Capítulo 9 - Mandioca

Na segunda-feira, pela manhã.

Lyara acorda ao som do canário amarelo.

— Cala a boca! Eu quero dormir — fala, virando para o outro lado.

O passarinho pousa na cabeça da índia, despeja as necessidades no cabelo dela e sai voando.

— Ai, Preto! Que raiva. Todo dia isso. Desde que eu tinha oito anos você defeca na minha cabeça. Sabia que existe mais de quatro milhões de habitantes no Amazonas? Vai fazer merda na cabeça de outro, seu chato — esbraveja, levantando da rede.

A índia entra no quarto pulando num pé só e se joga na cama de Lacerda, acordando-o.

— Bom dia! — cumprimenta, esfregando os olhos.

— Bom dia, Cael! Dormiu bem?

— Dormi muito bem, e você? — fala, sentando na cama.

— Eu também... Sonhei com você. Nós estávamos passeando num barco bem grande.

— Vou comprar um barco bem grande pra gente realizar esse sonho... Tem uma coisa branca no seu cabelo — disse, tentando limpar a sujeira do cabelo dela.

— Foi o Preto, a minha cabeça é a privada particular dele.

— Quem é Preto?

— É um canarinho amarelo que me persegue, o nome dele é Preto.

— Por que colocar o nome de Preto em um canário amarelo?

— Não fui eu que coloquei, ele que me falou que o nome dele era Preto.

— Não bastasse falar com o macaco, agora você conversa com pássaros também?

— Com macacos dá pra conversar, já os pássaros são uns tagarelas, ficam piando o tempo todo, é muito difícil entender eles.

— Ai, Lya! Você é uma graça, sabia? — disse o diretor, sorrindo, acariciando o rosto dela. — Eu vou tomar banho — comunica, levantando da cama.

Lacerda vai para o banheiro. Lyara pega o controle remoto de cima da mesa de cabeceira e liga a televisão. Um filme pornográfico começa a passar.

Enquanto isso, Valéria chega à mansão trazendo um buquê de girassóis, na intenção de se desculpar com a filha do diretor pelo mal entendido de sábado. A secretária aproveita uma distração da governanta e sobe às pressas as escadas. Aproximando-se da porta da suíte de Lacerda, ela escuta gemidos e furiosa adentra o quarto, de supetão.

— Que sacanagem é essa? — berra, indignada.

— O que você quer aqui, bruxa velha? — pergunta Lyara, sentada na cama.

— Mais respeito, sua pirralha. Onde está o Lacerda?

— Tá tomando banho.

— O que diabos está acontecendo aqui? — grita à loira, enfurecida.

O empresário escuta os gritos e sai do banheiro enrolado numa toalha branca.

— Que gritaria é essa? O que está fazendo aqui, Valéria?

— Eu é que pergunto que porra é essa? Primeiro você me diz que essa moleca é a sua filha e agora eu entro aqui e encontro ela na sua cama, vestindo uma camiseta sua, assistindo pornô e pra completar você me aparece só de toalha. Você pensa que me engana? Eu sei que está dormindo com essa garota.

— Eu durmo ali — comenta Lyara, apontando para a varanda.

— Ela ainda tem a audácia de esfregar na minha cara que dormiu com você.

— Não é nada disso que você está pensando, Valéria. Ela não dormiu comigo. A Lya dormiu na rede da varanda e ela está usando minha camisa, porque não tem pijama. Não tem nada de estranho acontecendo aqui.

— E esse filme pornô?

— Esse o quê? — indaga, notando apenas agora os gemidos e cenas picantes que se passam na televisão. — Droga Lya! Desliga essa TV — fala o diretor, tomando o controle remoto da mão da jovem. — Ela ainda está aprendendo a trocar de canais — comenta, desligando o aparelho.

— Você quer mesmo que eu engula essa historinha?

— Não quero que você engula nada. O que eu quero saber é o que você está fazendo na minha casa a essa hora? O seu expediente só começa às 8h e o ponto é lá na matriz, não é aqui.

— Você é um grosso, Lacerda. Eu vim pra me desculpar com a sua filha ou sei lá o que essa aí é pra você. — Valéria junta o buquê de flores que havia largado no chão, entrega a Lyara e fala: — Toma seus girassóis idiotas.

Após entregar às flores a secretária sai batendo à porta.

— Haja paciência — disse bufando, caminhando em direção ao banheiro.

Lyara pega o controle remoto que ele havia deixado em cima da cama e liga a televisão novamente. Lacerda escuta os gemidos e volta correndo.

— Que fixação é essa em pornografia? Dá esse controle pra cá — fala, tomando o controle das mãos dela e mudando de canal.

— Eu acho bonito o movimento que eles fazem com os corpos.

— Aquilo é efeito especial, Lya. Ninguém tem coluna pra fazer todas aquelas posições.

— Você é grosso? — pergunta, olhando para a toalha dele.

— Que espécie de pergunta é essa?

— A sua namorada falou que você é grosso.

— A Valéria não é a minha namorada. E ela não falou nesse sentido. Ela quis dizer que eu fui grosseiro, rude, estúpido. Entendeu?

— Entendi. Mas você é grosso lá em baixo?

— Lya, essa pergunta é extremamente inapropriada. Você não deve perguntar isso a nenhum homem, muito menos ao seu pai.

— A mandioca do papai pajé era bem pequenininha — comenta, mostrando o dedo mindinho.

— O quê? Como que você sabe disso?

— Na selva a gente não precisava usar roupas.

— Eu sei que você foi criada na selva por um índio e os costumes são diferentes, porém aqui na cidade você não pode andar sem roupas, e isso inclui peças íntimas. E você está terminantemente proibida de perguntar o tamanho dos órgãos sexuais das pessoas.

— O corpo humano é algo tão belo e natural, não entendo porque vocês da cidade ficam tão constrangidos com a nudez. Se o certo fosse usar roupas, nasceríamos vestidos e não nus.

— Chama-se evolução, Lya. A pessoa nasce nua, sem saber andar, sem saber falar, daí aprende a falar, a andar e também aprende a se vestir adequadamente. E nada de pornô, a partir de hoje você só assiste a desenhos educativos — ordena, colocando no canal de desenhos infantis. — Deita e coloca esse pé pra cima — disse Lacerda, arrumando os travesseiros para ela apoiar o pé. — Fique assim, precisa repousar bastante para o seu tornozelo melhorar. Eu vou pedir para a Marta trazer as suas refeições no quarto. Tudo bem?

— Tá bom! Diz pra ela trazer jujuba?

— Pode deixar, vou dizer. Fica aí deitadinha, assistindo ao seu desenho que eu vou me arrumar para o trabalho — fala o diretor docemente, beijando a testa da filha. — Que gosto estranho. Droga, acho que eu beijei bem em cima da merda do pássaro — comenta, limpando a boca.

Os dias seguintes de Lyara foram de repouso absoluto, comida na cama e desenhos animados.

*

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