluí que não estava porque precisava do meu sangue. Por isso vim oferecer a você e em troca pedir sua ajuda de novo para encontrar Zein. Acho que está no poço, foi o único lugar da ilha que Lewis nunca ouviu falar e que Zein sabia onde era.
— Está bem. Nós vamos até lá, mas teremos que ser extremamente cuidadosos.
— Seremos. Agora beba logo, por favor, estamos com pressa.
Lewis seguiu para o banheiro, para que Ethan pudesse beber o sangue sem qualquer plateia o observando. Novamente, não senti absolutamente nada quando Ethan me mordeu e por esse motivo sabia que conseguiria ler meus pensamentos. Saberia que estava preocupada que Zein fosse encontrado primeiro e tentasse se defender com as Trevas, mas esse pensamento só me ocorreu quando Lewis retornou para o meu quarto no fim da tarde e disse que não o havia encontrado em lugar algum.
— Alessia... — Ethan havia terminado e encarava meus olhos com uma expressão preocupada.
— Não precisa dizer nada. Temos que agir e não que conversar. — Desvencilhei-me, dizendo que Lewis já poderia sair.
Evoquei as Sombras, que se transformaram em pássaro. Lewis tornou a apagar o guarda antes de entrar em mim, subi primeiro no pássaro e Ethan não hesitou em me seguir. Sobrevoamos os limites do muro do castelo, o trecho de floresta que descia pela campina, a vila e a densa floresta após a vila.
Daquela altura, não conseguiria enxergar o poço nem se quisesse, por isso, as Sombras pousaram numa clareira da floresta e Ethan passou a nos guiar depois que Lewis deixou meu corpo. Andamos por um bom tempo até encontrar as proximidades do poço, estávamos muito cautelosos, porque foi ali que vimos as feras pela primeira vez. Estava particularmente preocupada com esse fato, mas tentava não demonstrar.
Conforme chegávamos mais perto, víamos restos de animais mortos jogados pela trilha e escondidos atrás de moitas. Não era uma cena agradável, mas não tinha tempo de me sentir enjoada ou amedrontada. Tinha que prosseguir. Através das sombras, sentia a escuridão das trevas se aproximarem cada vez mais, se tornarem mais densas a cada passo.
Foi quando começamos a ver os cadáveres, não de animais, de criaturas. Dos guardas de Leon. Não faço ideia de como consegui reprimir o grito entalado na minha garganta, mas após verificar se estavam realmente mortos, seguimos em frente. Não poderíamos fazer nada para salvá-los. Aquela energia ruim que provinha das Trevas estava quase palpável quando passamos pelos cadáveres e o luar desapareceu por um momento. Podia sentir algo mais. Zein estava por perto e não estava bem.
— Ele está aqui. Eu... sinto que está. — Falei em estado de alerta, para Ethan e Lewis. O medalhão de Lewis ainda estava comigo e vagava na forma fantasma, de maneira que seria difícil alguma coisa machucá-lo, mas Ethan não podia se transformar em fantasma e poderia ser ferido. Mesmo alimentado com meu sangue, não era imune aos ataques de feras ou das próprias Trevas.
— Alessia, não é melhor tentar chamá-lo? — O tom de Lewis era preocupado.
— Fiquem aqui, vou tentar encontrá-lo e contar que o estão caçando.
— Alessia... vimos os restos mortais do que deixou para trás. Não está se controlando bem, por favor, não vá sozinha. — Lewis se aproximou mais de mim.
— Ela sabe o que está fazendo fantasma. — Ethan o interrompeu. — Não gosto da ideia de ir atrás dele sozinha, mas é mais poderosa que nós dois juntos.
— Se você diz... tome cuidado. — E se afastou novamente.
— Prometo que vou. — Separei-me deles. A cada passo estava mais mergulhada na completa escuridão, parecia até que estava entrando numa espécie de nada tenebroso. Não havia o que ver à direita ou à esquerda, apenas a escuridão total.
"Não se preocupe. Estaremos com você". Sussurraram as Sombras e senti sua forma enevoada me envolver com um toque frio. Agradeci mentalmente por sua companhia e segui em frente, deixando que me guiassem pelo que conseguiam distinguir em meio ao breu.
Zein estava em pé nas bordas do poço, iluminado pela luz do luar, os dois braços abertos e o rosto virado para o céu. Tive sorte por a lua aparecer novamente, do contrário, não o veria em meio a tanta escuridão. Estava envolto por uma névoa escura, densa e iluminada por fios brilhantes de uma luz vermelha da cor do sangue.
Ao seu redor, jaziam no chão, corpos e animais caídos sem vida. Tive que reprimir um grito ao ver essa cena, mas o pior ainda estava por vir. Estava de costas para mim e por isso não conseguia me ver. Não sei como não sentiu a minha presença. De repente, abaixou a cabeça e começou a falar com alguma coisa que estava à sua frente. Algo que não via por causa da névoa que o cobria.
Então vi os olhos amarelos do tamanho de laranjas e as Sombras tiveram que tomar o controle do meu corpo para me impedir de gritar. Nos instantes em que tomaram conta do meu corpo, senti como se estivesse num sonho. Estava tudo calmo e silencioso.
Estava sentada num balanço, no alto de uma campina verde e balançava para lá e para cá, sentindo o vento nos meus cabelos e a grama nos meus pés descalços. Não queria sair dali. Era naquele lugar que queria ficar para sempre, mas uma coisa aconteceu. Foi como se batessem com força na minha cabeça para me fazer acordar e quando abri os olhos novamente, vi Zein de frente para mim, ainda em cima no poço, me encarando com os olhos escarlates brilhando de força e poder.
Não sabia como exatamente me sentei, mas estava sentada na grama, a uns dois metros do poço, com a névoa das Trevas me rodeando, embora não me tocassem.
— Olhem só quem veio se juntar à nossa festinha... — sua voz estava amplificada e forte. Não havia nada ali que me lembrasse do garoto tímido e retraído que conheci e ajudei em Fantasy.
— Zein? O que você fez? O que está fazendo? — Minha voz saiu aguda e trêmula pelo medo que sentia. Quando tentei me levantar, a névoa densa avançou para mim, mas novamente não chegou a me tocar.
— Estava fraco. Estava sendo caçado. Precisava me alimentar e sobreviver, não acha? — Tinha um sorriso de desdém no rosto. — Você disse que me aceitariam, Alessia.... Disse que esqueceriam o meu passado, mas nem todos esqueceram.
— É claro que não! Quanto tempo acha que demora para alguém perdoá-lo por matar sua família? — Não sabia o motivo, mas me sentia irritada. Levantei-me do chão, sem me importar com os chiados da névoa ou os rugidos monstruosos daquelas criaturas horrendas. — Então foi você quem conjurou essas criaturas? — Não consegui esconder o quanto estava desapontada. Meu coração pesava no peito.
— Não. Gostaria de ter tido essa ideia, mas não fui eu quem as conjurou, apenas posso controlá-las. São criaturas feitas da escuridão densa das Trevas, por isso tenho o controle. — E acariciou uma das criaturas, que parecia um enorme lobo.
— Mas... por que você os matou? Eles eram inocentes! Cumpriam ordens do Leon! — As lágrimas começavam a escorrer pelo meu rosto. Pode até ter sido impressão minha, mas ao ver minhas lágrimas, algo mudou na expressão dele.
— Então foi o líder dos orelhudos que mandou me caçar? — O escarlate brilhou mais do que nunca em seus olhos.
— Eu vim avisá-lo. Lewis te procurou o dia todo, mas não o encontrou. Por isso saí do castelo escondida para vir atrás de você e....
— Tarde demais, não é? — A expressão de desdém voltou ao seu rosto. — Era eles ou eu.
— Você não pode ter feito isso... — tentei controlar os soluços e secar as lágrimas.
— Mas fiz. Você precisa aceitar que nunca serei como você. Nunca serei nem ao menos parecido com qualquer um de seus amiguinhos. — E cerrou os punhos, fechando os olhos forte.
— Não. — Esforcei-me para ao menos parecer forte. — Você não precisa ceder ao poder obscuro dessas coisas. Há outras formas de conquistar amigos, família e amor.
— Eu não quero nada disso! Essas criaturas nunca irão me perdoar, Alessia! Você não entende, porque nunca matei alguém que você amasse! Você não seria capaz de me perdoar por isso! —Também estava tentando controlar alguma coisa dentro de si. Alguma coisa que não sabia o que era.
— Talvez você nunca tenha matado alguém tão próximo a mim, mas muitas pessoas que conheci e que se tornaram amigos, ou até mesmo inocentes, morreram porque tentaram te proteger. Porque tentaram me proteger também. — Obriguei minha voz a se manter firme. — Também fui culpada por mortes, mas as pessoas mais próximas aos mortos não me culpam como eu mesma faço. As outras pessoas jamais o perdoarão se você mesmo não se perdoar!
— E como posso me perdoar por isso? — Sua expressão era de frustração, agora seus olhos haviam parado de brilhar, a névoa voltava para perto dele e o envolvia pelos tornozelos, as criaturas rosnavam para mim, mostrando os dentes afiados.
— Preciso de mais tempo... — sussurrei para mim mesma, desesperada, observando as Trevas e as criaturas. Como se esperassem essa deixa, Lewis e Ethan surgiram do meio das árvores e a névoa tentou atacá-los, mas as Sombras se envolveram com elas numa luta feroz.
As Sombras se tornaram o animal selvagem de sua forma de ataque e as Trevas foram obrigadas a fazer o mesmo. As feras, então, tentaram atacar Lewis e Ethan, mas estavam bem preparados e lutavam de igual para igual. É claro que ainda havia o perigo, uma hora eles se cansariam e elas não. Precisava ser rápida e em meio àquela loucura, me aproximei de Zein, que olhava tudo surpreso e confuso.
— Você não era você quando estava fazendo aquelas coisas. — Já estava bem próxima.
— Do que está falando?
— Estive pesquisando nos livros de Magic algumas coisas e descobri que as Trevas podem te controlar quando querem, se você estiver muito cercado de energia negativa. Leslie e a Rainha Antonieta fizeram todos se afastarem de você em Fantasy para que pudessem controlar seus poderes e assustar as criaturas que viviam ali. Queriam se mostrar heroínas do povo e por isso fizeram de você um vilão. Leslie e Antonieta tinham como controlar as Trevas e assim controlar você também, por isso faziam com que você ficasse sozinho o tempo todo, cercado apenas de pensamentos ruins e energia negativa.
— Isso não é verdade. Como posso ter tanto poder aqui, então? Elas não estão mais controlando ninguém, nem a mim!
— Acha mesmo que não? Leslie "sem querer" te deixou fugir conosco. Essas feras apareceram poucos dias depois de chegarmos e todos queriam culpar você. Você está se sentindo mal e culpado por tudo que ocorreu e que está ocorrendo, mas tenho certeza que estava procurando as feras para tentar controlá-las e tirá-las do caminho das criaturas que vivem na vila e no castelo. Você estava tentando nos salvar, mas as Trevas o desviaram de novo. — Após ter dito em voz alta tudo que pensava, comecei a acreditar mais no que dizia.
— Alessia... — um sorriso perpassou seu rosto, seus olhos voltaram a ser cor de mel e pude ouvir os rugidos ferozes das feras, sendo golpeadas por estarem mais fracas, e o chiado da névoa densa, ao ser atacada pelas Sombras. Olhei em seus olhos novamente e por um momento pensei que tivesse conseguido o que pretendia....
De repente, ouvi um grito de dor que sem dúvida nenhuma era de Ethan, e logo em seguida, ouvi também Lewis gritar. As Sombras chiavam e os pequenos raios causados por seu brilho arroxeado começaram a ficar mais fracos, dando lugar ao brilho escarlate das Trevas.
Senti um arrepio correr minha coluna como um mau pressentimento. Algo estava dando terrivelmente errado. Olhei novamente nos olhos de Zein, mas estavam fechados e sua cabeça estava baixa. Notei que uma densa névoa escura subia por suas pernas e seguia em diante sem parar.
Senti meu sangue gelar e sabia que elas o dominariam. Não adiantaria correr se não pudesse salvar Ethan, Lewis e as Sombras. Estava atada nesse lugar e teria que enfrentar o que quer que estivesse por vir. Então me ocorreu uma ideia e cortei a distância entre nós o mais rápido que pude. Segurei seu rosto firme, mas suavemente, e o beijei.
Não sei exatamente o que doeu mais. Sua recusa ao beijo, o golpe que as Trevas impeliram contra mim ou a batida que minhas costas deram em uma das árvores, fazendo com que o ar escapasse dos meus pulmões.
Enquanto tentava me recuperar, as Trevas terminaram de envolver Zein e de suas costas cresceram duas asas escuras, como as de um morcego. Sua camisa estava rasgada e seus pés estavam descalços, se livrou do capuz, mas permaneceu com o manto escuro. Com um impulso forte sobrevoou a clareira onde estávamos e pousou na minha frente, me encarando com olhos brilhantes e escarlates.
— Por favor... tente se controlar... você não é assim. — Um dos meus braços ainda envolvia minhas costelas, onde o golpe da névoa me atingira e agora ardia e sangrava. Seus lábios se curvaram num sorriso maldoso e quando falou, não era sua voz que ouvia. Era algo sinistro e cruel.
— Você se acha poderosa e dona da razão, mas está completamente errada! Ou... bem, talvez não completamente errada, já que o estamos controlando, mas parcialmente errada. — Eram as Trevas que haviam tomado seu corpo. — Você é uma pequena pedra em nosso caminho e espero que se sinta lisonjeada por nos ajudar a assumir o poder que merecemos através do seu precioso sangue.
— Meu sangue? — Meu corpo todo tremia de medo e minha voz soava fraca e trêmula.
— Seu sangue é especial menina. Você é a única humana híbrida que sobreviveu sem se tornar uma quimera. Tem em seu sangue o poder da Magia de uma feiticeira, a resistência do poder de nossas irmãs Sombras, a força de espírito do poder das Almas e o Amor de um coração humano, que sobreviveu às transformações e mudanças, que não enlouqueceu com todo o poder que recebia.
Sentia como se meu coração fosse pular fora do peito. Meu corpo tremia de medo e apesar do perigo, não estava com medo por mim, estava com medo por Ethan, Lewis, pelas Sombras, por Zein e por todos que sofreriam com o poder das Trevas. No fim, haviam vencido. A verdadeira essência de Zein, o Mestre das Trevas, havia sido revelada e foi a pior possível. Nunca teve solução. Preferiu desistir a lutar e por isso elas tomaram o poder.
— Seu sangue tem um poder singular que muitos morreriam para obter, mas nosso antigo Mestre conseguiu conquistá-lo de uma maneira bem mais simples, não é? Conquistou seu amor e dessa forma, seu poder. Você é uma garota ingênua. Não sabe que quando se tem um poder desse escalão, não pode se dar ao luxo de amar alguém? Por quê? A resposta é simples: porque ninguém nunca vai amar você. Todos estarão interessados em seu poder. Somente em seu poder.
— Isso não é verdade... — minha voz estava rouca, senti a dor nas minhas costas aumentando agora que meu corpo estava começando a esfriar.
— O vampirinho se aproximou de você por causa de seu sangue, esqueceu? E o fantasminha, só queria poder sentir novamente as coisas em que tocava, ou seja, ambos só queriam usar você e seus poderes. — A névoa falava através dele e a cada palavra parecia que uma facada era desferida contra meu coração. — Seus outros amigos só te ajudaram porque você tinha o poder para derrotar Antonieta e livrá-los daquela tirana. Só queriam sua proteção. A proteção que seu poder lhes daria.
Sentia as lágrimas vindo como a correnteza de um rio forte. Por mais que tentasse acreditar que aquelas palavras eram mentira, faziam tanto sentido que meu cérebro e minha mente tentavam considerá-las como verdadeiras. Senti os braços de Zein, controlados pelas Trevas, me envolverem e me erguerem do chão. Arfei de dor, mas elas ignoraram isso.
Tentei fitar seus olhos uma última vez, talvez ainda houvesse alguma luz ali, mas quando os fitei não notei nada além de escuridão. Gostaria de não ter visto suas presas se projetarem e se cravarem em meu pescoço, com uma força que jamais usaria se estivesse consciente. Meu coração voltou a doer e batia tão forte que parecia que explodiria a qualquer momento.
Dessa vez, pude sentir a dor da mordida em cada célula do meu corpo, mas a dor mais forte se deu no coração, quando constatou que esse era de fato o fim. Em poucos minutos pararia de bater para sempre e tudo estaria acabado. Aquele mundo o qual sempre sonhei encontrar ficaria para sempre perdido em vagas lembranças. Seria completamente destruído pela fúria de um dos Poderes que deveriam agir em harmonia, mas que só causavam discórdia.
Todos aqueles que me ajudaram.... Todos aqueles que fugiram.... O mundo todo estava em perigo se realmente tivesse esse poder todo que as Trevas queriam roubar. Então.... Eu seria o fim? Quando pensava no fim do mundo, não pensava em mim como sendo a causa.
É engraçado como nossa mente viaja quando estamos tão apavorados e sem esperança que mal conseguimos pensar racionalmente. Não somos capazes de raciocinar algo bom de verdade para levar como última lembrança em nossa morte.
Senti meu corpo ser largado no chão e ouvi uma gargalhada cruel ecoar em meus ouvidos. Não conseguia me mexer e sabia que logo tudo isso acabaria. Ouvi duas vozes gritarem meu nome ao longe, mas não era capaz de distingui-las. Senti uma sensação estranha gelar até meus ossos e novamente ouvi vozes gritarem coisas que não conseguia compreender.
Estava tudo tão escuro.... Por que não conseguia me mexer? Por que não conseguia abrir os olhos? Por que não conseguia falar nada? O que estava acontecendo? Só me lembrava de sentir dor, depois a dor ficou ainda mais forte e de repente, passou. Tudo passou e não sentia mais nada. Só havia o vazio e um leve som de batidas agora. Batidas compassadas.
Tum-Tum.
Tum-Tum.
Tum-Tum.
Junto ao último som das batidas, pude ouvir uma última frase, que me pareceu um tanto desconexa e a voz estava estranha: "Alessia, o que foi que eu fiz...?"
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top