Capítulo 6

Acho que acabei cochilando porque quando bateram à porta, acordei assustada. Levantei com cuidado e segui até ela, me esquecendo de que estava trancada. Nem preciso dizer o quanto fiquei frustrada quando tentei girar a maçaneta e ela não abriu.

— Quem é? — Não consegui disfarçar a irritação.

— Sou eu, Alessia. Espere um instante. — Era a voz de Ethan do outro lado e em poucos segundos a porta se abriu.

— Que história é essa de você não me deixar sair? Por que Cameron disse que contaria a você que queria sair? O que você está pensando...? — Comecei a gritar, sem controlar a raiva e a frustração, mas tapou minha boca, com uma expressão de tédio no rosto.

— Fique quieta, está bem? Estou tentando te ajudar.

— Você o quê? — Minha voz soou esquisita, pois ainda tapava minha boca.

— Desculpe. — E me soltou. — Concordo com você. Precisamos investigar por nós mesmos. Já tem mais de um mês que estamos aqui e há pelos menos três semanas que estão procurando esses bichos sem sucesso. Sinto que há algo errado.

— Ah. Pelo menos você está pensando com a voz da razão.

— Você não me provoca que nem deveria estar te soltando. Sou seu protetor, deveria protegê-la e não  coloca-lá em perigo.

— Então por que está fazendo isso? — E segui-o porta a fora com cuidado.

— Porque não vamos sozinhos.

— Quem vai conosco?

— Julie, Zein e Lewis.

— Lewis? Contou a ele sobre o primeiro ataque?

— Na verdade, não. Ele leu minha mente em algum momento que me distraí. — Disse, visivelmente irritado com essa suposta invasão de privacidade.

— Ah. Claro. Onde eles estão?

— Nos esperando lá fora.

...

— Confesso que talvez essa não tenha sido a melhor ideia de todas. — Sussurrei, enquanto caminhávamos com cuidado pela floresta que rodeava a vila.

Lewis acabou desistindo de vir conosco porque precisava regular seu amuleto de materialização. Era uma noite clara, por causa da lua cheia, mas ainda assim a floresta estava sombria. O que mais assustava era quando as nuvens cobriam a luz e mergulhavam tudo nas trevas.

— Fique quieta, medrosa. — Ethan caminhava perto de mim e mesmo sem ver seu rosto, pude imaginar o sorriso desdenhoso em seus lábios.

— Não estou com medo.

— Então por que essa não foi uma boa ideia?

— Porque não sabemos o que vamos enfrentar.

— Já enfrentamos isso uma vez. Não será tão diferente assim.

— Só não se esqueça que da outra vez o Mestre... o Zein saiu machucado. — Julie entrou na conversa.

— Não foi grave. — Zein disse num sussurro. — E parem de falar. Vão atrair a atenção dos bichos exatamente para onde estamos.

— E não é essa a intenção? — Julie parecia confusa.

— Não. — Ethan falou secamente.

— O que ele quis dizer, Julie, é que precisamos atrair os bichos para perto e não exatamente para onde estamos. — Expliquei.

— Faz sentido.

Já estávamos parados naquela mesma posição fazia algum tempo. Estava começando a me dar cãibras, quando finalmente a lua foi encoberta por completo e o céu estava escuro o suficiente para que não enxergássemos mais nada ao nosso redor. Com exceção de Ethan e Zein, pois vampiros enxergavam muito bem no escuro.

Julie e eu ficamos em silêncio e fora da linha de ataque, já que não veríamos o que estava nos atacando até ser tarde demais. Mesmo assim, estávamos alerta. Sabíamos que esses bichos poderiam ser traiçoeiros, nos atacando por trás.

Um silêncio mortal tomava conta de onde estávamos e era realmente assustador não ouvir barulho algum. Acho que era capaz de ouvir apenas o meu coração batendo forte por causa do medo. Estava pensando que logo daria para tirar um cochilo, quando senti os pelos da minha nuca se eriçarem.

Quase não tive tempo de gritar. A coisa me atacou em cheio antes mesmo de ver o que estava me atingindo. Só conseguia ver os dois olhos amarelos do tamanho de laranjas.

Tentava me debater e gritava, mesmo sabendo que fazer barulho seria pior. Estava sendo controlada pelo pânico. Não raciocinava direito. Ouvi Julie gritar também, mas não conseguia saber onde estava.

— Alessia! — Era a voz de Zein.

— Socorro! — Julie parecia tão desesperada quanto eu.

— Vá atrás dela. Eu cuido da ninfa. — Era Ethan e eu continuava a tentar lutar com a coisa que me atacou.

Sentia seu hálito fresco. Tinha cheiro de morte. Suas garras tentavam rasgar minha pele e, quando pensei que não conseguiria mais lutar, senti alguém se aproximar.

— Saia! — A voz de Zein estava amplificada de uma maneira que a deixava sinistra e autoritária. — Ignis Tenebrosi!

Por alguns segundos, consegui enxergar a cena toda através de uma espécie de luz arroxeada e bruxuleante. Senti uma espécie de vento quente logo acima de mim e antes de conseguir ver o rosto da criatura que me atacava, ela evaporou numa espécie de névoa e se foi. Nesses segundos de claridade, pude ver que Ethan havia espantado o outro bicho e ajudava Julie a se levantar.

— Alessia! Você está bem? — Zein me ajudou a ficar em pé.

— Estou. — Ainda me sentia tonta, mas decidi ignorar.

— Por que não usou as Sombras? Por que não encobriu vocês duas? — Ethan marchava em minha direção. Parecia irritado.

— Ei! — Zein olhou para ele, irritado. — Não fale assim! Você também não fez muita coisa!

— Chega! — Julie falou entre dentes e, só então, quando a lua saiu detrás das nuvens, pude ver que o bicho a havia ferido na altura da coxa.

— Julie! — Estava horrorizada. — Precisamos voltar. Ela precisa de cuidados!

— Nós vamos voltar. — Ethan voltou para o lado dela e agora a auxiliava a ficar em pé sobre a perna boa.

Zein foi ajudá-lo a apoiar Julie, já que podia caminhar por mim mesma. Agora que a luz da lua nos protegia, sabíamos que os bichos não nos atacariam, mas mesmo assim não ficamos perfeitamente tranquilos.

Ainda havia nuvens no céu, que poderiam se mover, e com Julie machucada e Ethan e Zein tendo que apoiá-la, seria realmente difícil resistir a outro ataque. Teríamos muito o que explicar quando voltássemos.

Nossa volta foi mais tranquila do que esperávamos, exceto pela correria por causa do ferimento de Julie. Com certeza, Ária me chamaria para uma conversa séria no dia seguinte sobre as normas de segurança que nem sequer criamos ainda.

Não que todos não soubéssemos de cor o que deveria ou não ser perigoso.

Voltei para o meu quarto depois de deixar Julie sob os cuidados de Ivan, que era o único bruxo experiente na magia da cura, já que Ária estava fazendo alguma coisa sobre a qual não fomos informados.

Quando estava deitada e quase pegando no sono, comecei a pensar sobre o que havia acontecido. Por que as sombras não me protegeram dessa vez? Por que nem sequer falaram comigo?

Outra coisa que também me afligia era a inteligência daqueles bichos que nos atacaram. Sabiam que os dois rapazes estavam prontos para um ataque, mas parece que sentiram o meu medo e o de Julie. Pegaram-nos desprevenidas, mesmo que também esperássemos um ataque.

Então, como conseguiram nos atingir daquela maneira? Seria por causa da escuridão? Os bichos também tinham ideia de que Julie e eu não enxergávamos bem no escuro, mas que Ethan e Zein sim...? Com o que estávamos lidando afinal?

No dia seguinte, enquanto tomávamos café no salão de jantar, reparei que nem Ethan, nem Zein, desceram para comer. Julie ainda estava na área de enfermagem, feita provisoriamente no castelo. Essa área já existia nos tempos antigos, quando o castelo era habitado, mas estava em desuso até a nossa chegada. Ária também não estava presente e Ivan parecia ter a mente distante.

— Onde estão meus protetores?

— Em seus quartos. Sobre penitência. — Um dos guardas que estava próximo a Ivan disse.

— Penitência? — Minha voz soou estranha, engasgada. — E o que isso quer dizer?

— Que fizeram algo de errado e estão de "castigo". — Ivan não parecia muito feliz com isso.

Castigo?

— Sim. Ordens da Rainha Ária. — Falou o outro guarda.

— Isso é ridículo! Quero falar com Ária imediatamente! — E me levantei da mesa, irritada.

— Sinto muito, mas Ária está ocupada no momento. — Ivan agora mascarava suas emoções. Mesmo assim, parecia extremamente cansado por causa das olheiras debaixo de seus olhos.

— Diga que depois irei procurá-la. — E saí dali em direção aos quartos. Um dos guardas de Ivan estava me seguindo.

— Perdão Alteza, mas onde pensa que vai? — Estava em meu encalço.

— Vou falar com meus protetores.

— Eles estão proibidos de falar com qualquer pessoa até segunda ordem.

— Tente me impedir. — E comecei a correr em disparada.

Não sei se por acaso o guarda foi pego de surpresa, mas não conseguiu me alcançar. Cheguei rapidamente ao quarto de Ethan e tranquei a porta em seguida. O guarda parecia realmente irritado enquanto socava a porta e me pedia para abrir.

— Alessia, o que diabos você fez? — A voz de Ethan parecia fraca vinda da cama, onde estava deitado de bruços e coberto com um lençol branco até o pescoço.

— Como sabe que sou eu? — Estava virado para a cabeceira da cama.

— Senti você chegando. Estranho, eu sei. Além do mais... o cara está gritando "Alteza". O Mestre das Sombras é que não viria atrás de mim.

— Como você sabe? E se quisesse falar com você? — Aproximei-me da cama e sentei ao lado dele.

— Ele não pode.

— O que você tem? Por que só fica aí deitado? Levante! — E chacoalhei um pouco o colchão. Parei imediatamente ao ver a cara de dor que fez. — Ethan? O que você tem? O que houve?

— Nada. — Disse entre dentes. O guarda ainda esmurrava a porta para arrombá-la.

— Como nada? Você está machucado? O que fizeram com você?

— Não é nada.

Finalmente o guarda conseguiu arrombar a porta e não pude lutar para ficar. Ele era bem mais forte e não adiantaria lançar feitiços nele, pois com certeza tinha mais experiência. Ethan também não tentou impedir.

— Quero falar com Ária. — Falei já no corredor.

— A Rainha está ocupada no momento. — E me empurrou para dentro do meu quarto.

— Não quero ficar aqui! Tenho coisas para fazer hoje!

— Vossa Alteza foi dispensada pelo Rei. — E me trancou ali.

Não sabia como canalizar minha raiva, então comecei a socar os travesseiros. Quando estava prestes a jogá-los na parede, comecei a ouvir as vozes novamente. As Sombras...!

"Acalme-se, Alessia..." sussurravam calmamente.

— Como posso me acalmar? — Minha voz saia mais alta que o normal por causa da raiva.

"Contenha-se. Controle-se. Como pretende governar sendo assim"? Acho que disseram isso como se me dessem uma bronca, mas permaneciam calmas. Até demais.

— Por que vocês só aparecem em minha mente? Por que não consigo vê-las? — Ainda estava irritada, embora estivesse cedendo à curiosidade.

"E você está pronta para nos ver"?

— Acho que sim. Já vi vocês antes. Quando tentavam me proteger das Trevas.

"Aquilo era diferente. Estávamos na forma Astral".

— E existem outras formas?

"Podemos estar em três formas. Astral, como uma espécie de fumaça, que você viu quando lutamos com nossas irmãs. Carnal, quando assumimos a forma de um animal. Psíquica, quando assumimos as mentes de nossos mestres. Ou podemos misturar duas formas e isso é o que nos diferencia das nossas irmãs".

— Uau... por que diferencia?

"Porque quando a forma Carnal é misturada com a forma Psíquica, nós tomamos o controle quase completo de nossos Mestres. O corpo, a alma e a mente nos pertencem, e é o que as nossas irmãs estão tentando fazer com seu Mestre". Não demorou muito para que entendesse quem era o Mestre das suas irmãs.

— Ele é o primeiro que tentam controlar? — Forcei-me a conter as lágrimas e o terror.

"Não. A antiga Rainha dos Vampiros foi tomada pelas Trevas. Leslie, a nova Rainha dos Vampiros e de Fantasy, também está sendo controlada por elas. É mais fácil quando a pessoa se deixa controlar".

Isso me deu alguma esperança, mas tive medo de estar lutando numa batalha perdida. Fiquei em silêncio e, de alguma forma, as Sombras sentiram minha frustação e meu medo. Aproximaram-se de mim como uma fumaça fria e me envolveram.

"Ele não está perdido ainda. Você tem feito um ótimo trabalho".

— Obrigada... — minha voz estava embargada pelo choro contido. — Por que ele era chamado de Mestre das Sombras se quem controlava eram as Trevas?

"Porque antes de controlar as Trevas, ele nos controlava. E muito bem. Nós éramos a família dele quando todos o abandonaram". Acabei sorrindo de leve por imaginar que não esteve completamente sozinho.

— E o que aconteceu para passar para o lado das Trevas?

"Leslie. Ela e a Rainha Antonieta o encontraram e levaram para o Castelo de Fantasy. Lá cuidaram para que se distanciasse de nós e se unisse também às Trevas. Como não tinha nenhuma espécie de amor concreto no coração, aceitou". Pareciam tristes ao me contar isso e imaginei que talvez também não tenham gostado de perdê-lo.

— E como foi que vocês chegaram a mim?

"Ainda rodeávamos nosso antigo Mestre. Acreditávamos que teria salvação. Quando você chegou e tentou ajudá-lo... percebemos que era você quem conseguiria mudá-lo. Por isso fomos até você e nos deixamos controlar. Sua mente nos aceitou como se já nos conhecesse e com isso tivemos a confirmação da qual precisávamos. Era você quem iria trazer o Mestre das Sombras de volta para nós".

— Obrigada por confiarem em mim. Tentarei não as decepcionar, mas... o que quiseram dizer com "amor concreto"?

"Ele nos amava como sua família, mas nós não somos constituídas de matéria como vocês. E por mais que tenhamos sentimentos, são superficiais. Não servem para firmar nossos mestres a permanecerem ao nosso lado. Não são menos reais por isso, apenas não são tão fortes como os de vocês. E os sentimentos dos humanos, assim como seu sangue e seus poderes, são os mais fortes".

— Me disseram que os humanos foram excluídos da sociedade mágica. Que não tínhamos mais poderes.

"Alguns humanos, como você, permanecem com o coração bom, por isso são exceções. Humanos como você são raros. A magia não escolhe qualquer um para se reinstalar". Depois dessa informação não consegui deixar de sorrir, mesmo em meio a algumas lágrimas, que ainda escorriam.

— Vocês acham que não estou preparada para ver sua forma Carnal?

"Pode ser um pouco chocante para você".

— Gostaria de vê-la. Poderia tocá-la nessa forma? Como se fossem mesmo sólidas?

"Sim. Poderia.... Está bem. Vamos mostrar uma de nossas formas para você. Por favor, não se assuste".

— Não vou.

Se afastaram de mim e ficaram pairando ao lado da cama. Antes de se transformarem, pediram para que fechasse os olhos. Explicaram que quando se transformavam, havia uma grande explosão de luzes azuis escuras e arroxeadas e isso poderia me cegar.

Quando abri os olhos novamente, havia um enorme pássaro preto parado ao lado da cama, me encarando com olhos escuros e com um leve brilho púrpura. Suas penas tinham um brilho azul escuro, parecido com o de seus olhos. Tinha um bico preto e pernas de mesma coloração.

Não consegui dizer nada, estava embasbacada e com os olhos arregalados. O pássaro soltou um silvo estranho e bateu levemente as asas. Estava tão paralisada de surpresa, que não compreendi o que a criatura queria dizer. Rapidamente as sombras voltaram a ser névoa e me envolveram de novo.

"Quando estamos nessa forma não podemos nos comunicar na sua linguagem".

— É incrível!

"Que bom que gostou. Também podemos nos transformar em um lobo, mas só o fazemos quando vamos atacar".

— Atacar o que? — Agora estava confusa, saindo do transe inicial da transformação.

"Qualquer coisa. Geralmente os nossos mestres é que nos mandam atacar. E para ter uma vantagem, nos transformamos em lobos".

— Vocês são fantásticas! — Ajeitei-me na cama, fitando o teto.

"Obrigada".

— Queria saber o que aconteceu com Zein e Ethan... e até me esqueci de visitar Julie! Agora estou trancada aqui.

"Julie está bem. Ela escapou do que quer que tenham feito aos dois rapazes por estar machucada".

— Vocês não sabem o que fizeram?

"Não. Sentimos muito".

— Tudo bem.

"Está mesmo preocupada, não é"?

— Estou, mas de que adianta? Deveria ter ido escondida e não ter corrido na frente de todo mundo.... De qualquer forma, Ethan não parecia querer me contar o que estava havendo.

"Ele deve ter um bom motivo para não contar".

— Achei que tivéssemos combinado de não esconder nada uns dos outros.

"Você não está escondendo nada"? Naquele instante, entendi que sabiam tudo que eu sabia.

— Vocês sabem sobre Ivy?

"Sim. Quando você saiu sozinha, nós a acompanhamos".

— Me acompanharam?

"Para te proteger. Vimos seu encontro com a irmã de Ária. E saiba que tudo que te disse é verdade".

— Tudo que me disse? Do que estão falando? Só me pediu para não contar dela para ninguém e me disse que quando aparecesse, não iria gostar muito.

"Isso é verdade..., mas não te contou tudo. Talvez não seja a hora ainda".

— Contou tudo? O que vocês sabem que não sei?

"Sentimos muito, mas não podemos dizer. É proibido. Nós sabemos muita coisa que você não sabe. Podemos prever, em partes, o futuro".

— A cada momento aprendo mais coisas incríveis sobre vocês. Só fico chateada por não poderem me contar. Mas como Ivy sabe o que vai acontecer?

"Ela não sabe exatamente. Só tem mais experiência que você e conhece bem mais esse mundo do que você".

— Tudo bem. Mas vocês não acham estranho que ninguém mais tenha sentido sua falta por aqui? Ela conviveu com os fundadores por um bom tempo.

"Talvez os fundadores tenham sentido a falta dela, mas estejam ignorando isso por um bom motivo".

— Como assim?

"É tudo o que podemos dizer".

— Odeio charadas.

"Você está mentindo. Adora um mistério".

— Odeio essa conexão telepática! — E acabei rindo. Alguém bateu na porta.

— Alteza? Estará liberada depois do almoço, mas um guarda irá acompanhá-la pelo resto do dia de hoje. — Era o "mala" do guarda que me trancou no quarto.

— Ok. — Falei secamente, mesmo sabendo que esse era apenas o seu trabalho.

Peguei alguns dos livros antigos nas estantes do quarto, após perceber que as Sombras não queriam mais conversar, e li até a hora do almoço. Ária não almoçou conosco. Ivan também não. Ethan, Zein e Julie, idem.

Primeiro, fui ver se Julie estava bem, mesmo sem conseguir escapar da irritante vigilância do guarda, que me acompanhava o tempo todo. Sabia que não poderia ver Ethan ou Zein, já que ambos estavam aprisionados em seus quartos por sabe-se lá que motivo.

Precisava falar com Ária, mas também estava ocupada demais para me receber e Ivan não parecia saber muito bem sobre o que ela havia usado como condenação aos dois por nos tirar do castelo e ainda por cima não "me proteger".

— Você precisa me seguir para todo lugar? — Estava realmente irritada após virar uns três corredores tentando despistá-lo sem sucesso.

— Sim. Ordens do Rei Ivan e da Rainha Ária. — Não sabia seu nome, sabia apenas que era um dos elfos guerreiros de Leon.

— Tem mais alguém que não posso visitar?

— Não. As ordens foram claras. — Sua postura continuava rígida.

— Quero visitar meus amigos na vila.

— Teremos que voltar antes de anoitecer.

— Voltaremos. — E saí andando para onde pensei que me levaria até as escadarias que seguiam para o hall principal e a saída.

— Alteza?

— Por favor, não me chame de Alteza.

— Certo. A Senhorita está indo para o lado errado. A saída é por ali. — E apontou a direção contrária a qual seguíamos.

— Ah. Ahn... obrigada. — Mudei o curso do meu caminho. Era realmente difícil encontrar os caminhos certos em um castelo grande como este.

Durante todo o percurso até a vila o elfo pareceu preocupado e atento. Olhava ao nosso redor a todo minuto, como se esperasse alguma ameaça. Admito que algumas vezes imitei seu comportamento, principalmente quando ouvia algum barulho muito estranho pelo trecho do bosque que descia a colina até a vila.

Quando finalmente chegamos, parecia que nossa preocupação foi toda em vão. Estavam todos fazendo seus afazeres calmamente e até havia um show na praça central, onde algumas ninfas estavam tocando durante o dia, já que este estava nublado e a claridade não as incomodava. No meio da multidão, ouvi alguém chamar meu nome.

— Camilla! — Sorri ao encontrá-la, depois de nos afastarmos um pouco dos outros.

— Oi. Como está Julie? — E finalmente pareceu notar o guarda atrás de mim. — Ahn... quem é ele?

— Um dos guardas do Leon. Ária o colocou atrás de mim para que não pudesse mais fugir e correr perigo. E também para que não fosse falar com meus protetores.

— Por que não pode falar com eles?

— Me ajudaram a fugir e como castigo estão presos em seus quartos. Julie só não está presa por que está machucada.

— Ainda não está melhor?

— Está se recuperando, mas acho que vai demorar para ficar cem por cento de novo.

— Não corre riscos graves, não é?

— Não. Nada grave.

— Assim fico mais tranquila. Ainda não pude visitá-la, estou ajudando uma das famílias a remontar suas antigas hortas como eram antes do ataque, há duas noites.

— Houveram mais ataques? — Não pude disfarçar o choque.

— Sim. Você não ficou sabendo?

— Soube que houveram mais ataques após o primeiro, mas não sabia que estavam sendo tão frequentes.

— Estão acontecendo com uma frequência além do que podemos controlar. E agora não atacam apenas as criaturas, atacam as casas e nossos suprimentos também.

— Isso tem que parar! Não podemos deixar isso continuar! Temos que arrumar um jeito de....

— As Senhoritas não farão nada. Esse trabalho pertence aos Elfos da Guarda, criaturas treinadas para lutar e desvendar esse tipo de mistério. — O guarda se intrometeu na conversa.

— Quem te disse isso? Leon? —  Senti realmente incomodada com a intromissão dessa vez e descontei minha frustração nas palavras.

— Senhorita. Peço que me respeite.

— Você mesmo não respeita minha privacidade e fica escutando minhas conversas.

— Peço perdão, mas são ordens....

— Sei que são suas ordens, mas preciso de privacidade também!

— Acalme-se, Alessia. — Camilla tocou meu braço com delicadeza.

Me acalmar? Ele me seguiu desde que saí para almoçar! Não posso falar com ninguém! Fora que passei a manhã toda presa no quarto!

— Isso é sério? Por que Ária te prendeu desse jeito?

— Lembra que falei que fugi? Então, fugi a noite para tentar encontrar essas criaturas que estavam causando os ataques, mas acabamos sendo atacados e foi assim que Julie se machucou. Uma das criaturas a atacou.

— Quem estava com você?

— Ethan, meu outro protetor e Julie.

— Por isso foram castigados... — comentou mais para si mesma.

— Sim.

— Mas... Alessia, todos querem saber quem é o rapaz da máscara. Você não pode me contar? Nem para mim?

— Camila, eu sinto muito, mas ele me pediu para não dizer seu nome. Você já deve ter ouvido falar sobre seus ferimentos e... não deve ser fácil. — Odiava mentir, mas senti que era necessário com o guarda ouvindo a conversa.

— Sim, eu entendo. Tudo bem. Quer conhecer a lanchonete que uma das famílias fez?

— Claro.

Assim que começamos a andar, o guarda nos acompanhou. Isso era tão irritante! Seguimos para a lanchonete, enquanto me contava sobre as mudanças que aconteceram na vila por causa dos ataques e sobre como as criaturas estavam reconstruindo suas vidas.

— Uma das medidas de segurança adotadas foi o toque de recolher. — Explicou, enquanto tomávamos suco na lanchonete formada por duas irmãs fadas e por um duende. A lanchonete era um sucesso, elas cozinhavam como ninguém! E eu que pensei que seu único dom especial era o da cura....

— Então vocês também perderam parte de sua liberdade. — Fiquei girando o canudo do suco.

— Sim. Só as ninfas e os vampiros podem sair de noite, mas nem isso fazem. Nunca vimos vampiros com medo de nada, mas essas criaturas parecem assustá-los. Saem apenas quando está perto do sol nascer para caçar e renovar nossos estoques de carne. Nossa sorte é ainda haver animais comuns vivendo na ilha, mesmo depois de tantos anos.

— É tão estranho... e o que mais me incomoda é não saberem nada sobre esses bichos que estão atacando. Vi um deles quando me atacaram, mas é praticamente impossível dizer como são. Tudo o que você vê são os olhos do tamanho de duas laranjas, a pelagem escura como a noite e os dentes brancos e afiados.

— Você chegou tão perto assim de uma dessas criaturas? — O guarda parecia surpreso.

— Sim. — Tentei não ser grossa demais por causa de sua intromissão. — Não foi exatamente agradável.

— Algumas pessoas estão pensando que essas criaturas são uma das transformações que os elementos mágicos podem fazer. — Camilla estava com uma expressão pensativa.

— Como assim? — Tentei entender a afirmação antes de ter que explicar, mas falhei.

— Bem... Lewis, por exemplo, possui em sua alma algo que o faz ter bom controle sobre o elemento água na magia. Pode fazer com que a água assuma diferentes formas, se já estiver nesse nível de aprendizado, mas só era ensinado no último ano do colégio.

— Então nenhum de vocês sabia fazer esse tipo de coisa?

— Não. Apenas as criaturas que se formaram ou os próprios fundadores, se algum tiver esse tipo de magia na alma.

— Talvez devêssemos investigar as criaturas que são capazes de fazer esse tipo de magia. — Novamente me esqueci da presença do guarda.

Vocês não farão nada disso, mas passarei sua ideia para Leon. É uma ótima maneira de começar. — Sua expressão era dura.

— Obrigada. Pelo menos tomarão algum tipo de providência. — E revirei os olhos.

— Temos que ir agora, Senhorita. — O guarda se levantou abruptamente.

— Ainda não está perto de anoitecer.

— Mas talvez você deseje contar sua ideia para Leon.

— Está certo. Tchau, Camilla! Até mais! — Despedi-me e segui com o guarda de volta ao castelo.

...

— É realmente uma boa ideia. — Comentou Leon, enquanto andava pela pequena sala que usava como sala de planejamento.

— É pelo menos uma maneira de começar. Uma hipótese.

— Certamente. Verei com Ária, Ivan e Arak se estão de acordo com essa hipótese e se estiverem, começaremos amanhã mesmo. — E parou de andar ao lado da porta.

— Obrigada por escutar.

— Obrigado por tomar a medida certa ao invés de se arriscar tentando colocá-la em prática por si só. — E me lançou um olhar severo.

— Só estava tentando fazer alguma coisa. — Levantei-me, tentando controlar minha raiva.

— Da próxima vez, acho melhor não fazer nada.

— E ficar de braços cruzados enquanto aqueles bichos destroem a vila e as outras criaturas?

— Não. Apenas fazer as suas tarefas e deixar que os outros façam as deles. — Seu tom era irritado e abriu a porta num movimento rápido. — Até logo.

— Até. — E saí sem olhá-lo.

O guarda, que ainda estava encarregado de me supervisionar, me seguiu, enquanto tentava lembrar para que lado ficava o meu quarto.

É claro que tinha planos em mente. Não ficaria presa ali a noite toda. Tinha que encontrar Ária e perguntar porque ninguém estava agindo quanto ao problema dos ataques. Teria que escapar pela janela e arrumar um jeito de me encontrar com ela. Talvez as Sombras pudessem me ajudar....

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