Capítulo 2

Depois do jantar, voltei ao quarto de Ethan, que parecia cochilar. Entrei sem fazer barulho. Queria perguntar para a mulher que estava cuidando dele se o ferimento estava melhorando. Assim que me viu, a mulher sorriu e saiu de perto com algumas gazes e um frasco (que deveria conter algum líquido cicatrizante), indicando que havia trocado o curativo não fazia muito tempo.

— Ele está acordado?

— Sim. — E saiu do quarto.

Aproximei-me da cama e percebi que estava com os olhos abertos, mas ainda não havia notado que estava ali (ou estava fingindo não notar). Sentei na beirada da cama e continuou observando a janela do quarto, perdido em algum pensamento.

— Vim te visitar.

— Você disse que viria. — Ainda sem me olhar.

— É. — E já não sabia mais como continuar a conversa.

— Obrigado.

— Pelo que?

— Por não ter me deixado para trás. — E finalmente olhou para mim.

— Nunca deixaria um amigo para trás. — Sorri.

Seu sorriso e seu olhar me pegaram desprevenida, estava realmente grato pela minha ajuda e demonstrava isso em sua alma com um sorriso suave. Cheguei até a pensar que iria segurar minha mão para ajudar a demonstrar seu agradecimento, mas não fez isso.

— Poderia ter morrido.

— Sim, e seu sacrifício teria sido em vão.

— Não. Não foi um sacrifício.

— Morreria por mim? — Falei em tom de brincadeira.

— Nunca! No máximo trocar de lugar com você para que uma flecha não atinja seu coração. Mas isso não me faria morrer, como você já sabe.

— Bobo.

— Está perdendo o medo, é? — E se ajeitou na cama.

— Eu? Com medo de você? Nunca tive! — Sabia que isso era mentira e que ainda tinha medo, mas ignorei esse fato.

— Ora... pare de mentir! Você morria de medo de me encontrar sem que alguém estivesse junto com você.

— E veja como estamos agora.

— É verdade. — Estreitou os olhos e passou a língua nas presas. — Estamos sozinhos.

— Nem pense nisso! — E acabei dando um pulo para sair de perto dele.

— Sabia que ainda tinha medo. — E sorriu, metido.

— Foi só uma recaída. — Fiz uma pose convencida e ele riu.

— Pode voltar aqui. Não tenho como te atacar com o ombro machucado.

— É verdade... já não era para ter melhorado? Vocês vampiros não têm aquela coisa de se curarem rápido?

— Sim. — Pensei ter sentido certo receio em seu modo de dizer.

— Então, por que não está curado ainda?

— Não bebo sangue forte há um tempo.

— Sangue forte?

— Sim. Sangue humano.

— Ah! Então, é por isso?

— Sim. — Disse meio a contragosto.

— Não vai cobrar que estou te devendo meu sangue?

— Não. Você está livre da promessa. — E desviou o olhar para a janela.

— Livre? — Não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

— Sim. Você não tem mais porquê esconder sua natureza. As pessoas que estão aqui não irão te machucar. Dessa forma, não tenho mais como te chantagear.

— E a história de favores? De estar te devendo algo por você ter testemunhado a meu favor no julgamento?

— Por que insiste tanto em querer estar presa a uma promessa? Principalmente uma que você detestava.

— Porque quero que beba meu sangue. — Falei sem pensar. Ele voltou a me olhar e demonstrava dúvida.

— Você está dizendo isso por que está preocupada comigo ou por que quer que esteja em boa forma para proteger seu Príncipe das Sombras? — Não consegui decifrar seu olhar nesse momento.

— Quero que você esteja bem. Porque me preocupo com você também, mesmo que você não queira acreditar nisso.

— E quem disse que não quero?

— Vai querer beber o sangue?

— Se você estiver disposta a doar. — E tentou dar de ombros, mas seu rosto se contorceu de leve por causa da dor do ferimento. Fui até a porta e a fechei com cuidado. Depois voltei para a beirada da cama.

— Você não pode ficar assim por muito mais tempo. — Tirei o cabelo do pescoço. — Como vamos fazer dessa vez?

— Venha cá. Sente-se mais perto, por favor.

Sentei-me mais perto. Terminou de tirar o cabelo do meu pescoço e segurou minha cintura com as duas mãos. Seus olhos ficaram vermelhos e suas presas se projetaram. Inalou o cheiro em meu pescoço, roçando os lábios de leve, o que me fez arrepiar. Quando finalmente mordeu, mal senti a dor que sempre sentia. Talvez fosse porquê dessa vez ofereci e não obrigada fui a doar.

— Está melhor agora? — Me sentia um pouco zonza depois de ter cicatrizado a mordida.

— Estou. Obrigado. — E enxugou com as costas da mão uma gota de sangue que escorria do canto de sua boca.

— Acho melhor ir atrás do meu amigo humano para ver se está bem. — Falei ao me lembrar de que não havia falado com Daniel ainda e também para fugir de qualquer conversa constrangedora.

— Tenho certeza de que está bem, Alessia. Já está tarde e ele está morando na vila. Não vão deixá-la sair à noite.

— Por que não? Não estamos mais em Fantasy.

— Porque ainda não reativaram o feitiço de proteção. Pode ser perigoso.

— Leslie sabe onde estamos?

— Talvez. Não temos como ter certeza.

— Isso é mal... precisam fazer logo esse feitiço. — Comentei mais comigo mesma do que com ele. Ainda não havia levantado da cama porque continuava me sentindo um pouco tonta e ele aproveitou para segurar minha mão. Assim que fez isso, desviei o olhar para o gesto e em seguida, olhei seu rosto. Observava nossas mãos com uma expressão que não consegui decifrar, parecia pensativo. — Está tudo bem mesmo?

— Sim. — Falou rápido e soltou minha mão assim que começou a falar. — Por que não estaria?

— Por nada. Deixa para lá. — E levantei da cama devagar.

— A tontura já passou?

— Sim. — Disse, mesmo que não tivesse passado por completo ainda.

— Então, boa noite. — E se ajeitou na cama, deitando de costas para mim.

Sei que não precisava ter feito isso e que provavelmente isso me fez ficar com o rosto vermelho de vergonha, mas caminhei de volta à cama e beijei seu rosto, desejando-lhe boa noite também. Não tive tempo de ver sua reação, porque assim que fiz isso, praticamente fugi correndo do quarto e fechei a porta.

Quando estava chegando ao quarto onde havia acordado, encontrei o Mestre das Sombras no fim do corredor, saindo do quarto dele. Não deu tempo para que fugisse, então tive que esperá-lo chegar perto e lhe desejar boa noite com um sorriso.

Não que estivesse com medo, nem com raiva ou coisa parecida. Nem tinha motivos para ter raiva, já que me ajudou a salvar o Ethan, mas ainda tinha receio de conversar com ele sozinha, depois da maneira como falou comigo enquanto estava sendo controlado pelas trevas.

— Onde estava? — Seu tom de voz baixo me tranquilizou um pouco. Não estava sendo controlado nesse momento.

— Estava com Ethan. Queria ver se estava melhorando.

— Seu pescoço... te obrigou a doar? — E apontou o ponto no meu pescoço onde Ethan havia mordido e depois cicatrizado a ferida. Seu olhar era preocupado e ao mesmo tempo receoso.

— Não. Eu ofereci. Precisava de sangue humano para se recuperar.

— Ofereceu sangue a ele? — Pensei ter ouvido um toque de mágoa em sua voz.

— Sim, porque estava precisando. – Tudo que não precisava era que o Mestre das Sombras ficasse chateado comigo. — Mas..., e você? O que ia fazer saindo do quarto essa hora?

— Ia caçar. Embora o jantar estivesse delicioso, sinto sede de sangue.

— E você vai caçar o que? Aqui não é como em Fantasy, não terão humanos ou outras criaturas que você possa caçar. — Tentei soar cautelosa.

— Tem razão. Havia esquecido.... — Seu olhar era de ingenuidade e confusão.

— Se não me engano, ouvi as pessoas dizendo que havia algumas criaturas doando sangue para os vampiros que vieram conosco. Devem guardar nos congeladores da cozinha. — Forcei um sorriso.

— Ah! Sim, é claro. Vou dar uma olhada lá. — E deu um sorriso fraco. — Você poderia vir comigo?

— Vou, mas por quê?

— Se me virem andando sozinho podem desconfiar. Tinha esse hábito antes, lembra?

— Ah. Sim, é verdade. Melhor te acompanhar. — E comecei a segui-lo pelo corredor.

Entramos no que deveria ser a cozinha e apesar de terem congeladores, os fogões eram à lenha como os de fazendas. Havia vários armários de madeira marrom em torno do cômodo e uma despensa ao lado de um dos congeladores. O local tinha uma mesa longa de madeira, onde deveriam preparar as comidas. As louças que consegui ver eram todas de porcelana ou de prata.

Encontramos os pacotes de sangue no congelador e para que não acabasse vomitando ali mesmo, Zein colocou o conteúdo em uma das taças de prata e bebeu como se fosse um vinho. Até ia comer e beber alguma coisa, mas meu estômago ficou embrulhado ao sentir o cheiro do sangue e vê-lo bebendo com tanto gosto.

— Ninguém desconfiou de você ainda, certo? — Cheguei mais perto dele.

— Não. — E olhou para mim.

Seus olhos estavam vermelhos e tinham um leve brilho escarlate, mas mesmo que me fizessem estremecer, não pude deixar de pensar em como ficava bonito de qualquer maneira. Acho que é algum dom de vampiro.... Seguiu-se um silêncio desconfortável enquanto bebia mais uma taça, já era a quarta. Quando finalmente pareceu se saciar, fui eu quem falou primeiro.

— Satisfeito?

— Era sangue de ninfa. Prefiro sangue humano e as trevas também, mas acho que por hoje basta. — Não pude deixar de engolir em seco quando passou por mim. Parecia que conseguia ver e sentir a névoa escura ao seu redor, como uma alcateia de lobos em torno do Alfa.

— Vamos voltar para os quartos, então.

No caminho de volta, não pude deixar de lembrar como as sombras haviam me protegido quando tentou me atacar com a névoa. Por que simpatizavam tanto comigo a ponto de me protegerem? Por que se arriscavam a desobedecer seu próprio mestre?

— Boa noite. — Sussurrou quando paramos em frente ao meu quarto.

— Boa noite. — Consegui encontrar a voz após me recuperar da confusão, já que estava perdida em pensamentos e nem percebi que já estávamos no corredor dos quartos.

Entrei e corri para o banheiro, precisava de um bom banho. Enquanto tomava banho, fiquei pensando que minha vida havia mudado radicalmente pela terceira vez. Isso estava virando rotina. Quando saí e finalmente deitei na cama, as palavras de Luzia sobre minha Lembrança Guerreira voltaram à minha mente e fiquei pensando nisso até dormir.

Acreditava em outras vidas. Acreditava que era por isso que às vezes víamos pessoas ou lugares que nunca vimos, mas mesmo assim nos lembrávamos de ter estado ali. Só que nunca pensei que essas lembranças pudessem interferir em nosso comportamento assim.

...

Na manhã seguinte, longe de todos os pensamentos do dia anterior, fui encontrar Daniel na vila. Estava ajudando algumas criaturas a limpar suas casas e apesar do trabalho pesado, todos estavam sorrindo e conversando animadamente.

As casas da vila eram feitas de pedras cinzentas e com um cimento estranho (que deveria ser mágico, por ter sido conservado impecavelmente por todos esses anos). As casas estavam sujas de areia, folhas secas e pó. Havia também algumas plantas, que insistiam em se misturar às paredes das casas e formavam uma camada até que bonita, se fosse bem podada.

Daniel estava ajudando com a poda em uma das casas quando o encontrei. Com certeza já estava fazendo isso há algum tempo, pois estava suado e respirava pesadamente. Mesmo assim sorria e conversava animadamente com duas criaturas, que estavam trabalhando ao seu lado.

— Olá! — Cumprimentei-os sorrindo timidamente.

— Alessia! — Daniel parou o que estava fazendo e veio até mim. — Não vou te abraçar porque estou todo sujo.

— Tudo bem. Como estão indo as coisas? Querem ajuda?

— Seria ótimo! — E segurou minha mão, me levando até as outras duas criaturas. — Alessia, esses são Baron e Lianne.

— Prazer em conhecê-los! — Sorri.

— O prazer é nosso. — Disse Baron, que tinha os cabelos loiros e curtos, olhos esverdeados e pele clara. Suas orelhas eram pontudas... devia ser um elfo.

— Baron é um elfo da floresta. — Explicou Daniel e depois se virou para a garota, que tinha cabelos ruivos e ondulados, olhos azuis, e a pele tão clara que era manchada por sardas. — E essa é Lianne, uma fada da terra.

— Que legal!

— Eles são noivos. — Meu amigo falou dando uma cotovelada de brincadeira em Baron.

— É mesmo? Pretendem casar-se quando?

— Ainda não sabemos... está tudo muito bagunçado. — Lianne sorriu timidamente.

— Ah. Entendo.

— Então, é você a nova escolhida? — O elfo perguntou.

— Escolhida? Escolhida para que?

— Ária e Ivan foram eleitos rainha e rei daqui. — Explicou Daniel.

— Ah! Não sou a Ária.

— Não. É que disseram que escolheriam você para ser a princesa de Magic, caso algo acontecesse com eles um dia.

— Você ainda não foi coroada? — A mulher parecia surpresa.

— Quer que a chamemos de Vossa Alteza? — Baron tinha um tom mais sério agora.

— Não! Deve ter havido algum mal-entendido. Não fui informada de nada e não tenho vocação para ser da realeza.

— Não há engano nenhum, Alessia. — Daniel sorriu. — Provavelmente irão coroá-la no Baile de Coroação, em que ambos também serão coroados oficialmente.

Que baile? — Sentia-me completamente confusa.

— Hoje à noite faremos o feitiço de proteção. Quando terminarmos de limpar a vila e o castelo, Ária e Ivan organizarão um baile para que possam ser coroados oficialmente e também para comemorar a recuperação do nosso novo lar. — Seu sorriso estava mais largo agora.

— Por que ninguém havia me contado nada disso?! — Falei retoricamente, indignada.

— Provavelmente não queriam te preocupar... talvez contassem a você mais tarde. — Daniel pareceu considerar a possibilidade apenas naquele momento.

— Preciso falar com Ária! Imediatamente. — E virei-me de costas, a fim de voltar para o castelo.

— Não! Espera! Alessia, não diga nada! Acho que queria que fosse surpresa.... — Comentou mais baixo.

— Tudo bem... vou ajudar vocês com a casa e depois vou dar uma volta por aí.

Peguei uma esponja e um balde, para ajudar a lavar as pedras da parede. Ficamos limpando e arrumando até a hora do almoço, quando todos foram comer no castelo, depois voltamos à vila e Lewis foi conosco. Limpamos mais duas casas, que ficaram habitáveis.

Lianne e Baron ficaram com uma, uma família de elfos e fadas ficou com a outra, duas fadas dividiram a terceira e Aron, o elfo mestre de Daniel, transformou a quarta em uma ferraria, que serviria de casa para ambos.

No fim da tarde, quando terminamos mais uma parte do serviço, decidi dar um passeio até a praia. Um passeio rápido, porque a noite iríamos fazer o feitiço de proteção de Magic. Queria ir sozinha, mas Lewis acabou me seguindo, alegando que era perigoso andar por aí sozinha enquanto o feitiço ainda não havia sido feito.

— Você está preocupada com algo?

— Não. Por que a pergunta? — Tentei disfarçar, mas por sua expressão resolvi contar a verdade. — Fiquei sabendo que serei princesa de Magic.

— Já entendi. Acha que não é boa o suficiente?

— Bem.... Sim. — Senti-me envergonhada. — Adoro essas coisas de realeza, sempre gostei, mas nunca pensei que teria mesmo que participar de algo assim.

— Compreendo sua aflição, mas se servir de consolo, votei em você para ser a princesa.

— Mesmo? Por que fez isso? — Parei de caminhar. Ainda estávamos na trilha da floresta, não havíamos chegado perto da praia.

— Porque acredito que seja capaz.

— Obrigada por sua confiança, mas não acredito nisso.

— Então passe a acreditar. Você pode fazer tudo se acreditar.

— Já ouvi isso antes. — Sorri de leve.

— Claro que sim. Acho melhor irmos voltando, está escurecendo.

— Certo. — E começamos o caminho de volta, antes mesmo de chegar na areia.

— Você não acreditava que conseguiria sozinha lutar da maneira como lutou, mas mesmo assim conseguiu.

— Eu pensei que você estava me ajudando. — Fitei o chão, sentindo-me estranha.

— Mas não estava e com a confiança de que estivesse, você conseguiu lutar.

— Talvez.

— Com certeza! Você é capaz de coisas que nem imagina.

— Não sou nenhuma heroína.

— Não precisa ser.

— E como pretende que me supere? — O observei de canto de olho.

— Sendo você mesma.

— Fácil falar.

— Não seja tão pessimista.

Continuamos caminhando até chegar ao castelo. Todos haviam entrado para o jantar e o céu já estava quase todo tomado pela noite. Lewis me informou que fariam o feitiço à meia noite em ponto e que todos que quisessem participar teriam de estar presentes até, no máximo, onze e meia. Jantei, subi ao meu quarto, tomei um banho e me vesti. Ainda eram oito horas e não sabia o que fazer.

Como será esse ritual? Espero que não seja necessário mostrar o rosto, senão o Mestre das Sombras terá problemas, e acho que eu e Ethan também. O maior problema é não ter ninguém, além de nós, que acredite que ele não vai fazer mal a ninguém. Talvez seja melhor estimular suas relações sociais e fazê-lo ajudar mais as criaturas, para assim ganhar sua confiança.

Se conseguir fazer isso, talvez (apenas talvez), quando acabar se revelando a todos (o que vai acontecer um dia), as pessoas queiram protegê-lo também e enxerguem o lado além as trevas ruins, a parte boa da escuridão.

Além do mais, temos o argumento de que se não fosse por ele, não teríamos um vampiro poderoso para completar o círculo de fundadores e fazer o feitiço de teletransporte funcionar. Está decidido! Vou começar a levá-lo comigo para ajudar na limpeza das casas. Outro ponto positivo é que, se for mesmo princesa de Magic, poderei tê-lo como meu protegido.

Queria saber onde está o livrinho de Ária.... Muito embora não esteja mais em Fantasy, ainda preciso saber os costumes e crenças com os quais essas criaturas foram criadas.

— Alessia? — Ouvi alguém me chamar e sentei-me na cama, olhando para a porta.

— Quem é?

— Sou eu. Não reconhece minha voz? Abra a janela, por favor. — Pediu a mesma voz, que comecei a reconhecer.

— Zein? Por que está na janela? — Levantei-me da cama e corri até lá, onde uma densa névoa pairava.

— Tive receio de andar pelos corredores para vir até você. — Abri a janela e ele pulou por sobre o beiral.

— Bem... você não poderá mais agir assim. — Tentei soar séria e decidida.

— Por que não?

— Desenvolvi uma espécie de plano para que as criaturas te aceitem. Você vai começar a me acompanhar quando for ajudar na limpeza ou em qualquer outra tarefa comunitária. Entendido?

— Sim, mas como isso....

— As pessoas começarão a gostar de você e assim terá mais confiança. E não sei se está sabendo, mas parece que serei coroada princesa de Magic e se isso acontecer mesmo, poderei tê-lo como protegido.

— Sabe que me ter como protegido não impede que me matem, não é?

— Como assim?

— Acontece que em Fantasy, quando a Rainha tinha protegidos, as pessoas não mexiam com eles por medo da punição. Você puniria essas pessoas como a Rainha fazia?

— Bem... não como a Rainha, mas puniria se fizessem algo de ruim com você.

— E isso seria justo?

— Por que não seria?

— Porque essas pessoas têm medo de mim por uma causa justa. Já fiz mal a muita gente. Eles têm o direito de me querer morto, mas pense no contrário, que direito você tem de querer puni-los por punirem um culpado?

— Você pode até ter sido culpado, mas aqui em Magic, todos nós temos o direito de recomeçar. E você veio conosco.

— Está falando como uma princesa. — Sorriu de um jeito tímido e seu sorriso fez meu coração acelerar.

— Devo agradecer-lhe, cavalheiro? — Tentei segurar o riso.

— Se quiseres.

Por um tempo, enquanto me observava e tentava encontrar palavras escondidas em seu olhar, fomos nos aproximando e tive vontade de abraçá-lo, beijá-lo e dizer que tudo ficaria bem. Estávamos tão próximos.... Então, alguém bateu à porta.

— Alessia? — A voz de Cameron chamou. — Posso entrar?

— Ah. Só um minuto. Estou... ahn... trocando de roupa!

— É melhor voltar para o meu quarto. Te vejo na reunião de hoje à noite.

— Até mais! — E corri até a porta, enquanto ele seguia para a janela. — Cameron! Já faz um tempo que a gente não se fala direito!

— Sim. Por isso vim até aqui. Queria saber como você está com tantas novidades. — Pareceu um tanto inseguro ao dizer isso.

— Está se referindo ao fato de que irei me tornar uma princesa ou ao fato de ter matado gente inocente? — Forcei um riso para quebrar a tensão.

— Não quero ser intrometido ou indelicado, mas saiba que se precisar de alguém com quem desabafar, pode contar comigo!

— Obrigada por toda a ajuda. Acho que você é quem merecia ser um príncipe e não eu.

— Não diga isso! Tenho absoluta certeza de que Ária, Ivan e todos que vieram conosco fizeram uma excelente escolha!

— Obrigada por sua confiança. — Sorri.

— Quer dar uma volta pelo castelo?

— Adoraria conhecer esse lugar!

— Então, vamos!

Segurou meu braço e saímos pelo corredor do castelo, em direção a um passeio turístico pelo meu novo lar. Durante o passeio pudemos conversar um pouco. Ao final já estava perto da hora da reunião, arrumei uma maneira de me despedir de Cameron e fui visitar Ethan na enfermaria.

— Ethan? Está tudo bem? — Observei o quarto que servia como quarto de hospital. Estava de pé, olhando pela janela. — Já está podendo ficar em pé?

— Não estou tão machucado assim. — Falou sem se virar.

— Vão fazer o feitiço essa noite. — Aproximei-me dele. — O que está olhando?

— Nada. — E entrou na minha frente, impedindo minha visão.

— Sai da minha frente! O que está escondendo? — Empurrei-o de leve.

— Preciso de sangue de novo!

— Não vou doar sangue a você de novo! Já doei essa semana! — E tentei passar novamente.

— Quero agora. — Puxou-me pelo braço até a cama, onde estava tendo que passar as noites.

— Não sou sua escrava. Não sou sua doadora oficial. Sou apenas sua amiga e você não pode me obrigar a doar sangue! — E o empurrei com toda minha força.

Ele tropeçou e caiu sentado em uma poltrona, que estava ao lado da cama. Ignorei os resmungos de dor que deu e segui para a janela. Ao olhar para fora, não pude ver nada além do escuro. Já havia anoitecido e a lua estava encoberta.

— Não era nada, viu? — Resmungou entre dentes.

— Ainda acho que era alguma coisa. — Voltei para perto dele. — Desculpe se te machuquei.

— Você me machucar? — E tentou rir, mas acabou fazendo uma careta de dor.

Ainda está doendo?

— Um pouco.

— Já era para ter melhorado.

— Eu sei. Devia ter algum tipo de feitiço naquela flecha.

— Que tipo de feitiço?

— Tenho cara de livro mágico?

— Não! Tem cara de....

— De...?

— Esqueça.

— Melhor mesmo.

— Por quê? Vai me atacar nesse estado?

— Posso ganhar de você até com os braços amarrados e os olhos vendados.

— Convencido.

— Estou apenas dizendo a verdade. Além do mais, você morre de medo de mim.

— Não mais.

— É mesmo?

— Sim. — Cruzei os braços em frente ao corpo. Então, em um movimento que deveria ter sido mais rápido, levantou, e com o braço que não estava machucado me empurrou para tentar me derrubar na cama. No entanto, não conseguiu e quem acabou caindo foi ele. — Você está bem?

— Estou. — Mas percebi que estava trincando os dentes de dor. Ajudei-o a sentar na cama e ajeitar o curativo.

— Vocês vampiros sentem frio? — E ajudei a se ajeitar de novo na cama.

— Por que está perguntando isso agora?

— É que reparei que você está dormindo apenas com um lençol e por causa do machucado está ficando sem camisa, mas não parece sentir frio. — Não olhei para seu rosto.

— Sentimos frio, mas nossa temperatura corporal é mais baixa que a dos seres humanos e é como se o frio se fundisse a nós.

— Ah. Entendi.

— Você "reparou" foi? — Arqueou as sobrancelhas.

— Sou muito observadora. — Senti o rosto corar.

— Claro. — Tentei ignorar sua risadinha.

— Agora preciso ir para a reunião ver como o Mestre das Sombras vai se sair no feitiço.

— Espera. — Ethan se ergueu rápido demais, tendo que soltar seu corpo na cama logo em seguida. Voltei e o ajudei a sentar de novo.

— Precisa tomar mais cuidado, você está machucado.

— Não preciso que me diga o que fazer.

— Mal-educado! Foi para isso que me pediu para esperar?

— Não, mas quero que fique comigo, por favor.

— Ficar com você?

— Não poderei ir à reunião.

— Mas você já está andando!

— Só que estou enfraquecido e dessa maneira minha magia irá atrapalhar e enfraquecer o feitiço.

— E não vão precisar da minha magia?

— Que magia? A que Ária te doou? Acho que não. — Sua voz soou sarcástica e isso me magoou por alguma razão.

— Por que está dizendo isso? Você não disse que tentaria ser gentil pelo menos comigo?

— Desculpa.

— Por que não quer que eu vá?

— Não disse que não quero, só disse que quero que fique aqui comigo.

— Não te conheço há muito tempo, mas sei o suficiente sobre você para saber que você não quer que eu vá e está arrumando desculpas.

— Certo, mas só vou te dizer se me prometer não ir e ficar aqui comigo por esta noite. — E o sorriso malicioso que estava esperando não apareceu.

— Prometo. — Resolvi deixar a curiosidade assumir o controle.

— Ao final desse ritual todos se sentirão fracos e cansados, apenas por esta noite, mas se sentirão assim.

— E você está com medo que doe sangue ao Mestre das Sombras de novo. — Completei o pensamento por ele.

— Sim, mas não apenas por causa dele. Acontece que existem mais vampiros que vieram conosco e todos se sentirão fracos e cansados por causa da magia forte que usaram.

— Você não pode querer me controlar assim, sabia?

— Não estou te controlando. Estou te alertando.

— Tudo bem. Não quero ficar discutindo o resto da noite. — Revirei os olhos e segui até a poltrona.

Sentei-me e ficamos um tempo em silêncio. Fechei os olhos e fiquei pensando em como seria a cerimônia e se tudo daria certo. Realmente esperava que o Mestre das Sombras não fosse descoberto.... Cameron veio me procurar e me chamar para a reunião. Expliquei que ficaria com Ethan porque não estava se sentindo muito bem. Pareceu desconfiar, mas saiu do quarto e só me pediu para tomar cuidado.

— Não se preocupe com ele. — Ethan falou, depois de um tempo em que fiquei em silêncio encarando a janela.

— Com quem? — Fingi-me de desentendida.

— Você sabe com quem. Mas não se preocupe. Todos os representantes usam mantos longos cobrindo o corpo inteiro, e usam máscaras também. O feitiço será feito da maneira tradicional, não irão descobrir quem ele é, e caso sinta sede, vão alimentá-lo com os estoques da cozinha.

— Obrigada por tentar me tranquilizar.

— Não precisa me agradecer por isso, só falei porque uma hora ou outra você iria perguntar. — Deu de ombros e deitou novamente na cama. Aproveitei para me ajeitar na poltrona e fiquei observando a noite lá fora, até que acabei adormecendo sem perceber.

Acordei sem recordar onde e porque estava ali. Esfreguei os olhos enquanto tentava lembrar a última coisa que pensei antes de dormir, mas não consegui recordar. Olhei para o lado e vi Ethan dormindo, parcialmente coberto por um lençol branco. Estava na "enfermaria" do castelo de Magic, claro! Depois de me situar foi fácil ligar os pontos e descobrir o que fazia ali e o motivo de não estar na reunião de execução do feitiço de proteção.

Levantei da cadeira e segui até a janela, que começava na minha cintura e terminava perto do teto, ocupando quase toda a extensão da parede. Ali tinha uma vista privilegiada dos jardins da frente do castelo, porém não era onde fariam o feitiço. Não poderia saber se já havia terminado ou não.

A noite estava escura, a lua cheia estava encoberta pelas densas nuvens acinzentadas no céu e as lamparinas a gás dos jardins do castelo estavam todas acesas. Não havia qualquer sinal da mais leve brisa lá fora. Parecia uma noite agradável, levando em consideração que também não estava um tempo frio.

— Alessia? — Ouvi Ethan chamar com uma voz sonolenta. — Você está bem?

— Sim. — Virei-me para ele.

— Por que levantou? A poltrona não estava confortável? Se quiser pode dormir na cama comigo....

— Não, obrigada. E não poderia nem se quisesse. A enfermeira iria me estrangular por causa da possibilidade de acabar batendo em seu machucado.

— Nesse ponto você tem razão.

— Mas por que você acordou? Teve algum pesadelo? — Tentei dar um tom de brincadeira para provocá-lo.

— Estou com fome. — Sua expressão ficou levemente sombria.

— Quer que busque algo para você comer?

— Não quero comer nada. Quero beber. Estou com sede.

— Ah. Tem estoques de sangue na cozinha. Quer que eu....

— Não quero que saia por aí sozinha esta noite!

— Então, o que quer que eu faça?

— Pode voltar a dormir tranquilamente.

— E você? Vai fazer o que? Não pode sair para caçar.

— Espero até amanhã cedo.

— Se ficar sem se alimentar o machucado demorará mais a se curar.

— Quer me doar sangue, por acaso? — Sua voz soou irritada e seus olhos tinham um leve brilho vermelho. Engoli em seco.

— Me desagrada a ideia, mas isso vai ajudá-lo a se curar mais rapidamente e aí poderei começar a dizer não novamente. — Aproximei-me dele, sentando na beirada da cama.

— Não vai se livrar de mim tão fácil. — Sorriu com ar sedutor, senti meu coração saltar no peito e me repreendi por isso.

Acho que não é mais necessário descrever como fazia para beber meu sangue. A única coisa diferente no momento é a questão de poder ou não ler minha mente e isso sempre me deixar nervosa. Não que tenha algo a esconder. A não ser que esteja escondendo de mim também....

— Obrigado.

— Nossa! Agora você agradece uma refeição?

— Não diga isso. Você sabe que estou tentando ser gentil com você. Não te vejo apenas como uma refeição.

— Sei que está tentando. — Foi tudo que consegui dizer. Ficamos um bom tempo em silêncio, sem nos encarar, apenas pensando em alguma coisa.

— Acho que o Mestre das Sombras vai procurá-la amanhã. — Ethan falou por fim. — Sei que confia nele, mas tome cuidado, vai estar realmente sedento de sangue.

— Tenho certeza de que vai se alimentar antes de me encontrar.

— Não será suficiente. Acredite. — Sua voz soou de forma tão convicta que não argumentei.

— Tudo bem. Prometo tomar cuidado.

— Não o deixe beber. — Sua expressão era séria. Não era um pedido. Era uma ordem. — Você já me doou hoje e ele vai necessitar de muito mais. Você ficará fraca e pode até vir parar na enfermaria. Entendeu?

— Entendi. Vou fazer o possível.

— Faça o impossível também. Tente ficar sempre perto de alguém.

— Posso me defender sozinha!

— Ah, claro! Como fez das outras vezes em que a atacou?

— Não me lembre disso! Quero mesmo acreditar que se arrependeu de tudo!

— Espero que você esteja certa sobre a mudança. — Foi tudo que disse.

Voltei para a poltrona e descobri que era reclinável. Melhor do que dormir completamente sentada. Achei que não conseguiria dormir de novo, mas incrivelmente não tinha mais os mesmos problemas de insônia de quando tinha que dormir cedo para o colégio, quando minha vida ainda era apenas humana e normal....

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